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8. ENCONTROS COM O(S) OUTRO(S) NO PROJETO: RELAÇÕES INTERPES-

8.2 Relações com os profissionais na instituição

Apesar de diferenciar-se da escolarização formal, o projeto social investigado é um contexto de ensinar e aprender, pois tem como proposta a educação complementar e é identificado como projeto sócio-educativo. Envolve necessariamente a relação de sujeitos com os saberes socialmente produzidos, mesmo que com métodos distintos da escola, sob o formato de oficinas, por exemplo. Em função desta relação com o saber os oficineiros e mesmo monitores do projeto são designados como professores pelos jovens entrevistados e demais participantes do projeto social. Alguns pontos relevantes sobre a relação dos jovens entrevistados com os profissionais do Projeto Sol foram abordados no subcapítulo Lugar dos jovens. Nesta seção serão analisados outros elementos presentes nesta interação, constantes nos discursos dos jovens.

Marcos trouxe como uma de suas lembranças do Projeto Lua a relação que mantinha com os professores. “(...) os professores, que eram gente fina também.” Do mesmo modo, Cláudio destacou que mantinha amizade com todos os professores do projeto. Nas entrevistas com os dois jovens esta temática não atingiu maior profundidade, mas seus breves enunciados demarcam a intensidade da interação com os professores do projeto, que se tornou memória significativa para ambos.

Carolina e Luís trouxeram elementos significativos que merecem análise. A relação de Carolina com os docentes do Projeto Sol foi trazida por ela quando questionada sobre o que pensava sobre o projeto.

Ah eu penso que eles continuem como eles são. A maioria dos professores são legal. A maioria são chato. (Carolina)

Ah, a maioria assim, fala direito com a gente e a metade fala berrando assim, sabe? Tipo, tem um professor ali que passa a mão na cabeça da gente e tudo né, tipo, ser legal né. Agora, tem uns que não né: ‘vou dar suspensão, que não sei o quê... porque tu fizesse isso.’ (Carolina)

A jovem fala que o projeto deve continuar como está, mas de certo modo deixa escapar uma contraposição entre os professores, por ela considerados legais e chatos. Os legais são relacionados à expressão “passa a mão na cabeça”, que a jovem significou como aqueles

de acordo com suas vontades, e inclusive concediam um tempo para a brincadeira. Já os chatos referiam-se ao professores que exerciam a autoridade com a intensidade da voz elevada e com ameaças, por exemplo. Deste modo, nem todos os professores, para Carolina, eram “gente fina” ou amigos, como o eram para Marcos e Cláudio respectivamente. Esta qualidade estava ligada ao tipo de relação por eles estabelecidas com a participante.

A professora de dança, neste sentido, era a referência de Carolina no Projeto Sol. Sua relação com ela ainda se mantinha mesmo estando em outro projeto. Segundo a jovem esta professora era quem ouvia suas opiniões. No momento em que soube de sua transferência ao Projeto Orvalho, Carolina conversou com esta professora e pediu sua ajuda. “Aí a professora ficou do meu lado.” Esta foi sua mediadora para com a coordenação na solicitação de sua permanência no projeto, o que não ocorreu. Com os demais professores Carolina não mantinha uma relação tão próxima e não costumava conversar ou emitir opiniões em suas aulas. “Não porque eu não gostava muito, né, de falar, pros outros professores. Eu gostava mais da professora de dança. Ela era mais legal comigo.”

Sua relação com esta professora também refletiu na sua relação com a dança, a qual consistia em sua oficina preferida do projeto e uma atividade ainda praticada pela jovem em seus momentos de lazer. A mediação do outro, educador, está além da mera relação com o objeto do saber, envolve sujeitos em relação e conseqüentemente os componentes que sustentam o humano, como a racionalidade, os sentimentos, as emoções, entre outros (Zanella, 2007). Desta maneira, o processo de ensinar e aprender dança, para Carolina, também alicerçava-se nos laços afetivos mantidos com a professora.

Os professores que Carolina qualificou como legais são aqueles abertos a acolher vontades e gostos dos participantes, mas também suas angústias. Mas isto não parece, no discurso de Carolina, remeter a uma ausência de autoridade docente ou a uma permissividade completa, uma vez que ela mesma afirmou o contrário, tanto pelos enunciados apresentados anteriormente, quanto por explicitar que a professora de dança direcionava as questões relativas à sua aula, no ensino e correção de passos e coreografias.

