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2.3 AGRICULTURA NA ÁFRICA E EM MOÇAMBIQUE

2.3.4 Agricultura Familiar em Moçambique

De acordo com Mosca (2014), a agricultura familiar11 em Moçambique consiste na

atividade econômica que ocupa grande parte da população, podendo alcançar mais de 75% dos cidadãos. Segundo a informação do CAP e do TIA citado por Sitoe (2005), nas zonas rurais de Moçambique, a agricultura familiar é constituída essencialmente por pequenas explorações (àquelas que cultivam menos de 5 ha); Este setor concentra cerca de 99% das unidades agrícolas (3.090.197 unidades familiares) e ocupa mais de 95% da área cultivada do país.

10A estratégia da Revolução Verde é um instrumento definido pelo governo de Moçambique para responder à

crise alimentar de 2007-2008, recomendando a investigação e extensão para envolver as associações dos produtores nos processos de pesquisa e disseminação de tecnologias agrárias.

11 Para Mosca (2014), os conceitos de agricultura familiar, produtores de pequena escala, pequenos produtores, produtores de mercadorias e camponeses, embora com matizes conceituais, são considerados como sinônimos.

A população vive principalmente de atividades agro-silvo-pecuárias de pequena escala, com uma heterogeneidade de atividades econômicas de geração de rendimentos dentro das famílias. Dentro das diferentes atividades, a produção de alimentos para o consumo constitui a base principal da estrutura produtiva do setor familiar (SITOE, 2005, p. 4).Segundo o TIA(2002), o milho e a mandioca ocupam posição preponderante da área cultivada, sendo o milho cultivado, responsável por cerca de 80% das explorações e a mandioca com 76%.

Apesar da produção de culturas alimentares ser importante em todas as regiões, existem algumas diferenças no tipo de culturas, o que pode ser explicado pelas diferenças agroclimáticas, assim como diferenças socioculturais. A proporção de famílias que produzem milho e mandioca é dominante em todas as regiões, enquanto a batata-doce é uma lavoura importante no Centro e no Sul do país. No Sul, o amendoim é a principal cultura, enquanto no Centro, o plantio de arroz é praticado por uma proporção significante dos agricultores familiares e, encontra-se concentrado nas províncias da Zambézia e Sofala. Entretanto, no Norte a “mapira” é cultivada por mais de metade dos agricultores familiares (SITOE, 2005, p. 5).

Oliveira (2016) afirma que as culturas familiares produzidas em Moçambique dependem de fatores naturais, sobretudo de chuva, sua regularidade e quantidade de precipitação definem o que se colhe, e quando se colhe. A grande maioria das vezes as mulheres é que fazem a agricultura, sobretudo a familiar, mas os homens participam quer no consumo quer na desmatação, e acabam por decidir e controlar a parte financeira do ciclo. Além do mais, o autor ainda aponta a herança cultural machista que ainda influi em vários setores sociais e comerciais, como a razão que faz com que muitas das explorações agrícolas, sejam chefiadas na sua maioria por mulheres. Outra razão que explica esse fenômeno, é o fato de a maioria dos homens, principalmente os da região Sul de Moçambique (Maputo, Gaza e Inhambane), migrarem para trabalhar em minas no país vizinho, a África do Sul.

Para o PEDSA (2011), a produção de alimentos básicos, que constitui a principal fonte de subsistência do setor familiar, está sujeita a grandes variações devido à incerteza do clima e a secas recorrentes, particularmente nas zonas semiáridas; Todos os anos se desenvolvem e reaparecem bolsas de insegurança alimentar e nutricional. Onde se pratica agricultura de sequeiro, o risco de perda de colheitas devido às condições climáticas desfavoráveis, ultrapassa os 50% em toda a região a Sul do Rio Save e pode chegar a 75% no interior da província de Gaza. Dado que o acesso a oportunidades de rendimento fora da agricultura é muito limitado nas áreas rurais, os baixos rendimentos continuam a ser para muitas famílias a causa principal de insegurança alimentar.

