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Olhares para a formação discente: “O ProFIS não acaba aqui”

CAPÍTULO 5 – AS FRONTEIRAS E AS POSSIBILIDADES DA

5.1 A ressignificação de visões sobre ensino-aprendizagem e

5.1.2 Olhares para a formação discente: “O ProFIS não acaba aqui”

dimensão iteracional, podem ser alinhados às ideias de Cavalcanti (2013). Primeiramente, porque os participantes vivenciam aquilo que ensinam, ou seja, as aulas de LI do ProFIS e suas práticas educacionais, como os projetos desenvolvidos na disciplina LA 094; além disso, a educação linguística inclui também a (re)observação de nossos próprios discursos, situação experienciada pela PAD 1 e por mim, na condição de PED, sobre nossos conhecimentos linguísticos.

5.1.2 Olhares para a formação discente: “O ProFIS não acaba aqui”

No capítulo anterior, foram destacados, entre outros, discursos que refletiam uma visão mimética em relação ao ensino-aprendizagem e à formação discente na universidade. Os discursos centralizadores reforçaram uma noção de linearidade de aprendizado, como também revelaram uma noção recorrente de causa e efeito, reduzindo a aprendizagem a um produto que deve ser alcançado por todos os alunos.

Contudo, conforme também discutido no capitulo anterior e ainda no que se refere ao exercício da agência docente em sua dimensão iteracional, é possível perceber a presença de discursos mais plurais, na medida em que os dados evidenciam a preocupação com uma formação menos instrumental, em que o caráter formativo fique mais evidente, como defendem Andrade et al. (2012). Os autores, ao discutirem o ProFIS, argumentam em favor de uma formação na qual os alunos tenham uma “cultura ampla, visão crítica, espírito científico, pensamento flexível e [que] estejam preparados para o exercício da cidadania e para o mundo do trabalho” (ibid., p. 704).

Para ampliar essa discussão, analiso, nessa subseção, a aula do dia 5 de novembro de 2015, na qual a PR trabalhou com um teaser de um documentário produzido pela Faculdade de Educação da Universidade de Kansas, intitulado A walk

in my shoes: first generation college students.1 Esclareço aqui que, por mais que o

documentário retratasse uma universidade estrangeira, os alunos tiveram a possibilidade de “questionar, formular hipóteses e problematizar os contextos

observados e ressignificar e problematizar o próprio contexto”, como bem aponta Machado (2016) em pesquisa sobre o ProFIS.

De uma forma geral, o resumo do documentário mostrou pessoas de diferentes contextos socioeconômicos, sobretudo alunos oriundos de periferia e imigrantes latinos que sofreram preconceitos, pressões e inseguranças antes da entrada na universidade. O que havia em comum entre todos eles era o fato de serem a primeira geração de suas famílias a ingressarem no ensino superior. Foi inevitável a identificação com a temática e a curiosidade dos alunos na tradução do título do

teaser. Ao término, a PR perguntou quem seria a primeira geração da família a

ingressar no ensino superior e a grande maioria levantou a mão.

A discussão da aula girou em torno da pressão familiar para cursar uma graduação na Unicamp, caracterizada como uma universidade de prestígio no Brasil e local onde se produzia “pesquisa avançada”, nas palavras de alguns alunos. Por outro lado, o preconceito racial e sócioeducacional (alunos de escola pública) foi enfatizado por muitos como sendo obstáculo para permanência no curso do ProFIS, pois, segundo alguns deles, a “universidade era elitizada”, no sentido de ter mais alunos brancos oriundos de escolas particulares. Ademais, para alguns alunos, só quem “passa/passou por essa situação, sabe o que é” – por isso o tema do teaser (“A

walk in my shoes”) causou impacto.

Nesse ponto, um dos alunos retomou o tema do TED Talk de Chimamanda Adichie visto nas aulas anteriores e os perigos de uma única história. Segundo ele, se ele tivesse “dado ouvidos” às pessoas que falavam que “aluno de escola pública não tinha chances na Unicamp”, ele não estaria naquele momento no ProFIS. Em seguida, uma aluna falou que o vídeo “a representava” por retratar alunos afrodescendentes como ela e com possibilidade de acesso ao ensino superior.

A universidade, caracterizada tanto como um local privilegiado e produtor de conhecimento (“produção de pesquisa avançada”) como um espaço que busca oportunizar a entrada e a permanência de alunos da escola pública, é representativa da encruzilhada referida por Souza Santos (2012) no Capítulo 1. Nesse contexto, os discursos sobre centralização do conhecimento (pesquisa) e sobre a reinvenção de seu espaço (acesso aos alunos da escola pública) são tensionados e vivenciados pelos discentes da disciplina de LI.

Essa discussão foi produtiva no sentido de trazer reflexões sobre as relações de poder entre aqueles que têm famílias com mais ou menos condições

financeiras, sobre as oportunidades de acesso ao ensino superior para alunos de escolas públicas e como eles se viam nesse processo. Uma das alunas, de origem afrodescendente, disse que “não se via representada” na universidade pela maioria branca, de classe média, e que era preciso ter mais oportunidades para alunos de escolas públicas na Unicamp.

