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3 EXPRESSA-TE, INTERAGE-TE, TRANSFORMA-TE

3.9 Afinal, o que é arte-terapia?

Arte-terapia é uma profissão assistencial ao ser humano. Ela oferece oportunidades de exploração de problemas e potencialidades pessoais por meio da expressão verbal e não verbal e do desenvolvimento de recursos físicos, cognitivos e emocionais, bem como a aprendizagem de habilidades, por meio de experiências terapêuticas com linguagens artísticas variadas. (American Art Therapy Association, apud CARVALHO, 1995, p. 23)

Para Carvalho (1995), o arte-terapeuta pode usar materiais das artes-plásticas ou buscar expressão através do corpo, da voz, da dramatização ou da literatura. Não há necessidade de se ter habilidade ou talento. O objetivo é levar o cliente a expressar da maneira mais espontânea o quê e como quiser, acreditando que é por esse meio que o paciente poderá reconhecer o que saiu de si. Considera que a arte-terapia é uma modalidade de psicoterapia que promove o processo terapêutico, e que o papel do arte-terapeuta é estimular a produção artística através de outras linguagens, numa postura definida por pressupostos teóricos, bem como ajudar o cliente a compreender seus próprios processos.

Para Andrade (1995, p. 40), fazer arte com fim psicoterapêutico é “[...] procurar facilitar a resolução de conflitos interiores afetivos e comportamentais, utilizando-se de algum meio de expressão artística, aí está se praticando arte com uma função e orientação psicoterapêutica.”. Ou “[...] se usarmos os recursos artísticos para desenvolver um conhecimento de arte, está-se fazendo arte-educação, mesmo que nessa atividade se reconheça também um subproduto terapêutico.” (ANDRADE, 1995, p. 40).

4 - EXPERIMENTAR-TE

(as oficinas de recursos expressivos)

No levantamento realizado, podemos notar que o campo das artes enquanto terapia é bastante controverso, pouco delimitado e fundamentado. As experiências advindas de tais propostas são isoladas e buscam nos referenciais já existentes o esteio para suas atuações.

Em nossa proposta não utilizaremos os conceitos das arte-terapias por considerá-los ainda vagos e pouco consistentes. Tampouco consideraremos os encontros com as crianças como “educação artística”, visto que a função da educação, como referido por Millot (1987), não se afasta da relação de poder instaurada entre os pares. A educação cria para a infância um lugar compactuado com o espelhamento do desejo do adulto; seu discurso, portanto, é autoritário, segundo os pressupostos de Orlandi (1987).

A partir dos autores citados, consideramos algumas idéias centrais e norteadoras do trabalho que justificarão a nossa escolha pelas oficinas de recursos expressivos. Desse modo, valorizaremos o processo e a livre expressão infantil, não priorizando os padrões e as medidas, pois a primeira preocupação da criança não é a estética (STERN, 1959; LOWENFELD & BRITTAIN, 1977). O ponto de partida para a realização do trabalho com as crianças será deixá-las falar, pintar, expressar-se como quiserem e estimular a fala sobre suas próprias produções (DOLTO, 1959). Segundo Meredieu (1997) e Derdyk (1989), a ação sobre o mundo é uma necessidade vital para as crianças. É durante o processo de exploração do mundo que ela levanta hipóteses, cria teorias e explicações a respeito de sua própria vivência, fato que deve ser estimulado, criando espaços onde a criança possa falar de suas descobertas. Aproximamo-nos de Lowenfeld & Brittain (1977) quando sugerem que o produto acabado transcende o visível, pois nele estão contidos a construção do pensamento da criança, seus

sentimentos e sua visão de mundo. Concordamos com Derdyk (1989) quando afirma que a atividade expressiva não se restringe ao desenhar e, portanto, toda atividade proposta pela criança será levada em consideração. Quanto ao adulto, aquele que acompanhará as crianças, nos remetemos a Derdyk (1989): ele deve compartilhar mais que ensinar.

