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Captar os sentidos e significados que as educadoras atribuem à agressividade infantil se faz necessário, tendo em vista que um dos objetivos do nosso estudo é investigar se a creche oferece um ambiente seguro para que as crianças possam demonstrar sua agressividade sem medo de serem aniquiladas por isso.

Talvez um dos maiores desafios a ser enfrentado, quando examinamos o fenômeno da violência infantil, na perspectiva de Winnicott, seja o da aceitação dos adultos de que tal agressividade é fato normal, que ela é expressão de uma falta, e/ou ausência, e que, no lugar de ser reprimida, ela precisa ser canalizada por meio de um ato criativo.

De certa forma, foram essas preocupações que nos orientaram na entrevista com as educadoras. Nossa intenção foi motivá-las a produzir uma narrativa sobre a agressividade infantil, sem ligá-la a esta ou aquela criança específica, de forma a que elas pudessem estabelecer conexões de significação com a agressividade e que pudessem falar como elas lidam com atos agressivos.

Buscamos, assim, captar, numa perspectiva fenomenológica, os sentidos e significados que as educadoras atribuem à agressividade. Entendendo por “sentido” o olhar que “tem por objeto a própria coisa”, no nosso caso, a agressividade em si. E por significado, o “olhar que visa o sinal da coisa”, ou seja, o que está para além da agressividade (Jovilet, 1975).

Ainda que a investigação dos sentidos e significados seja realizada por meio de narrativas individuais, não se pode esquecer que as informações obtidas só podem ser compreendidas no âmbito da cultura. Dito de outra forma, significados são sempre compartilhados, são produzidos nas interações e dependem da trajetória e experiências dos indivíduos que os utilizam. Com os sentidos é a mesma coisa. São orientados socialmente, embora cada indivíduo possa dar sua própria ênfase. Não esquecer que as narrativas que estamos analisando foram produzidas na interação entre as professoras e a pesquisadora. Muitas das questões que buscavam responder não lhes eram postas pela primeira vez. Já haviam discutido entre si o tema da agressividade. Existiam orientações da coordenação da Creche de como as professoras deveriam se portar em casos de agressividade das crianças. Ao falarem conosco sobre o tema, elas puderam dizer como se apropriaram das orientações, apresentando discordâncias e introduzindo crenças pessoais.

Por serem compartilhados, sentidos e significados, é preciso descobrir os elos que são estabelecidos entres os sujeitos que os formulam.

Há vários pontos comuns entre as professoras e a coordenadora. Das cinco educadoras entrevistadas, três são irmãs de caridade, pertencendo à mesma congregação religiosa e quatro são formadas no magistério. Como se pode ver, pensando cada um desses pertencimentos em círculo concêntricos, as professoras se imbricam em vários pontos. Poderiam essas imbricações produzir significados compartilhados?

Embora variem na significação, as professoras, salvo uma delas, e a coordenadora não reconhecem que a Creche possa ser uma fonte que estimule agressividade, ou que algo na creche desencadeie o comportamento agressivo na criança. Se a agressividade existe, ela vem do lar.

ƒ “... vem muito da família”. - Cd

ƒ “... fatores familiares e contextuais”. - P3

ƒ “... o ambiente em que as crianças são criadas as tornam agressivas”. - P4 Voltando aos significados, as narrativas das educadoras apontam tanto para os sinais da agressividade quanto para aquilo que ele representa.

Os sinais da agressividade são identificados como: bater, morder, empurrar, colocar a perna na frente do outro para que este caia, xingar, retrucar, jogar um brinquedo no colega.

Para as educadoras, esses gestos são sinais de que algo não vai bem na vida das crianças.

