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Tendo em perspectiva nosso objeto de estudo e sua dimensão social, escolhemos apoiar nosso trabalho nas reflexões teóricas de investigadores que consideram a influência de forças sociais sobre o desenvolvimento psicológico. Nesse sentido consideramos significativo apresentar as contribuições de Vygotsky, Wallon (Galvão, 1995) e de Erikson (1971).

Vygotsky apresenta contribuições de extrema relevância ao entendimento da primeira infância. Quando Vygotsky escreve sobre as raízes genéticas do pensamento e da linguagem, sugere a existência de quatro estágios durante o desenvolvimento das operações mentais que envolvem o uso de signos. O primeiro denominado "estágio natural ou primitivo" corresponde à fala pré-intelectual (que se manifesta na forma de balbucio, choro e riso) e ao pensamento pré-verbal, que se caracteriza por manifestações intelectuais rudimentares, ligadas à manipulação de instrumentos. No segundo estágio ou "das experiências psicológicas ingênuas", a

criança interage com seu próprio corpo, com objetos e pessoas a sua volta, buscando aplicar essas experiências ao uso de instrumentos. Esses exercícios demonstram o início da inteligência prática. Em termos de desenvolvimento lingüístico, este período manifesta-se pelo uso correto das formas e estruturas gramaticais, antes mesmo que a criança tenha entendido suas respectivas representações lógicas. Em outras palavras, ela domina a sintaxe da fala antes de dominar a sintaxe do pensamento. Na medida em que essas experiências ingênuas vão se acumulando, a criança passa para o terceiro estágio, identificado como "estágio dos signos exteriores". Nele o pensamento atua basicamente com operações externas, das quais a criança se apropria para resolver problemas internos. É o estágio em que ela, por exemplo, efetua cálculos aritméticos simples usando signos como os dedos ou objetos, recorre a auxiliares mnemônicos etc. No desenvolvimento da fala, este período corresponde à fala egocêntrica. O quarto e último estágio é denominado de "crescimento interior" e se caracteriza pela interiorização das operações externas. A criança dispõe, agora, da "memória-lógica", isto é, ela pode operar com relações intrínsecas e signos interiores. Com relação ao desenvolvimento da linguagem, este é o estágio final e se define pela fala interior ou silenciosa. Mesmo com a interiorização do pensamento e da linguagem, continua a existir uma constante interação entre as operações internas e externas. A influência registrada entre essas duas formas é mútua, não havendo divisão clara entre o comportamento externo e interno. É importante destacar que, para Vygotsky, esses estágios de desenvolvimento cognitivo não possuem caráter universal. Reconhecendo a imensa diversidade nas condições histórico-sociais em que as crianças vivem, ele acredita que as oportunidades abertas para cada uma delas são muitas e variadas, enfatizando, mais uma vez, a relevância do social na formação do pensamento. Por essa razão, em sua teoria, não se pode falar em uma sucessão rígida de estágios, mas sim em coexistência de fases a depender das condições acima referidas. Concebendo o desenvolvimento das formas superiores de comportamento estreitamente vinculado ao desenvolvimento sócio-histórico do homem, Vygotsky opera a objetivação dos processos psicológicos, analisando-os a partir de condições reais de vida do sujeito, ou seja, a partir de uma base material (Oliveira, 1993; Palangana, 1994).

Wallon (Galvão, 1995) admite o organismo como condição primeira do pensamento, pois toda a função psíquica supõe um componente orgânico. No entanto,

considera que não é condição suficiente, pois o objeto de ação mental vem do ambiente no qual o sujeito está inserido, ou seja, de fora. Considera que o homem é determinado fisiologicamente e socialmente, sujeito às disposições internas e às situações exteriores. Esse autor realiza um estudo que é centrado na criança contextualizada, onde o ritmo no qual se sucedem as etapas do desenvolvimento é descontínuo, marcado por rupturas, retrocessos e reviravoltas que provocam em cada etapa profundas mudanças. Para ele a atividade do homem é inconcebível sem o meio social; porém as sociedades não poderiam existir sem indivíduos que possuam aptidões como a da linguagem que pressupõe uma conformação determinada do cérebro, haja vista que certas perturbações de sua integridade, privam o indivíduo da palavra. Vemos então que para ele não é possível dissociar o biológico do social no homem. Esta é uma das características básicas da sua teoria do desenvolvimento psicológico.

Na teoria de Wallon a passagem de um estágio para outro não se dá linearmente, por ampliação, mas por reformulação, instalando-se no momento da passagem de uma etapa a outra, crises que afetam a conduta da criança. Os conflitos, propulsores do desenvolvimento, que se instalam nesse processo podem ser de origem exógena, quando resultantes dos desencontros entre as ações da criança e o ambiente exterior, estruturado pelos adultos e pela cultura; ou de origem endógena, quando gerados pelos efeitos da maturação nervosa (Galvão, 1995).