Sitoe (2005) afirma que a produção de culturas de rendimento pelos agricultores familiares é mais concentrada no Centro e no Norte. Nessas regiões, o cultivo de algodão e gergelim apresentam-se importantes, enquanto o tabaco se mostra relevante no Centro, mais concretamente na província de Tete. O girassol é mais cultivado na província de Manica. No concernente ao uso de meios de produção e serviços, apenas cerca de 11% usam rega dentro das pequenas explorações; Em termos do uso de insumos, somente 3,7% das pequenas explorações utilizam fertilizantes e 6,7% utilizam pesticidas; Cerca de 16% das explorações contratam mão de obra. Em termos de serviços públicos (assistência veterinária e serviços de extensão), apenas 2% das famílias vacinaram as suas galinhas e 3% vacinaram outros animais, enquanto menos do que 3% receberam assistência técnica veterinária.

O uso de tração animal é concentrado no Sul (41%) e no Norte o uso de tração animal é limitado, principalmente devido à presença da mosca Tsé-tsé e das condições edafoclimáticos. O uso de insumos agrícolas modernos, como os fertilizantes e pesticidas, é extremamente baixo e focalizado nas culturas de algodão, tabaco e hortícolas (principalmente nas zonas peri-urbanas). Também se registam diferenças regionais em termos de uso de fertilizantes e pesticidas, no Norte cerca de 12% de explorações usaram pesticidas e no Centro, 3,9% das explorações usaram fertilizantes. “A utilização de rega, é mais concentrada na região Sul com cerca de 28% de explorações, seguida da região Centro com (10,5%) e o Norte com (3,5%)” (SITOE, 2005, p. 5).

A limitada alocação de recursos públicos e a fraca atratividade da agricultura para os investimentos privados, implicam importantes debilidades do tecido empresarial e das instituições públicas de prestação de serviços à agricultura (venda de insumos, mecanização, assistência técnica, manutenção de infraestruturas produtivas, por exemplo, de regadios e de comercialização). A liberalização dos mercados não regulados como forma de atenuar as distorções, os acessos e as assimetrias de informação, entre outros aspectos, coloca os pequenos produtores em situações difíceis para a realização e venda da produção, para a inovação e modernização dos sistemas de produção, para a transformação estrutural do campesinato, para assegurar termos de troca que não fazem decair o poder de compra das famílias que têm a agricultura como a principal fonte geradora de rendimentos. “Estes são alguns elementos institucionais que agravam a pouca prioridade atribuída efetivamente ao setor agrário e ao desenvolvimento rural” (MOSCA, 2014, p.13).

No que tange à caracterização dos agregados familiares rurais, o PEDSA (2011) distingue três tipos de explorações agrícolas, a saber: pequenas, médias e grandes (Quadro 1).

Quadro 1 - Tipos de explorações agrícolas em Moçambique

Tipo de Exploração Área Área Cultivada Efetivos Pecuários Grandes

Explorações

Mais de 100

Hectares OU 50 hectares de área cultivada

OU 100 cabeças de gado bovino ou 500 pequenos ruminantes e suínos ou 10000 aves

Médias Explorações 25 Hectares

OU 10 hectares de área cultivada com culturas permanentes e anuais ou 5 hectares com culturas irrigadas OU=10& 100 cabeças de gado bovino ou (=50 &500) pequenos ruminantes e suínos. Pequenas Explorações Menos de 25 Hectares

Menos de 10 hectares de área cultivada com culturas

permanentes e anuais ou menos 5 hectares com culturas irrigadas

Menos de 10 cabeças de gado bovino ou menos de 50 pequenos ruminantes e suínos ou menos de 2.000 aves

Fonte: PEDSA (2011).