As interações chatas com os educadores, na perspectiva da jovem, diziam respeito à autoridade exercida com mecanismos de coação, como a ameaça de suspensão. Nesta direção, Carolina também indica os chamados “esporros” freqüentes na rotina do projeto como um todo.

Carolina: O que eu não gostava era dos esporros (risos). Pesquisadora: Esporros? Como assim?

Carolina: Que a gente ganhava. Tipo, um guri vai ali e faz bagunça e eles

culpam todo mundo, entendeu? Aí... isso é que eu não gostava.

Carolina: É, era isso. Eles sempre fazem isso né. Uma criança vai ali e faz uma

botam a culpa em todo mundo. Se tiver junto também né, mas se não tiver junto, aí eu não sei, eles podem ficar meio desconfiado.

Pesquisadora: E o que acontece? Carolina: Ah, aí a gente leva suspensão.

Estas repreensões ou broncas estavam principalmente associadas à busca de culpados, entre os participantes, por situações ligadas a roubos e bagunça. Carolina afirmou nunca ter sido suspensa do projeto, mas que recebera muitas broncas (“esporros”) pela bagunça que fazia. Nesta forma de interação, a jovem afirmou desgostar da desconfiança de alguns educadores para com ela. Havia um descrédito por parte de alguns educadores e coordenadores em relação às crianças e jovens do projeto, que refletia num distanciamento da jovem em relação a estes profissionais. Vivências opostas à forma de relação que mantinha com a professora de dança, nas quais imperavam o não acolhimento e escuta de suas opiniões.

A relação de Luís com os educadores surgiu na entrevista ao falar o que pensava sobre o Projeto Orvalho.

Luís: O que eu penso? É legal, é bom, mas tem hora que a professora às vezes não

entende porque a gente falta, daí tem que explicar tudo. Daí tem hora que ela não entende, daí às vezes eu me sinto mal, às vezes eu me sinto bem.

Pesquisadora: É? O que ela não entende, por exemplo?

Luís: É que...que nem esses dias que eu faltei, porque eu tava cuidando do meu primo.

Daí outro dia eu tava esperando o ônibus daí meu amigo falou assim: ‘não vai ter ônibus’. Daí veio o ônibus do norte e ela [professora] pensou que era o ônibus do continente. [Luís utilizava como transporte ao Projeto Orvalho o ônibus que trazia os moradores do continente para o Projeto Sol] Daí tive que explicar pra ela, ela ligou pra coordenadora do projeto na prefeitura, daí a coordenadora me deu uma chance pra mim voltar. Daí eu voltei pro projeto. Daí eu to aqui por causa da coordenadora, que ela me deu uma chance.

Os sentidos do Projeto Orvalho e os sentimentos evocados como participante do mesmo estão entrelaçados, nesta fala, com a interação que Luís mantinha com a professora. O fato de Luís em algumas ocasiões sentir-se mal no projeto relacionava-se à uma incompreensão atribuída pelo jovem à professora sobre suas faltas freqüentes. Esta professora é a monitora do projeto, que acompanhava as atividades diárias, auxiliava os demais educadores e controlava a presença dos jovens, que não poderia ultrapassar o limite de três faltas ao mês. De acordo com Luís, suas ausências no projeto deviam-se a consultas médicas e situações em que era responsável pelo cuidado de primos mais novos. Além disso, sua ida ao projeto ficou comprometida no período em que um dos ônibus do Projeto Sol estragou, dois dias da semana ia a pé ao local em função do rodízio entre o transporte dos moradores da região norte da Ilha e continente/centro da Ilha.

O enunciado trouxe uma situação que exemplifica uma certa confusão envolvendo a questão, Luís faltou ao projeto num determinado dia, pois permaneceu esperando o ônibus, que

não ocorreu. A questão expôs um descrédito da professora com o jovem, que precisou explicações sobre sua ausência, e implicou, segundo Luís, na sua permanência/desligamento do projeto. Apesar de não se ter acesso aos ditos pela professora e coordenadora para Luís na ocasião, a sua permanência foi significada como uma nova chance lhe oportunizada, mas a questão central da falta de transporte parece ter sido ignorada por ambas. Se, por um lado, oferece-se um projeto e exige-se a participação dos inscritos, por outro, muitas vezes não são garantidas condições mínimas de permanência e freqüência. A questão do ônibus continuou não resolvida até o final da coleta de informações da pesquisa e comprometeu a ida das crianças e jovens durante o primeiro semestre de 2007 quase em sua totalidade.