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3 1 O aforamento das terras do Concelho

Conforme já ressaltado, nas terras de além-mar, quando uma povoação alcançava a condição de vila e/ou cidade, a Coroa costumava doar terras para comporem o patrimônio das recém-criadas câmaras na colônia. Em geral, estes terrenos serviriam à constituição de logradouros públicos, uma parte para a ereção de prédios administrativos e eclesiásticos, outra seria destinada às roças e pastos comuns e, por fim, uma parcela poderia ser dividida em “chãos”, concedidos aos moradores por meio de contratos enfitêuticos335.

Tais contratos envolviam o pagamento de um tributo às câmaras municipais. O

foro era um pagamento anual feito pelos moradores, dando-lhes o direito de usufruir dos

terrenos que serviriam para a construção de suas “casas de vivenda” e estabelecimento de roças ou criações. A arrecadação dos foros constituía-se em uma das principais formas de obtenção de renda por parte das câmaras coloniais336.

Os oficiais da Câmara de São Luís se referem aos aforamentos nos registros das reuniões onde, entre outras questões discutidas, deliberavam sobre a necessidade de notificar aos moradores das terras da câmara. As notificações dirigiam-se tanto aos indivíduos que precisavam retificar o pagamento do tributo, como àqueles que usufruíam de chãos situados na légua do concelho sem pagar foro.

Em uma vereação ocorrida em abril de 1682, por exemplo, os camaristas determinaram que “se mandasse saber pelo escrivão das varas as pessoas que lavram nas terras do Concelho e lavraram e não pagaram e que paguem o foro dos anos que nelas moraram”337. A queixa dos oficiais demonstra que o controle sobre o uso dessas terras

convivia com os descumprimentos dos moradores que, inclusive, poderiam ser de longa data.

335 ENES, Thiago. De como administrar cidades e governar impérios, op. cit., p. 78.

336 Foro poderia ter o sentido de “tributo”, que é “procedido de coisa foreira (...) que se paga a dinheiro”

ou “que se paga a trigo, sevada e outros frutos da terra”. BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez &

Latino, op. cit., vol. 4, p. 179. A receita da Câmara de São Luís era basicamente proveniente das rendas

advindas do comércio da carne, da taxa cobrada às embarcações que faziam a passagem para Tapuitapera (Alcântara), dos foros das terras da câmara e dos impostos sobre produtos, como “vinho, aguardente, açúcar, tabaco, algodão, sal e sobre os serviços mecânicos”. CORRÊA, Helidacy Maria Muniz. Para o aumento da

conquista e bom governo dos moradores, op. cit., p. 207.

Aparentemente, as notificações feitas no início do ano correspondiam aos contratos de aforamento que precisavam ser ratificados através do pagamento anual, conforme verifica-se no termo registrado em janeiro de 1697 no qual “foi requerido que se mandasse que todas as pessoas que costumam pagar foro das terras do concelho se viessem novamente aforar”338. Isto é, que comparecessem para validar o aforamento,

liquidando o tributo anual o que, a princípio, deveria acontecer em janeiro de cada ano. Os recursos obtidos com os aforamentos contribuíam para o funcionamento da instância municipal, já que as rendas poderiam ser usadas para cobrir despesas com a manutenção de espaços públicos, com o conserto da “casa da câmara”, e demais serviços ou gastos:

Os camaristas não se recusavam em conceder as terras do concelho para os moradores realizarem suas plantações, mas determinavam o seu aforamento, tendo em vista que esse controle garantia recursos financeiros que seriam revertidos no funcionamento da Câmara. A legalização junto a esta para fins de controle levava, no tempo devido, ao recebimento dos recursos do seu aforamento, e a Câmara deixava as pessoas livres da multa de seis mil réis339.

A preocupação dos camaristas com a arrecadação dos foros era uma constante. Isto denotaria que os moradores se escusavam do pagamento com frequência, mas, também, que o funcionamento da câmara dependia significativamente dos parcos recursos obtidos com o arrendamento das terras concelhias. Uma multa no valor de seis mil réis poderia ser aplicada aos moradores que utilizassem os terrenos destinados aos aforamentos sem consentimento e sem o assento do pagamento do foro. Por sua vez, os indivíduos que já possuíam registro de aforamento junto à Câmara e não comparecessem para retificá-lo, estavam sujeitos à multa menor – “ratificando os foros de que tiverem já feito assento com pena de dois mil Réis”340.