Ressalto, nessa subseção, os diferentes discursos discentes que se materializam na sala de aula: os discursos sobre ser aluno de escola pública e ter acesso ao ensino superior e os discursos raciais. Esse espaço de articulação e discussão nas aulas de LI do ProFIS foram momentos de problematização das diferenças (MENEZES DE SOUZA, 2011) em um contexto acadêmico-universitário que coloca em xeque o próprio acesso e o perfil de alunos ingressantes (ANDRADE

et al., 2012).

Ademais, outro ponto da discussão foi o debate das diferenças entre o programa em questão e um cursinho preparatório para o vestibular. Além disso, uma das alunas contou que os pais não tinham muita noção do que era o ProFIS e achavam que era a mesma coisa que o Programa Universidade para Todos (ProUni), programa federal de ampliação de acesso às universidades particulares para alunos de baixa renda.

Na discussão ocorrida nessa aula, saliento ainda a mobilização dos conhecimentos e das vivências de mundo dos alunos (FREIRE, 1996), o que permite afirmar que há uma construção situada de sentidos, como advogam Cope & Kalantzis (2000), e o aspecto formativo das aulas de LI, que se distanciam da visão direcionada para o mercado de trabalho, como criticam Burbules & Torres (2000) e Stromquist & Monkman (2000).

Diante do exposto, justifico a relevância dessa aula teórica, uma vez que as discussões e seu impactos foram retomados no GF2, salientando o aspecto iteracional da agência docente. A PR, por exemplo, pontua o quanto os alunos se envolveram com o tema proposto para debate e como isso repercutiu ao longo do semestre:

PR: Ah, eu senti os alunos um pouquinho mais no finalzinho do semestre... eles mais engajados, mais, assim, não é preocupados, mas é no sentido de eles sentirem, hã, realmente, a... a responsabilidade de estar aqui no ProFIS. Eu acho que durante o semestre a gente discutiu também bastante... essa questão de postura, envolvimento, o que que era que eles tinham a partir

daquele, do que que foi mesmo? Foi de um texto? Não, foi daquele vídeo! De um vídeo que nós trabalhamos... [PAD 1: Da universidade? Do... daqueles

first...]

P e PAD 1 falam juntas: ...first generation.

PR: Do first generation, né? Eu não sei se foi impressão minha [...] eu senti que houve um... mexeu, né?... alguma coisa foi construída a partir daquele vídeo. (GF2 – 24 de novembro de 2015)

Pelo discurso da PR, “sentir” os alunos mais responsáveis no final do semestre está relacionado à questão da afetividade e criticidade trabalhada no decorrer das aulas, sendo que este último teve um impacto na atitude dos alunos. Essa preocupação tem a ver com uma visão de ensino-aprendizagem que não está restrita à ideia centralizadora de que todos devem, obrigatoriamente, ingressar no ensino superior e fazer disso seu único objetivo. É uma visão ampliada que tem como foco uma formação geral, nas formas pelas quais os alunos constroem sentidos (“alguma coisa foi construída a partir daquele vídeo”) e “para a vida”, como sustentou anteriormente a PR.

Esse discurso não hegemônico, posto em circulação pelos enunciados que proferimos, pode ser explicado pela perspectiva de Burbules & Torres (2000) e Stromquist & Monkman (2000). Esses autores criticam o caráter neoliberal da educação, sua massificação e sua instrumentalização que passa ao largo de um engajamento social.

Essa preocupação com a formação discente expressada pela PR está em consonância com as minhas visões, expressadas na aula de 25 de novembro de 2015, quase no final do semestre. Nossas percepções, por sua vez, evidenciam a circulação de discursos menos centralizadores, que ressaltam a ideia de educação como processo crítico, formativo e transformador (FREIRE, 1996).

Após a finalização das apresentações de IC naquela aula, ressaltei a importância de os alunos continuarem a pesquisar e a desenvolver seu pensamento critico, pois o “ProFIS não termina aqui” (DC-P – 25 de novembro de 2015). Quando afirmei isso, enfatizei a importância de continuarem sua formação discente não só no que se refere à formação acadêmica, mas também no sentido de exercerem a criticidade e de pensarem o que poderiam fazer com a LI na vida deles.

É importante pontuar que esse olhar agentivo direcionado para o aspecto habitual (formação menos instrumental e convergindo para uma educação linguística) não pode ser dissociado do aspecto projetivo, uma vez que estão, como asseveram

Biesta & Tedder (2007), em uma visão dialógica e ecológica. Essa ressignificação de visões sobre o ensino-aprendizagem de LI no ProFIS pode ser alinhada a um movimento mais transformador, porque evidencia a compreensão de educação linguística como um processo menos competitivo, que envolve maior consciência de nossos papeis na (re)construção da realidade e da sociedade.