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CAPÍTULO 2 – CONCEPTUALIZAÇÕES SOBRE AGÊNCIA E

2.2 Agência docente

Uma das questões que levantei ao realizar a análise de Emirbayer & Mische (1998) foi sobre a importância, para meu estudo, de estabelecer a relação da proposta dos autores, de forma mais direta, com a área educacional. Considerando as complexas relações que envolvem o ensino-aprendizagem e as relações entre docentes e discentes, busquei amparo teórico nas pesquisas de Biesta & Tedder (2006, 2007), Biesta (2009), Priestley, Biesta & Robinson (2013, 2015) e Biesta, Priestley & Robinson (2017), principalmente por se apropriarem do conceito dialógico de agência. Entretanto, também justifico a escolha desses autores por contribuírem com uma visão educacional contemporânea voltada para a formação de sujeito e sua vivência cidadã.

Ao discutirem a noção de agência a partir de Emirbayer & Mische (1998) na educação, Biesta & Tedder (2006, 2007) defendem uma perspectiva ecológica. Nela, os sujeitos estão inseridos em um espaço no qual buscam conciliar seus esforços e os recursos disponíveis ao seu redor e, embora não seja mencionado explicitamente, reforço a convivência com a pluralidade e a diferença como sendo importantes nessa perspectiva.

Em artigo que trata da possibilidade da agência, Biesta & Tedder (2006, p. 5) criticam a forma normativa como ela é vista: um “objetivo educacional, um ideal

educacional e como um resultado desejado do processo educacional”11, usada para

justificar medidas e intervenções educacionais. Nesse ponto de vista, a concepção desse termo como sinônimo de finalidade, padrão e produto deixa de lado a importância do processo salientado anteriormente por Emirbayer & Mische (1998). Quando se trata de educação, entendo que acompanhar o processo de ensino- aprendizagem passa a ser de extrema valia, dado que as negociações de sentidos e conflitos que emergem delas são mais interessantes e ricas em termos educacionais porque expõem a imperfeição e incompletude.

Ao se apropriarem das três dimensões de Emirbayer & Mische (1998), Priestley, Biesta & Robinson (2013, 2015) ressaltam que as formas como as pessoas lidam e entendem suas relações com o passado, presente e futuro fazem a diferença no exercício da agência. Logo, para melhor representar e compreender a inter-relação entre as três dimensões temporais no campo educacional, os autores propõem a Figura 3 abaixo.

AGÊNCIA DOCENTE

Figura 3 – Inter-relação entre as dimensões temporais no campo educacional12

Fonte: adaptado de Priestley, Biesta & Robinson (2013, p.6)

11 Tradução minha do original: “Agency is seen as an educational aim and educational ideal and as the

desired outcome of educational processes.

12 A Figura 3 no original em inglês encontra-se no Anexo1. Iteracional

Narrativas pessoais Narrativas profissionais

Prático-avaliativo *Cultural: ideias, valores, crenças *Estrutural: estruturas sociais (ex: papéis, poder, confiança) *Materiais: recursos e ambiente físico (p. ex.: layout do prédio)

Projetivo Curto prazo Longo prazo

Elaborado e adotado para geração e análise de dados em seus estudos, nessa forma de organização dos elementos agentivos conforme a Figura 3 constam as histórias de vida dos professores, isto é, as experiências anteriores como parte do aspecto iteracional, que, por sua vez, tem relação direta com o elemento prático- avaliativo, constituído pelos aspectos de:

a) ordem cultural: ideias, valores e crenças compartilhados; b) estrutura social: papéis, poder e confiança;

c) material: recursos e ambiente físico.

Para a geração de dados e para a condução da análise, neste estudo, é importante ressaltar a relação dinâmica entre todos os elementos constitutivos da agência docente. Ou seja, todas as dimensões propostas pelos autores – iteracional, prático-avaliativa e projetiva, apresentam-se em relação dinâmica de ruptura e complementaridade, influenciando-se, portanto, mutuamente. Além disso, faço uma junção das dimensões Cultural e Estrutural, por entender que língua, cultura e poder estão eminentemente imbricados. Assim sendo, julguei pertinente propor uma adaptação na configuração da proposta dos citados autores, a fim de salientar essa interação, conforme segue ilustrado na Figura 4.

AGÊNCIA DOCENTE

Figura 4 – Reconfiguração do fluxograma de Priestley, Biesta & Robinson (2013)

Com base na tríade cordal, Biesta & Tedder (2006) atentam para o fato de que, ao investigar agência no campo educacional, não basta identificar a orientação agentiva para o passado, presente ou futuro, mas, principalmente, para as formas

como os sujeitos se engajam com os três aspectos e como respondem a eles.

Convém, porém, observar que nem sempre temos controle sobre a forma como respondemos ao nosso entorno, tampouco temos controle sobre tudo o que acontece ao nosso redor.

Mais adiante, em outro artigo que retoma essa discussão, Biesta & Tedder (2007, p. 136, grifo dos autores) formulam um conceito agentivo voltado para o

processo:

Agência deveria ser compreendida como algo a ser alcançado/realizado e por meio do engajamento em contextos voltados especificamente para-ações temporal-relacionais. Agência, em outras palavras, não é algo que as pessoas tem; é algo que as pessoas fazem. Isso denota uma “qualidade” do

engajamento dos atores com contextos voltados para-ações temporal-

relacionais, não uma qualidade dos sujeitos em si.13

13 Tradução minha do original: “Agency should rather be understood as something that has to be

achieved in and through engagement with particular temporal-relational contexts-for-action. Agency, in other words, is not something that people have; it is something that people do. It denotes a ‘quality’ of

Prático-avaliativo *Cultural/estrutural: ideias, valores, crenças, estruturas sociais (ex: papéis, poder, confiança)

*Material: recursos e ambiente físico (p. ex.: layout do prédio) Iteracional Narrativas pessoais Narrativas profissionais Projetivo Curto prazo Longo prazo

Embora os autores usem o verbo achieve, comumente traduzido no português brasileiro como “alcançar”, também o traduzo como “realizar”, posto que não entendo unicamente como algo a ser conquistado, dominado e possuído. Por isso, é relevante pontuar que, não adoto o termo “minha/sua/nossa agência” ao longo da pesquisa.

Por outro lado, a definição acima torna-se produtiva para minha análise por relacionar agência com processo, uma vez que engloba as noções de exercício e engajamento. Cabe aqui, então, esclarecer a definição de agência e agência docente, com o objetivo de aproximar e ampliar o foco na relação dinâmica entre os elementos e, por isso, a ideia ecológica se faz presente, consoante o Quadro 3 a seguir.

Quadro 3 – Aproximações entre agência e agência docente Emirbayer & Miche (1998) Biesta & Tedder (2007)

Agência Agência docente

Agência dialógica Agência dialógica e processual dentro de uma perspectiva ecológica

Elemento prático-avaliativo tem relação direta com o elemento projetivo

Elemento projetivo tem relação direta com o elemento prático-avaliativo

Essa recontextualização de agência no campo educacional tem implicações para as formas como ensinamos e para quê ensinamos, como já nos alertara Menezes de Souza (2011) previamente. Como professora de LI, meu foco era o aprendizado dos alunos voltado para suas necessidades a fim de que atingissem o nível desejado ao final do ano/semestre. Entretanto, as leituras de Biesta (2009) me provocaram a olhar para esse aprendizado de outra forma.

Ao se posicionar de forma desfavorável a uma visão educacional direcionada somente para o aprendizado, o pesquisador citado critica a forma passiva como alunos, na condição de consumidores, tornam-se receptores de conhecimento, ao passo que os professores são os produtores que devem atender aos pedidos dos

the engagement of actors with temporal-relational contexts-for-action, not a quality of the actors themselves.

primeiros. Aqui, é possível estabelecer uma relação com as críticas de Burbules & Torres (2000) e Stromquist & Monkman (2000) sobre a concepção de educação como

commodity.

Ao apontar o perigo de uma educação voltada somente para atender as necessidades dos alunos, Biesta (2009, p. 62) sugere uma outra forma de se olhar para isso: compreender a aprendizagem, e também o ensino, como uma forma de “responder ao outro ou ao diferente, àquilo que nos desafia, nos irrita e nos perturba em vez da aquisição de algo que queremos possuir”14. Isso segue a ideia de

responsividade bakhtiniana – o agir no mundo, também envolve ensinar e aprender. É possível inferir que essa concepção de ensino-aprendizagem abrange aquilo que nos tira das nossas zonas de conforto e que nos força a olhar para aquilo que geralmente tendemos a padronizar/homogeneizar em nossas práticas educativas.

Um aspecto fundamental a ser considerado ainda nessa discussão diz respeito à relevância da agência docente para a presente pesquisa. Claro está, pelas definições de Emirbayer & Mische (1998) e Biesta & Tedder (2007), que o termo abrange as complexas relações temporais (iteracional, prático-avaliativo e projetivo). No entanto, esse questionamento é levantado por Priestley, Biesta & Robinson (2015) no próprio título de um artigo (Agência docente: o que é e por que importa?) que revisa os conceitos expostos nesta seção e traz dois argumentos importantes.

O primeiro diz respeito a uma agência docente direcionada para o engajamento com as políticas educacionais em vigor no contexto de atuação. Com base na perspectiva ecológica de Biesta & Tedder (2006, 2007), é possível afirmar que professores tenham uma participação mais significativa nas (re)formulações e na implantação das políticas educacionais, em vez de unicamente reproduzirem o que documentos oficiais determinam. Nesse sentido, cabe retomar como os discursos hegemônicos ou presentes em documentos oficiais (projeto pedagógico, currículo, ementas etc.) podem ser refutados, ressignificados e transformados em discursos não hegemônicos (SOUSA SANTOS, 2006) ou internamente persuasivos (BAKHTIN, 1990) a partir das experiências locais desses professores. Dessa forma, esse envolvimento engajado pode, então, vir a trazer mudanças representativas para o espaço educacional no que diz respeito às práticas educacionais.

14 Tradução minha do original: “We can look at learning as responding to what is other or different, to

what challenges, irritates and disturbs us, rather than as the acquisition of something that we want to possess.

O segundo argumento refere-se à generalização do termo agência

docente. Por mais que defendam sua concepção e valorização, ela, por si, não apaga

a ideia de autonomia, que, por sua vez, continua a existir quando as práticas educacionais são reproduzidas sem questionamento e regulamentação/orientação.

Ao concluírem seus argumentos, Priestley, Biesta & Robinson (2015) deixam claro que analisar agência docente promove um outro entendimento sobre a atuação dos professores na atualidade. Ainda assim, convém acentuar que pouca ênfase é dada aos alunos nos dois argumentos. Acredito ser imprescindível considerar a agência discente como parte da agência docente, pois, como nos lembra Freire (1996), não há docência sem discência. Cabe pontuar que não apago as vozes discentes tampouco desvalorizo sua importância na presente investigação, haja vista que não seria possível gerar os dados sem essa interlocução. Todavia, por questões de delimitação da pesquisa, não discuto diretamente esse papel.

Após esclarecer as implicações da agência docente, passo a discuti-la na área de ensino de LI, particularmente no ProFIS-Unicamp.