De acordo com Ximendes, a primeira referência ao assunto encontrada por ele nos Acórdãos da Câmara data de 1647. Não obstante, o início da concessão de terrenos aos moradores para construção de moradas, criações de animais e estabelecimento de

338 Acórdãos da Câmara de São Luís de 1689 a 1705, registro do dia 19 de janeiro de 1697, fl. 97-97v. 339 XIMENDES, Carlos Alberto. Sob a mira da câmara, op. cit., p. 105.

340 Acórdãos da Câmara de São Luís de 1689 a 1705, registro do dia 8 de janeiro de 1700, fl. 176v-177.

Para efeito de comparação, no mesmo período, uma resolução dos camaristas sobre “as peças que se achassem escravas fugidas”, determinava o pagamento, por parte de seus donos, de quatro mil réis para as que fossem achadas dentro da Ilha e oito mil réis para as que fossem encontradas fora da Ilha – valores correspondentes aos escravos indígenas apanhados pelas tropas. Acórdãos da Câmara de São Luís de 1689

pequenas lavouras, remontaria ao período da efetiva instalação da instituição municipal em São Luís341. Instituído o patrimônio da câmara em 12 de dezembro de 1615, ela passou

a funcionar efetivamente apenas em 1619, passando a gozar do direito de ceder terrenos localizados dentro dos limites de suas terras.

Desde o início do século XVII a municipalidade praticava o aforamento de suas terras, e parte de suas rendas já era proveniente do assentamento dos foros, como atestou Simão Estácio da Silveira por volta de 1624342. Para além da sua légua, não lhe era

permitido fazer arrendamentos. Segundo César Marques, entretanto, “os moradores, vendo que a Câmara dava terras nos limites da sua légua, começaram a exigir os da beira- mar e a Câmara julgou-se com o direito de fazer muitas doações neste sentido” 343.

Possivelmente, a possibilidade de aumentar a arrecadação camarária tenha fomentado a distribuição de terras além dos limites da légua da câmara.

Segundo Carmen Alveal, em Portugal a administração concelhia abarcava o “controle das terras em seu redor”, gerenciando a distribuição de terrenos localizados em áreas mais distantes. Nos territórios coloniais, entretanto, os Concelhos ou Câmaras municipais estavam principalmente envolvidas com “as terras que lhes pertenciam e aforavam no sentido de garantir renda às câmaras”344. Eventualmente, o rei cedia aos

pedidos dos agentes camarários que lhe imploravam por mais léguas, a fim de aumentarem a receita da municipalidade com a administração fundiária do espaço sob sua influência345.

É possível verificar o registro dos foros pagos à Câmara de São Luís no livro

Inventário dos bens do Concelho – Entregas, e recebimentos dos procuradores (1676- 1700), digitalizado no site do Arquivo Público do Estado do Maranhão. Neste Inventário

que servia para arrolar todos os bens, despesas e arrecadações do Senado da Câmara,

341 XIMENDES, Carlos Alberto. Sob a mira da câmara, op. cit., pp. 99-104.

342 SILVEIRA, Simão Estácio da. Relação Summaria das Cousas do Maranhão, op. cit., p. 136. 343 MARQUES, César Augusto. Diccionário histórico-geographico, op. cit., p. 106.

344 ALVEAL, Carmen M. Oliveira. Converting land into property in the Portuguese Atlantic World, op. cit., p. 57.

345 O espaço sob a influência da Câmara, conforme Alveal, era o “termo” da vila ou “área concelhia” que,

no geral para a América portuguesa, corresponderia a seis léguas em quadra, mais ou menos. A autora relaciona diretamente o espaço do “termo” com a área que as Câmaras dispunham para aforar aos moradores. Ibidem, p. 141. Contudo, os terrenos localizados nos termos das vilas e cidades nem sempre eram aforados, podendo ser concedidos sem a obrigação de tributo algum, conforme previam as “cartas de datas e sesmarias” de São Luís do Maranhão, por exemplo.

encontra-se, por exemplo, um registro de 3 de janeiro de 1680 sobre o recebimento de 30 mil réis “das rendas das terras do Concelho”346.