A produção agrária assenta em cerca de 3,7 milhões de pequenas explorações, das quais 24,1% chefiadas por mulheres (TIA, 2008). Estas explorações são responsáveis por 95% do total da produção agrícola, enquanto o restante 5% são atribuídos à cerca de 400 agricultores comerciais, que se concentram nas culturas de rendimento e de exportação (cana de açúcar, tabaco, chá, citrinos e pecuária). A produção de culturas de rendimento pelos Agregados Familiares Rurais (AFRs) está mais concentrada no Centro e Norte do país. No Norte predomina o cultivo do algodão e do gergelim e, no Centro, além destas, cultiva-se também o girassol e o tabaco. O plantio do tabaco predomina na província de Tete, enquanto do gergelim e do girassol são praticadas pela maioria dos agregados familiares da província de Manica (PEDSA, 2011, p. 14 e 15).

Mosca (2014) resume o cenário do setor da agricultura em Moçambique, e principalmente da familiar no seguinte:

a) não tem ocorrido um aumento significativo do tamanho médio das explorações; b) O número de explorações e de pessoas ocupadas na agricultura aumentou;

c) A produtividade mantém-se estagnada ou baixou para muitos produtos alimentares; d) não se verifica uma maior integração nos mercados da atividade, o que é certificado pelo nível de utilização de fatores de produção adquiridos nos mercados de bens e de fatores (crédito, adubos, sementes, pesticidas, máquinas e outros equipamentos). Além do referido acima, Mosca (2014) salienta:

a) a terra permanece estatal, mesmo considerando os direitos consuetudinários previstos na Lei de Terras e, quando existem conflitos, regra geral é, os pequenos produtores não possuem mecanismos para a defesa dos seus direitos e interesses;

b) a gestão dos principais instrumentos de política econômica - orçamento do Estado, crédito, taxa de câmbio, subsídios, investigação, extensão, etc., tem-se revelado adversa, ou não favorável ao setor agrário, ou insuficientemente eficaz e duradoura para induzir alguma transformação estrutural da agricultura e do setor familiar; c) permanece a relação subordinada e dependente do camponês nos mercados e

persiste a transferência de recursos para fora do setor agrário e do meio rural. Pode-se, desta forma, concluir que a agricultura familiar (agricultores familiares) são marginalizados em Moçambique, uma vez que é possível compreender que, ao longo de décadas, tem havido ausência de prioridade e pouco conhecimento no estabelecimento de estratégias e de ações que promovam os pequenos produtores para o aumento da produtividade, da capacidade produtiva e de oferta de serviços para que a agricultura e, em particular, a produção dos produtores de pequena escala, seja uma fonte de rendimento competitiva com outras atividades. Mosca (2014) encontra na falta de organização dos pequenos produtores e possuidores da consciência de classe, de modo a assegurar a defesa dos seus interesses e a estarem representados nos centros de decisão política e econômica de forma correspondente ao peso social e econômico que possuem em Moçambique, como uma das razões que explica a marginalização dos mesmos. Outros fatores apontados por Mosca (2014) são:

a) recursos para a agricultura: analisando com mais detalhe o orçamento do Estado, observa-se o baixo investimento realizado em atividades diretamente e com maiores efeitos sobre a produção agrária (extensão, investigação, infraestruturas etc.), o nível de descentralização orçamental é baixo, existem descontinuidades ao longo dos anos e constata-se uma baixa execução orçamental ao longo de mais de uma década;

b) a questão da terra: a terra foi nacionalizada em 24 de julho de 1975, imediatamente após a independência (25 de junho de 1975). Os slogans “a libertação dos homens e da terra” e o fim da “exploração do homem pelo homem” foram utilizados para a nacionalização. Porém, os camponeses não viram concretizadas as suas expectativas de recuperação das terras ocupadas com a colonização. As empresas estatais e as cooperativas, no quadro da socialização do meio rural e da coletivização agrária, ocuparam as terras deixadas pelas empresas dos agricultores que abandonaram o país. Pode-se afirmar que a gestão pública, sobre as questões em torno da terra e dos conflitos de interesse associados não tem protegido, em

