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5. CONTEXTO E SUJEITOS DA PESQUISA

5.2 Jovens entrevistados

Marcos, Carolina, Cláudio e Luís são os nomes fictícios que aqui representam os jovens foco e fundamento desta pesquisa. Marcos, o primeiro jovem entrevistado e que participou apenas do Projeto Lua, anterior ao investigado, no momento da entrevista estava com 16 anos de idade. Os outros três tinham 15 anos. Os quatro entrevistados apresentavam condições sócio- econômicas semelhantes. Com exceção de Marcos, que habitava um bairro do norte da Ilha considerado de classe média baixa, os demais residiam em bairros de baixa renda situados em morros próximos ao centro de Florianópolis.

Somente Luís não morava com seus pais, sua mãe era falecida. Estava sob a responsabilidade de seus avós paternos, ambos aposentados. O jovem não citou a existência de nenhum irmão. Os pais de Carolina eram guardadores de carros. A jovem possuía um irmão com 14 anos, e duas irmãs, uma com 12 e outra com 11 anos, todos freqüentavam o projeto investigado. O pai de Cláudio era aposentado em função de doença e sua mãe mantinha os cuidados do lar. Seu irmão, com 24 anos, era caixa de um supermercado e sua irmã de 18 anos era estudante. Cláudio foi o único jovem não nascido em Florianópolis, era natural de Curitiba/PR. Marcos tinha apenas uma irmã ainda criança, com 8 anos. Seu pai era pedreiro e sua mãe era auxiliar de cozinha em um restaurante.

Com relação à escolaridade dos entrevistados, Marcos era o único que naquele momento não estava matriculado em nenhuma escola: estava freqüentando um outro projeto social de uma ONG voltado para o primeiro emprego. Terminou a 8ª série do ensino fundamental, iniciou o 1º ano do ensino médio, mas não o concluiu. Os outros três estudavam em escolas estaduais do município. Carolina cursava a 8ª série, Cláudio a 7ª e Luís a 5ª, os três com defasagem série/idade. Luís chamou a atenção da pesquisadora em função de seu desenvolvimento corporal aparentar uma idade inferior, seus traços e sua estatura o aproximavam mais da infância. Este jovem, durante a entrevista, declarou ser portador do vírus HIV. Este fato está aqui explicitado

somente por ser um importante viés presente no enunciado do jovem e que reflete nas questões relativas à sua constituição enquanto sujeito e em sua participação no projeto social.

Luís, além da escola e do projeto social, durante os dias da semana ajudava sua avó em alguns afazeres domésticos, arrumava suas roupas e assistia televisão. Nos finais de semana, além de assistir televisão, se divertia brincando com seus primos, menores de 6 anos de idade. Luís tinha muita clareza em relação a seus sonhos de futuro. Gostava muito de crianças, de pintar, de jogar vôlei e de mexer no cabelo de suas primas. Por este motivo tinha algumas opções do que desejava ser. Relatou que poderia ser professor de educação física, professor de creche ou cabeleireiro.

Marcos no período em que não estava no projeto auxiliava seu pai nas construções que fazia. Em seus finais de semana costumava visitar seus primos, com os quais ficava escutando música. O jovem ainda não tinha clareza sobre seu futuro. Relatou já ter pensando em muitas coisas, mas ainda estava confuso. Chegara a pensar em profissões como engenharia e arquitetura pelo seu gosto pelo desenho, mas ainda não sabia. Seu desejo era completar rapidamente 18 anos para comprar um carro e sair da casa dos pais, espaço onde haviam brigas e impedimento de suas vontades.

A rotina de Carolina também incluía a ajuda nas tarefas domésticas de sua mãe. Nos finais de semana ia para o curso de preparação para a crisma, na igreja católica. Em seu tempo livre, nos momentos em que estava sozinha em casa, gostava de dançar e escutar música. Para seu futuro desejava ser secretária, mas os motivos da escolha não foram esclarecidos na entrevista. Cláudio, por sua vez, nos horários em que estava de folga costumava jogar bola e videogame com vizinhos e amigos. Gostaria de seguir a profissão de seu irmão, ser caixa de supermercado. Um resumo destas informações sobre os sujeitos da pesquisa encontra-se no Anexo 5.

Os quatro jovens, apesar de não conhecerem anteriormente a pesquisadora, compartilharam com a mesma histórias e memórias de suas vidas e trajetórias nos projetos sociais. Tratava-se de uma pessoa desconhecida, vinda de um lugar também pouco conhecido, a universidade, que ainda lhes era distante. Os jovens falavam pouco, suas repostas eram geralmente curtas. As perguntas feitas pela pesquisadora eram constantemente re-conduzidas, visando ampliar as informações. Lidava-se com o limite tênue entre aquilo que se imaginava que os jovens gostariam de compartilhar, os seus sentimentos de vergonha ou timidez e o que poderia ser sentido como invasão de suas intimidades. Também há que se considerar o fato da própria pesquisa parecer estranha aos jovens, como se desprovida de sentido. Seus objetivos e sua proposta não possuíam relação imediata e concreta com seus cotidianos e vivências. Nestas

condições, falar talvez se tornasse algo ainda mais complicado para eles. Esta complexidade permeou a construção da relação estabelecida entre pesquisadora e pesquisados e a dialogicidade dela decorrente.

Após a entrevista, no entanto, houve uma transformação desta relação. A pesquisadora passou a ser conhecida por e para eles. Durante as visitas subsequentes ao projeto, em que os três jovens eram reencontrados, estes a cumprimentavam, algumas vezes até iniciavam conversas, geralmente chamando-a de “sora”. Na festa junina do projeto, em que estes foram convidados a participar, Luís permaneceu grande parte do tempo próximo à pesquisadora, conversando e mexendo em seu cabelo. Cláudio também conversou e convidou-a para dançar um forró.

A aproximação dos jovens com a pesquisadora demarcou um movimento outro, um contato não meramente originado por obrigações acadêmicas. O simples fato de serem ouvidos, de suas falas serem consideradas importantes por uma “estrangeira”, ampliou a relação acadêmica inicial. A afetividade, um dos aspectos característicos da consciência humana, a qual se produz interpsíquicamente conforme Vygotski (1982), e que, portanto, é mediadora importante das relações e constitutiva dos sujeitos, pôde ser percebida com mais nitidez. Esta, que geralmente é relegada a segundo plano nas investigações sobre o humano (Sawaia, 2006), permeou as aproximações eu-outro, pesquisador-pesquisado, conhecido-estranho, universidade- projeto social, suscitadas pela pesquisa, e possibilitou a criação de novos sentidos. A pesquisa, antes vazia e alheia, passou a fazer sentido para estes jovens e também para a pesquisadora.