Ao longo do século XVII, a municipalidade eria tido dificuldades com a arrecadação dos foros347. Em finais do seiscentos o problema persistia. Na concepção de

Ximendes, a recorrente desobediência culminaria na decisão “em agir com mais firmeza contra os moradores”, o que ficaria demonstrado pelo termo vereação de janeiro de 1693, no qual os oficiais ameaçaram expulsar aqueles que não retificassem seus foros. Para ele, o recrudescimento em relação à cobrança dos tributos teria resolvido o problema, pois não haveria nenhum termo posterior a 1693 em que se mandasse cobrar as rendas das terras da Câmara348.

Todavia, nos anos seguintes verifica-se que a preocupação com os moradores das terras da Câmara não havia simplesmente acabado. Em agosto de 1694, o procurador do Concelho requereu que “se mandasse passar mandado contra os moradores das terras da câmara”, enquanto que em março de 1699 foi mandado lançar um pregão determinando que aqueles que lavravam nas terras da Câmara fossem retificar os foros, sob a ameaça de que “se lhes mandará que despejem das terras do concelho”349. Infere-

se, portanto, que continuaram existindo tensões entre os moradores e a instituição municipal no tocante aos aforamentos, reveladas tanto pela constante necessidade de reafirmar a obrigação dos pagamentos dos tributos, quanto pelas formas de ameaça utilizadas para pressionar os indivíduos que usufruíam do patrimônio camarário.

Os descumprimentos ligados ao uso das terras da câmara são reveladores dos limites do gerenciamento do espaço urbano por parte da municipalidade. De fato, a atuação dos oficiais e demais funcionários da Câmara de São Luís visava regular os usos e as práticas dos indivíduos por meio de normas, proibições e punições. Em tese, aqueles que não se submetessem aos contratos de aforamento não estavam autorizados a morar ou lavrar nas terras concelhias. Isto não significa, entretanto, que os moradores não burlassem esta obrigação.

346 Livro de Inventário dos bens do Concelho: entregas, e recebimentos dos procuradores de 1676 a 1700,

3 de janeiro de 1680, fl. 14.

347 XIMENDES, Carlos Alberto. Sob a mira da câmara, op. cit., pp. 99-104.

348 Conforme o autor – “Tal medida parece ter surtido os efeitos desejados, pois não encontrei nenhum

termo, até o final do século XVII, mandando cobrar as rendas das terras. É certo que se trata de período curto, de apenas sete anos, mas, em vista do que acontecia todo o ano, parece que houve avanço nas relações entre a Câmara e os lavradores que trabalhavam nas terras do concelho”. Ibidem. p. 107.

349 Acórdãos da Câmara de São Luís de 1689 a 1705, registro do dia 16 de agosto de 1694, fl. 63-63v;

Aparentemente, os indivíduos que deixaram de pagar o tributo, mas, possuíam assento junto à Câmara, poderiam ser chamados para regularizar seus foros antes de serem efetivamente expulsos das terras ou de lhes serem aplicadas as multas cabíveis. Nos casos em que os indivíduos não possuíam nem mesmo a autorização para usar as “terras da Câmara”, as insubordinações poderiam levar, de fato, às condenações.

A aplicação de multas constituía-se no mecanismo de repressão mais comum, todavia, eventualmente, os oficiais da Câmara lançavam mão de punições mais severas. Em novembro de 1699, por exemplo, registrou-se que André João foi condenado a pagar multa e Manoel Roiz da Corte foi preso na cadeia da cidade, ambos “por constar que tem lavouras nas terras do concelho sem pagar foro nem haver licença para lavrar”350. No caso

destes dois indivíduos, observa-se que não possuíam nem mesmo o assento do foro registrado na Câmara. Isto não os impediu de instalar suas lavouras nas terras concelhias, pelo menos até serem condenados pelo poder municipal.

Para além do lugar da instituição, do discurso e ordenamento espacial, a compreensão das relações que permeavam o processo de ocupação fundiária em São Luís também deve levar em conta os “movimentos contraditórios que se compensam e se combinam fora do poder panóptico”351. Relativizando a eficácia do poder local em

controlar os usos do solo urbano, pode-se lançar luz sobre práticas e gestos que deslocam os códigos e discursos gerenciadores dos lugares (sem, contudo, se sair completamente deles, conforme Certeau). O não pagamento do tributo exigido pelo uso das terras da Câmara e o estabelecimento de lavouras sem licença, revelam que as condições de sobrevivência, as necessidades dos moradores, ou outras questões da vida cotidiana, poderiam deslocar as disposições da instituição reguladora do espaço da cidade. Se, por um lado, a Câmara era detentora de uma estratégia que lhe asseguraria certo controle sobre a distribuição e uso dos terrenos urbanos, por outro, aos moradores, vez ou outra, restava recorrer às suas táticas352.

350 Acórdãos da Câmara de São Luís de 1689 a 1705, registro do dia 28 de novembro de 1699, fl. 147v. 351 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano, op. cit., p. 161. Foucault descreveu o “panoptismo” no

espaço urbano de fins do século XVII, onde a vigilância era exercida em todos os pontos da cidade e os moradores eram controlados em seus mínimos movimentos. Tratar-se-ia de um dispositivo disciplinar que dissociaria “o par ver-ser visto”, pois “no anel periférico, se é totalmente visto, sem nunca ver; na torre central, vê-se tudo, sem nunca ser visto”. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 191.

352 Para compreender as práticas que se insinuam no âmbito de um sistema ou ordem estabelecida,

deslocando-os, Michel de Certeau propõem a relação entre estratégias e táticas. Enquanto a estratégia postularia a capacidade de possuir um lugar próprio, como “o lugar do poder e do querer próprios”, a tática compreenderia “a ação articulada pela ausência de um próprio”, a astúcia ou a arte do “fraco”. Certeau criticou a obsessão em descrever as instituições e os mecanismos da repressão, mesmo que isso não fosse

A conclusão de que, a determinação de penas mais severas relativas ao não pagamento do foro em 1693, teria simplesmente apaziguado as relações entre os moradores das terras concelhias e a Câmara, privilegia a suposta eficácia do aparato repressivo acionado pelo poder local. Os termos posteriores que fazem referência aos aforamentos mostram que a necessidade de notificar aos moradores, e lembrar-lhes das punições às quais estavam sujeitos, continuou em pauta nas reuniões dos camaristas nos últimos anos do século XVII, adentrando o século XVIII.

No início de 1700, os oficiais mandavam, novamente, lançar pregão alertando todos “que tiverem roças ou sitio nas terras da câmara, ou de novo queiram roçar ou morar nelas o não possam fazer sem licença deste senado, como tão bem se aforando e ratificando os foros de que tiverem já feito assento com pena de dois mil réis”. No mesmo termo, o procurador solicitou que se mandasse “pregoar as rendas dos foros que se costumam pagar a câmara”353. Ou seja, que fossem divulgadas publicamente pela cidade

as rendas referentes aos aforamentos a fim de esclarecer os valores a serem pagos e recebidos no ano de 1700 e lembrar aos moradores da sua obrigação.

A permanência do assunto nas vereações denota que as tensões relacionadas aos indivíduos estabelecidos nas terras da câmara permaneciam. Para além da dificuldade em controlar o uso dos terrenos sem licença, verifica-se que o problema com a arrecadação dos foros e renovação dos assentos continuou nas primeiras décadas do século XVIII. No ano de 1715, novamente, os camaristas precisaram notificar os foreiros. Em junho, o procurador do concelho Antonio Correa Sampaio requereu aos oficiais que “era necessário mandar-se lançar um pregão sobre os foreiros que costumam lavrar nas terras do Concelho para que venham fazer novos aforamentos”354. Em dezembro, mais uma vez,

ele solicitou uma resolução sobre esta matéria:

“Senhores//Antonio Correia Sampaio procurador deste Senado da Câmara faz presente a vossas mercês senhores oficiais da Câmara em como tem requerido por várias vezes a vossas mercês vão o escrivão das varas, e alcaide cobrar dos foreiros os rendamentos das terras deste Senado e as condenações que se tem feito a algumas pessoas como também o mais dinheiro pertencente a este dito Senado (...)”355.

surpreendente por parte das instituições científicas, as quais “pertencem ao sistema que estudam”. Entretanto, destacou que “essa elucidação do aparelho por si mesmo tem como inconveniente não ver as práticas que lhe são heterogêneas que reprime ou acredita reprimir”. CERTEAU, Michel de. A invenção do

cotidiano, op. cit., pp. 91-99.

353 Acórdãos da Câmara de São Luís de 1689 a 1705, registro do dia 8 de janeiro de 1700, fl. 176v-177. 354 Acórdãos da Câmara de São Luís de 1714 a 1722, registro do dia 5 de junho de 1715, fl. 10. 355 Acórdãos da Câmara de São Luís de 1714 a 1722, registro do dia 7 de dezembro de 1715, fl. 46.

Chama a atenção o tom mais severo utilizado pelo procurador. Ele reitera as várias solicitações que já havia feito sobre o problema, as quais não teriam surtido efeito, chegando a queixar-se, inclusive, da “omissão neste particular” por parte dos oficiais. O pagamento das rendas da câmara por meio de “dinheiro falso” (nove varas de pano de algodão tecidas com “falsidade”) também é mencionado no requerimento.

O procurador alertava que era necessário fazer-se a cobrança com a maior brevidade possível, tanto das condenações sobre esta matéria como do restante dos foros não pagos à câmara – “como a falta da dita cobrança proceda não somente da grande omissão dos ditos oficiais se não também dos foreiros e condenados os foros e condenações que devem”356. O requerimento demonstra que a arrecadação dos foros

gerava possíveis tensões entre os próprios agentes da municipalidade, a ponto de o procurador chegar a repreender “os oficiais da Câmara” (entre os quais, aparentemente, não se incluía) por faltarem com suas obrigações. Não há, portanto, como pensar o grupo dos “homens que serviam na governança da República” como um bloco monolítico. No exercício de seus cargos, juízes, vereadores e procuradores poderiam, eventualmente, relacionar-se de maneira conflituosa ou contraditória, inclusive, relativizando a suposta hierarquia existente entre os cargos camarários.

Assim como outros espaços da cidade, os terrenos aforados também estavam sujeitos a certas determinações que eram impostas aos moradores. Também nesse caso, as normas nem sempre eram obedecidas, mesmo sob o risco de punições como a prisão na cadeia da cidade ou as multas destinadas “às despesas do concelho”. Por exemplo, aos lavradores “que lavram nas terras da câmara” ordenava-se que “não abram fojos nas suas roças”, isto é, buracos ou fossos que costumava-se abrir na terra. Os oficiais camarários proibiam esta prática que, possivelmente, servia ao apresamento de animais e parecia não ser incomum, visto que a resolução não era apenas preventiva, mas, também, se destinava aos moradores “que tiverem já abertos os mandem logo tapar com pena de seis mil réis”357.

As roças instaladas nas “terras da Câmara” ligavam-se ao abastecimento da cidade e seus arrabaldes. Quando os camaristas mandam chamar os foreiros para

356 Ibidem.

357 Acórdãos da Câmara de São Luís de 1689 a 1705, registro do dia 4 de dezembro de 1700, fl. 170v-171.

A definição de “fojos” como buracos ou fossos que serviriam como armadilhas para animais, corrobora a definição encontrada em Bluteau, segundo o qual, tratar-se-ia de “cova funda e redonda, para tomar lobos e outras feras” ou, no tocante à fortificação, “uma cova semelhante a em que se tomam as feras, no fundo da qual se cravam estacas com agudas pontas de ferro, em que se espetem os inimigos (...)”. BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez & Latino, op. cit., vol. 4, p. 156.

retificarem seus aforamentos, referem-se a eles genericamente como lavradores. Conforme Stuart Schwartz, o termo poderia ser modificado de acordo com a cultura a que os indivíduos se dedicassem, entretanto, os lavradores “em geral” ou “lavradores de