Com tais pressupostos, propomos a implantação de uma oficina de recursos expressivos. Segundo o Dicionário Aurélio (2000), oficina é o lugar onde se exerce um ofício. Ofício, por sua vez, remete a trabalho, ocupação ou profissão, dentre outros. Oficina significa lugar de trabalho, mas se distingue da fábrica porque o trabalho aqui realizado é artesanal, exige criação e uma disponibilidade do sujeito para se colocar: como já foi dito, o produto transcende o visível e, neste sentido, é singular, pois exige uma maior implicação do sujeito na realização de um projeto. Além disso, a oficina é local de produção coletiva, de encontro com o outro, já que sabemos que toda produção não é em vão, destina-se sempre a alguém e, portanto, é onde se desencadeiam as relações de grupo. Pensamos que a oficina é um lugar de encontro e de trabalho, portanto, de práxis. Não é próprio do infantil produzir riqueza, no sentido de produção econômica. Porém, é próprio do infantil explorar e transformar as coisas. Este processo permite transformar a própria cultura infantil. Tendo em vista as considerações acerca da infância na atualidade, notamos que o adulto cerceia a possibilidade de a criança construir sua própria cultura, tornando suas atividades estéreis e guiadas pelo consumo e pela mercantilização. Tal posicionamento limita uma experiência que poderia ser enriquecedora, pois os brinquedos restringem as possibilidades de exploração como, por exemplo, os pré- moldados. Em outra via, existe a possibilidade de experimentação do mundo através do lúdico, que escapa da matéria fornecida pelo mercado. Em nosso trabalho, utilizamos materiais disponíveis para o consumo desde que estes fornecessem a possibilidade de transformação. Assim como Blikstein (1983) se referiu aos estereótipos e óculos sociais,

buscamos, através do lúdico e da transformação da matéria, a desconstrução do referente rígido e restrito para dar vazão à polissemia e à produção de sentidos.

A função do oficineiro é a de agir ou intervir na situação com o objetivo de romper com os estereótipos e repetições de comportamentos cristalizados. É pela análise da transferência que o oficineiro tem condições de romper com o comportamento padronizado, resgatando o discurso lúdico e a expressividade.

Desse modo, através da práxis, a criança vai construindo, pela exploração e pelo contato com o outro, suas condições de existência. O instrumento de intervenção reside na sua relação com os outros no grupo. É através desse instrumento que a possibilidade de reconstrução do sujeito se efetua, pois atua na produção das relações sociais, incluindo a cultura infantil. O que a criança sabe fazer? Transformar as coisas a sua volta, não só no que diz respeito aos materiais, mas também na sua relação com as outras crianças e com o próprio adulto. Trata-se do encontro entre todos e do trabalho no que as crianças mais sabem fazer: experimentar coisas e transformá-las. Os recursos expressivos são nossos instrumentos: em torno deles transitam a expressão, a produção de sentidos, a obra, a nossa relação e a experiência.

5 - OBJETIVOS

A aproximação da arte com a psicologia desde muito tem sido contemplada como objeto de trabalhos acadêmicos. Nosso estudo visa a uma articulação entre ambas que não tenda demasiadamente a um reducionismo psicologista e estereotipado. Pretendemos criar um espaço grupal constituído em torno do manuseio de materiais que facilitem experiências sensoriais e expressões simbólicas capazes de expandir o espaço para as manifestações do inconsciente e da polissemia.

Queremos demonstrar que a situação de grupo, estruturada como uma oficina, pautada na ação e expressividade da criança, dentro de um ambiente de acolhimento, segurança, confiança e ruptura de cristalizações, estereótipos, repetições de conduta e significações monossêmicas pode ser um recurso útil e produtivo no enfrentamento de situações problemáticas de vida e de sofrimento, como aquelas que se colocam para a criança vítima de violência, abrigada em instituições.

6 – PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS