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Agência docente em contexto de ensino e aprendizagem em LI no

CAPÍTULO 2 – CONCEPTUALIZAÇÕES SOBRE AGÊNCIA E

2.3 Agência docente em contexto de ensino e aprendizagem em LI no

Com base na tríade cordal de Emirbayer & Mische (1998) e em sua recontextualização no plano educacional (BIESTA & TEDDER, 2006, 2007), procuro compreender como os sujeitos participantes da minha pesquisa, envolvidos em suas práticas pedagógicas nas aulas teóricas e práticas no período da geração de dados da disciplina LA 094D do ProFIS, exercem a agência docente, conforme já exposto no capitulo introdutório deste estudo. Cumpre acrescentar que, ao pensar a agência docente, incluo tanto professores em formação inicial quanto continuada, isto porque parto do pressuposto de que a formação é um processo complexo e sempre em devir e, portanto, não se dá por terminada com o curso de graduação. Dessa forma, estamos sempre em busca de novos/outros conhecimentos e sempre dinamicamente (re)construindo nossos discursos e nossas práticas.

Além disso, valorizo muito a experiência docente inicial porque defendo uma relação entre os professores em formação continuada e formação inicial de forma mais horizontalizada, colaborativa, sem reforçar de modo tão rígido uma estrutura hierárquica de conhecimento. Reconheço também que mesmo relações mais abertas e construídas de modo menos autoritária mostram-se tecidas em meio à tensão. Com

isso, deixo claro que os monitores PAD não são, necessariamente, aqueles que sabem menos e têm que aprender o que não sabem com a professora- responsável e a bolsista PED, consideradas mais experientes. Em vista disso, enfatizo uma relação na qual os conhecimentos e experiências são compartilhados e des/reconstruídos, não sem conflitos.

Assim sendo, a fim de ilustrar como compreendo o processo de agência docente no ProFIS, parto da proposta de Emirbayer & Mische (1998), recontextualizando-a conforme a Figura 5 a seguir, com base principalmente nas ideias de Priestley, Biesta & Robinson (2013).

Agência docente no ProFIS

Figura 5 – Reconfiguração da agência docente no ProFIS com base em Priestley, Biesta & Robinson (2013)

A partir do exposto, defendo agência docente como redesign, ou seja, como processo vivenciado dialogicamente, que incorpora as experiências, os aspectos ideológicos e materiais e a influência do aspecto projetivo no campo prático-avaliativo dessas experiências.

Na dimensão iteracional ou habitual, enfatizo as experiências dos professores em formação inicial e continuada, que englobam as narrativas pessoais

Iteracional Experiência dos professores em formação inicial Experiência dos professores em formação continuada Prático-avaliativo *Aspectos sócio-culturais e ideológicos: visões sobre ensino-aprendizagem, status da LI e formação docente *Aspectos materiais: recursos disponíveis e espaço físico

*Cultural/estrutural: ideias, valores, crenças, estruturas sociais (ex: papéis, poder, confiança)

*Material: recursos e ambiente físico (p. ex.: layout do prédio)

*Cultural/estrutural: ideias, valores, crenças, estruturas sociais (ex: papéis, poder, confiança)

*Material: recursos e ambiente físico (p. ex.: layout do prédio)

*Cultural/estrutural: ideias, valores, crenças, estruturas sociais (ex: papéis, poder, confiança)

*Material: recursos e ambiente físico (p. ex.: layout do prédio) Projetivo Trajetórias, planos e projetos profissionais a longo e curto prazo

e profissionais. Nesse sentido, como será mais bem explicitado no capítulo metodológico, foi importante analisar como os participantes, ao vivenciarem sua agência, constroem sentidos a partir de suas experiências e como essas experiências são relatadas. Além disso, ao ressaltar a relevância dos dois tipos de formação, a continuada e a inicial, não as coloco como opostas ou hierarquizadas, mas como experiências diferenciadas que se complementam de forma colaborativa no processo educacional (GARCEZ, 2013). Aqui, entendo que as formas como os participantes se apropriam de suas experiências, quer seja como ex-alunos do programa (caso de um dos monitores PAD), quer seja como alunos de graduação ou como professores em espaços educacionais anteriores, são de extrema valia para analisar e problematizar suas atuações em sala de aula e a organização curricular do programa.

Já na dimensão prático-avaliativa, complemento a ideia de aspectos

culturais, com a ideia de aspectos ideológicos, a fim de recuperar a ideia de que os

aspectos sociais, culturais e linguísticos são ideológicos e, assim, de dar mais visibilidade ao caráter axiológico da linguagem, ou seja, às crenças e valorações que marcam os posicionamentos e papéis assumidos pelos participantes ao exercerem sua agência no contexto do ProFIS. Nessa linha de pensamento, interessa-me analisar quais visões sobre ensino-aprendizagem e sobre LI se mostram mais perceptíveis nesse contexto, e como os participantes percebem sua própria formação docente.

No que diz respeito à projetividade, faz-se necessário especificar o que entendo por questões de longo e curto prazo. Em se tratando de formação de professores de línguas, compartilho com Miller (2013) a importância do engajamento dos professores com a sua própria formação e como, a partir do aspecto prático- avaliativo, discutem, por exemplo, a relevância de um curso de pós-graduação que possa dar mais subsídios para a própria prática ou lacunas da própria formação inicial. As três dimensões expostas acima passam a ser de fundamental importância para embasar a noção de agência docente que trago para essa investigação. Ao lado de Shields (2007), entendo que essa agência está marcada pelas complexas relações entre passado, presente e futuro. No entanto, esse papel agentivo docente não implica necessariamente um engajamento com todas as atividades no nosso entorno, em uma visão de completude e finitude. De forma apropriada, Shields (2007, p. 137-138) nos esclarece que

não significa que temos que nos engajar em toda causa que surge em nosso caminho ou nos comprometermos com toda questão social a fim de sermos eficazes. Isso, de fato, exige que vivamos de forma agentiva, que reconheçamos a agência e que possamos fazer a diferença.15

Sob essa ótica, mostra-se relevante que professores assumam suas responsabilidades tendo em mente a impossibilidade do controle sobre todos os seus alunos e todas as situações que possam surgir em meio ao processo educativo.