Wallon propõe um modelo de desenvolvimento que compreende cinco estágios. A seqüência destes estágios cobre o período que vai do nascimento até a adolescência, e se organiza a partir do princípio de alternância funcional. Segundo este princípio, cada estágio apresenta uma predominância afetiva ou cognitiva que se alterna desde o início do desenvolvimento. Os estágios de predominância afetiva são marcados pela estruturação e reestruturação da personalidade. Os de predominância cognitiva se caracterizam pelo desenvolvimento de novas habilidades de percepção e organização do real. Cada estágio que se inicia se beneficia das conquistas realizadas pelo estágio anterior. Neste sentido as novas aquisições realizadas no campo cognitivo fomentam transformações na esfera da construção do Eu, que por sua vez possibilitam ao sujeito se relacionar de forma mais elaborada com a realidade objetiva.

O primeiro estágio – Impulsivo-emocional - recobre o primeiro ano de vida e é marcado pela intensa expressividade emocional associada à precariedade e

imperícia motora própria do recém-nascido. A predominância da afetividade típica deste estágio se manifesta nos movimentos involuntários da musculatura lisa e das reações emocionais decorrentes dos estímulos internos e externos. A vida emocional da criança neste período fixa para ela importantes elementos de diferenciação entre o “Eu” e o “não-Eu”, funcionando neste sentido, como um primeiro passo na construção da personalidade.

O estágio seguinte - Sensório-motor e projetivo - que vai até os três anos de idade é marcado pelo progressivo domínio motor possibilitado pelos progressos da maturação neurológica. A aquisição da marcha e da preensão permite à criança maior autonomia na manipulação de objetos e na exploração dos espaços. Também, nesse estágio, ocorre o desenvolvimento da função simbólica e da linguagem. O termo projetivo refere-se ao fato da ação do pensamento precisar dos gestos para se exteriorizar. O ato mental "projeta-se" em atos motores. Como diz Dantas (1992), para Wallon, o ato mental se desenvolve a partir do ato motor.

O terceiro estágio – Personalismo - recobre o período que vai dos três aos seis anos de idade. Nesse estágio desenvolve-se a construção da consciência de si mediante as interações sociais, reorientando o interesse das crianças pelas pessoas. O caráter predominantemente afetivo deste estágio se expressa na atitude de oposição e rebeldia manifestada pela criança no esforço de construção de um Eu psicológico incipiente.

Erikson (1971) assim como Wallon reconhece a importância e influência do ambiente social e dos fatores históricos culturais no desenvolvimento da personalidade. Coloca em relevo o surgimento gradativo de um senso de identidade; e apesar de registrar a importância dos anos iniciais, defende que a identidade não está totalmente formada no final da adolescência e que a personalidade continua a se desenvolver ao longo do ciclo vital. Apesar de propor etapas do desenvolvimento (estágios psicossociais), acredita que eventos ocorridos em estágios posteriores podem levar à superação de experiências infantis negativas, contribuindo para o estabelecimento da identidade. Além disso, acredita que é possível influenciar e dirigir conscientemente o desenvolvimento em cada estágio.

A teoria de Erikson (1971) organiza-se a partir do princípio epigenético, ou seja, a progressão no desenvolvimento ocorre a partir de um sistema básico, onde

todos os aspectos da personalidade dependem do desenvolvimento adequado na seqüência apropriada e cada um existe de alguma forma, antes de alcançar seu momento crítico.

Ao primeiro estágio, ou idade, Erikson denomina Confiança Básica

versus Desconfiança. Nesse período, referente ao primeiro ano de vida, se a mãe (ou

cuidador primário) oferece satisfação em relação às necessidades físicas e emocionais básicas, o bebê desenvolve um senso de confiança básica no outro e no "self". Esse sentimento de confiança está relacionado com a persistência, continuidade e uniformidade da experiência de cuidado, que proporciona um sentimento primitivo de identidade do ego. Sentimento esse que futuramente combinará o sentimento de ser “aceitável”, por ser ela mesma, e de se transformar naquilo que os demais acreditam que chegará a ser. Erikson enfatiza que:

“a soma de confiança derivada das primeiras experiências infantis não parece depender das quantidades de alimentos ou de demonstrações de amor, mas da qualidade da relação materna.” E que “Os pais não se devem limitar a métodos fixos de orientar por meio da proibição e da permissão; devem também ser capazes de afirmar à criança uma convicção profunda, quase somática, de que tudo o que fazem tem um significado. Enfim, as crianças não ficam neuróticas por causa das frustrações, mas da falta ou da perda de significado social nessas frustrações.” (Erikson, 1971:229).