ƒ “... fazem isso para chamar a atenção da professora. Como não sabem falar, batem nos colegas para chamar atenção”. - Cd

ƒ “... denota que algo em casa não vai bem”. - Cd

ƒ “... a agressividade é um tipo de vingança, a criança reage quando alguém faz algo contra ele”. - P1

ƒ “... são agressivos porque não gostam da atitude do colega”. - P2

ƒ “... a agressividade é sinal de falta de amor, de conversa, de diálogo. Denota que a criança vive em meio agressivo”. - P3

ƒ “... é um sinal de contrariedade”. - P4

Ainda que o conjunto de significados não avance para além das aparências (dos gestos considerados agressivos), as educadoras compartilham a idéia que a agressividade infantil é sintoma de um mal-estar na vida da criança. A P4 chega a dizer que a agressividade não é inata, mas que é o ambiente o fator que a desencadeia. Mas, para ela, não é apenas o ambiente familiar o responsável pela agressividade. A P4 conta a experiência de uma criança da creche que foi mudada de turma na qual já estava adaptada, e que isso desencadeou nela um comportamento agressivo.

Confrontando outros significados apontados pelas educadoras com o significado preconizado em nosso referencial teórico, é visível a oposição. Unanimemente as educadoras consideram a agressividade como algo ruim que deve ser removido inexoravelmente.

Essa rejeição em relação à agressividade aparece claramente quando examinamos os “sentidos” que cada educadora focaliza nos atos agressivos. E aí já não

é mais o significado que a eles atribuem, mas o que fazem concretamente para inibi-los na Creche.

Há uma orientação que é comum e quem a propõe é a coordenadora: “conversar com as crianças”. É preciso explicar para elas porque estão sendo repreendidas para que elas entendam que o que fizeram está errado, incentivando-as a pedir desculpas para os coleginhas. O castigo/punição está abolido. As professoras são orientadas, quando confrontadas à situação de agressividade, a trocarem as crianças de atividades. Pede-se às professoras que só encaminhem as crianças à coordenação quando o caso for muito grave, pois transferir o problema da agressividade para a coordenação enfraquece as professoras e humilha as crianças. Mas a conversa é o instrumento mais eficaz.

De modo geral, todas as professoras incorporam as orientações, pelo menos todas admitem que conversam com as crianças, ou seja, a tendência é pender para o lado da conciliação, da não punição e do esclarecimento. Mas, como dito anteriormente, o “sentido”, diferentemente do significado, tem variações muito pessoais, cada indivíduo se orienta segundo suas experiências.

A P1 diz que conversa com as crianças e que as retira das atividades, nas quais estão agindo agressivamente. Mas alerta que jamais as retira dos passeios (isto poderia magoar muito as crianças) e das atividades relacionadas à higiene ou alimentação. Ao falar sobre o teor das conversas, ela diz que, quando as crianças agem agressivamente, ela as chama e fala que “papai do céu não gostaria de vê-las fazendo algo ruim com o colega, porque ele ficaria triste”.

A P1 confirma ainda que segue todas as orientações sugeridas pela coordenadora. Entretanto, “acha que quando a criança for privada de fazer algo que goste, deve estar fazendo outra coisa, pois se deixá-la sem fazer nada, ela acaba pensando coisas ruins”.

A P2 traz um problema que reflete a diferença de pertencimento. Por não ser irmã de caridade, reage dizendo que “as religiosas na creche, têm mais autoridade que as outras educadoras não religiosas”. Cita um exemplo em que “ela havia retirado uma criança de uma dada atividade por estar sendo agressiva e uma das Irmãs colocou de novo a criança na atividade sem comunicá-la”. Fato que a deixou constrangida. Segundo ela, “a criança lhe olhou com olhar de deboche”. Ela discorda também que só

as professoras tenham de corrigir as crianças. Ela acabou revelando que as auxiliares não são autorizadas a corrigir as crianças. Ainda segundo a P2, as religiosas mudam as crianças de turma, mas as professoras não religiosas não podem fazer isto. E por fim, ela diz que as orientações em relação aos comportamentos agressivos não são claras.

A P3 já se orienta de outra maneira. Ao se deparar com crianças agressivas, finge admiração dizendo “não acreditar que elas tenham agido daquele modo”. Pede para que a criança se coloque no lugar do coleginha e pondera a necessidade de respeitar os limites dos outros.

A P4 se orienta exatamente pela proposta da coordenação: chama a criança para conversar e só a encaminha a coordenação se ela tiver machucado um coleginha. Entretanto ela declara que chama para conversar, mas não sabe qual deve ser o conteúdo. E aí ela usa a imaginação: “para algumas crianças, ela repreende falando de Deus, Para outras, ela fala da polícia ou dos pais”.