Na área de formação de professores de LEs, é ainda importante levar em conta os conflitos advindos dos diferentes posicionamentos manifestados por sujeitos que discordam, refutam, recusam e rejeitam novas abordagens de ensino, mudanças nos currículos e nas propostas pedagógicas. Nesse sentido, a visão de Jordão (2013c, p. 294) contribui de forma significativa ao salientar o deslocamento que a agência docente promove em nossas práticas. Para ela, agência “pressupõe abertura para o diferente, percepção de contexto e formas de resistência, assim como reflexividade criativa, uma vez que problematiza suas próprias certezas no encontro com outras formas de saber.”

Esse olhar nos faz perceber o quanto a vivência agentiva nos desloca de nossas zonas de conforto para desnaturalizarmos, como nos orienta Freire (1996), aquilo que sabemos, ou aquilo que pensamos que sabemos. Essa desnaturalização se dá na interlocução com o saber do outro, nem sempre em consonância com o nosso. Porém, essa divergência faz-se produtiva porque é a partir dela que nossos posicionamentos podem vir a ser reformulados/repensados.

Na condição bolsista PED, essa noção de vivência agentiva é perceptível quando me coloquei em um contexto totalmente diferente daquele com o qual eu estava habituada a lidar – alunos de graduação em cursos de Letras e cursos de formação continuada de professores – e nos quais não havia monitores para me auxiliar. Logo, conviver com 120 alunos do ProFIS, adolescentes entre 18 e 20 anos, egressos das escolas da rede pública de Campinas, perfil com o qual tinha pouca experiência, foi além da abertura para o diferente: foi um exercício de problematização constante ou, como nos ensina Freire (1996), uma inquietação que provocou

15 Tradução minha do original: “However, this does not mean that we need to be engaged in every

cause that comes our way or that we can take on every social ill in order to be effective. It does require that we live agentically, that we acknowledge we have agency and can make a difference.

mudanças nas minhas concepções sobre ensinar e aprender a LI e, acima de tudo, instigou-me a teorizar sobre a própria prática em momentos em que as teorias que sustentavam a minha prática não eram suficientes, tensão que problematizo no capítulo de análise.

No exercício dessa agência, pude perceber o processo de leitura de minha própria prática ou o “processo de se ouvir escutando” de Menezes de Souza (2011), influenciado por Freire (1996). Nesse processo, precisei desnaturalizar muitos de meus discursos hegemônicos sobre o papel de professor, o papel do aluno e o papel da LI no espaço do ProFIS. Entendi, então, que muitos desses discursos estavam relacionados ao aspecto iteracional, relacionado às minhas experiências mal ou bem- sucedidas que ocorreram previamente em outros espaços escolares e que determinavam meus posicionamentos no presente. Porém, ao serem confrontados no presente na interlocução com os outros participantes, alguns desses discursos eram ressignificados.

É necessário atentar que a agência docente como processo (BIESTA & TEDDER, 2007) tem seus limites e potencialidades, como nos lembram Martin & Morgan (2015) e Morgan (2017). Esses autores reforçam a importância de considerá- los como aspectos inerentes à vivência docente para que possamos pensar em “horizontes de possibilidades” (Simon, 1992, p. 24 apud Martin & Morgan, 2015) que emergem de nossas práticas. Portanto, admitir as falhas, os erros, as imprecisões, os equívocos do passado e do presente são tão importantes quanto reconhecer futuras possibilidades em nossas práticas docentes.

Uma vez expostos os entendimentos de agência docente, apresento o Quadro 4 abaixo, que sintetiza as ideias até aqui apresentadas.

Quadro 4 – Quadro-resumo das visões de agência docente

Teóricos Visões de agência docente

Shields (2007)

Defende a vivência da agência e o reconhecimento dessa agência que não implica, necessariamente, em engajamento em todas as práticas

Jordão (2013a)

Propõe agência como a abertura para diferenças que nos fazem questionar/descontruir nossas certezas

Martin & Morgan (2015) e Morgan (2017)

Apontam a necessidade de reconhecer os limites e potencialidades agentivos

As teorizações dos autores supracitados expandem a noção de agência dialógica de Emirbayer & Mische (1998) para uma noção de agência docente dialógica (BIESTA & TEDDER, 2006, 2007; PRIESTLEY, BIESTA & ROBINSON, 2013, 2015) que emerge em meio a uma sociedade globalizada, noção que me agrada em particular. Ao evidenciarem a importância de uma agência docente processual, abrem margem para que pesquisadores como Shields (2007) mostrem uma outra perspectiva de vivência que, até então, não havia sido privilegiada anteriormente. Embora pareça óbvio, viver e experienciar essa agência, como advoga Shields (idem) e como passo a defender na análise dos dados gerados, admite que, na condição de professores, temos responsabilidades em sala de aula que podem ser compartilhadas com os alunos.

Em resumo, após mostrar minha trajetória no entendimento do conceito de agência e agência docente de LI no ProFIS, direciono a leitura para a metodologia de pesquisa que fundamenta este estudo.