O segundo estágio, denominado, Autonomia versus Vergonha e Dúvida, corresponde ao período de dois a três anos de idade. Nessa fase, as trocas com o ambiente, ocorrem basicamente por meio de duas ordens de modalidades sociais: agarrar (retenção) e soltar (eliminação). Nessa idade a criança sente necessidade de testar os limites e explorar; se a dependência é estimulada, a autonomia da criança é inibida. Por essa razão, o controle externo deve ser firmemente tranqüilizador. A criança deve sentir que mesmo apesar de suas mudanças repentinas de atitude, não terá sua existência ameaçada, para tanto seu meio ambiente deve tanto encorajá-la a se manter sobre seus próprios pés, como protegê-las contra as experiências arbitrárias e esporádicas de se envergonhar e sentir-se em dúvida precocemente. Quando isso não ocorre, ou seja, quando a criança não tem uma experiência gradual e bem orientada da autonomia da livre escolha, ela pode voltar contra si todo seu anseio de discriminar e

manipular, o que acarreta o desenvolvimento de uma consciência precoce. Conforme Erikson (1971):

“Esta etapa, portanto, passa a ser decisiva para a proporção de amor e ódio, cooperação e voluntariedade, liberdade de auto-expressão e sua supressão. De um sentimento de autocontrole sem perda da auto-estima resulta um sentimento constante de boa vontade e orgulho; de um sentimento de perda do autocontrole e de supercontrole exterior resulta uma propensão duradoura para a dúvida e a vergonha”. (Erikson, 1971:233-234)

Ao estágio que corresponde ao período de três a cinco anos de idade, Erikson (Op. cit.) denominou Iniciativa versus Culpa. Ao iniciar sua descrição, o autor nos lembra que em cada uma dessas etapas a criança apresenta um novo milagre de desabrochamento vigoroso que constitui uma nova esperança e uma nova responsabilidade para todos. Diz ainda, que esse é o sentido e qualidade intrínseca da iniciativa, que acrescenta à autonomia a capacidade de empreender, de planejar, de “atacar” uma tarefa pelo gosto de estar em atividade, em movimento. As relações com o ambiente pautam-se na ordem da modalidade social de “conquistar”, as crianças passam a ter prazer no ataque e na conquista. Ainda segundo o autor permanecem nos meninos os modos fálico-intrusivos, e nas meninas os modos de “armar o laço”, nas formas mais agressivas de arrebatar ou na mais moderada de se fazer cativante e atrativa.

De posse do novo poder locomotor e mental, a criança pode sentir-se culpada em relação aos objetivos visados e aos atos iniciados em função dessas habilidades, sendo esse o perigo dessa etapa. Pois quando isso ocorre os atos de manipulação e coação agressivas logo ultrapassam a capacidade executiva do organismo e da mente, e obrigam, portanto, a uma contenção energética da iniciativa planejada. Conforme Erikson (1971):

“A sexualidade infantil e o tabu do incesto, o complexo de castração e o superego, unem-se aqui para causar aquela crise especificamente humana durante a qual a criança deve renunciar a uma ligação exclusiva, pré- genital, com seus pais, para iniciar o lento processo de se tornar um genitor, um portador da tradição. Ocorre neste momento a mais sinistra cisão e transformação na central energética emocional, uma cisão entre a glória humana potencial e a destruição total do potencial, pois aqui a criança se divide para sempre interiormente. Os fragmentos instintivos que antes haviam acelerado o desenvolvimento de seu corpo e de sua mente infantis agora se dividem em uma série infantil, que perpetua a

exuberância dos potenciais do desenvolvimento e uma série paterna e materna, que sustenta e incrementa a auto-observação, a auto-orientação e a autopunição”. (Erikson, 1971:236)

Segundo a visão do autor, a partir dessa fase a criança começa a reconhecer as instituições, funções e papéis que permitem sua participação responsável, graças ao desenvolvimento gradual de um senso de responsabilidade moral. Desse modo passa a encontrar prazer no manejo de ferramentas, na manipulação de brinquedos e no cuidado de crianças menores. Portanto, ao lado da fixação opressiva de um senso moral que restringe o horizonte do que é permitido, essa etapa possibilita também a determinação da direção para o que é possível concretamente, permitindo relacionar os sonhos das primeiras fases da infância com os objetivos da vida adulta.

2.4 Reflexões sobre a Instituição de Educação Infantil e o Processo de