muitos casos, os direitos dos produtores e das famílias, tanto no meio rural como nos centros urbanos;

c) dimensão das explorações: por mais que existam aumentos de produtividade resultantes de inovações e da intensificação tecnológica, com as atuais dimensões das explorações, a agricultura de pequena escala não poderá ser uma via para a saída da pobreza de cerca de 75% da população moçambicana. Considerando as debilidades em criação de emprego e da industrialização e, consequentemente, a geração de rendimento, o desenvolvimento de Moçambique, a médio prazo, terá de considerar a necessidade de importantes transformações produtivas dos camponeses, para que seja possível a redução da pobreza. A expansão da superfície por exploração e por família (per capita) é uma das condições importantes para esse objetivo. De novo se recolocará a questão da ocupação da terra, neste caso, resultante das dinâmicas económicas e sociais endógenas, isto é, no seio das comunidades;

d) relações com o mercado: as relações dos sistemas de produção da agricultura familiar com os mercados são, geralmente, medidas pelo volume de produção vendida (ou a percentagem das vendas na produção total), pela aquisição de fatores - insumos de produção (sementes, fertilizantes e pesticidas), pelo acesso ao capital (crédito e equipamentos) e pelo assalariamento na exploração. Existem défices de cobertura da rede comercial e da atividade de comercialização de produtos agrícolas em muitas zonas. A estrutura dos mercados é desfavorável aos pequenos produtores. Para a maioria dos casos, persiste uma estrutura oligopsônica, o que dificulta a formação não diversificada dos preços. A este importante elemento, acrescenta-se a imperatividade dos produtores venderem a produção após a colheita devido às dificuldades de armazenagem e consequentes riscos de perdas pós- colheita, à baixa formação e informação dos produtores sobre os mercados e preços, à pouca capacidade negocial, aos riscos da comercialização e à baixa articulação dos mercados, com efeitos sobre a formação dos preços e dificuldade de aproximação dos valores ao longo do território, entre anos e conforme a sazonalidade da produção agrícola;

e) transformação estrutural da agricultura e do setor familiar: o aumento da produção e da produtividade têm sido referidos como necessários para que a agricultura desempenhe os seus papéis no desenvolvimento. A transformação estrutural da agricultura é um tema que não surge nos discursos, nem são evidentes políticas e

medidas que, de uma forma sistemática e duradoura, contribuam para o efeito. A transformação deveria caracterizar-se pelas seguintes principais mudanças: maior intensificação da agricultura com o fator capital, inclusivamente para a extensão das superfícies trabalhadas; Maior integração da agricultura nos mercados; Aquisição de mais conhecimento e domínio técnico por parte dos agricultores, seja através da formação e qualificação dos recursos humanos, como através da aplicação dos resultados da investigação e por meio da extensão rural; Melhores infraestruturas produtivas; Incentivo da pequena indústria agroalimentar; E mais e melhores serviços aos produtores e aos cidadãos no meio rural.

Lopes (2014), no seu artigo “Transformando a agricultura na África”, afirma que as possibilidades de crescimento na África são ilimitadas e Moçambique está pronto para dar o próximo passo, que é manter o crescimento e fazer com que este seja transformador. A transformação do modelo agrícola africano deve capitalizar força e recursos enquanto aproveita os novos avanços na ciência e descarta tecnologias obsoletas.

É necessário voltar a dar ênfase a estratégias e políticas visando à transformação estrutural da agricultura. Tendo em conta uma abordagem integrada entre as dimensões econômicas, sociais e ambientais, devemos focar em comida, terras, água, segurança florestal, recursos biominerais e nos elos tanto urbano-rurais quanto entre a agricultura e os outros setores em evolução das economias africanas. É desse modo que faremos do agronegócio uma meta primordial (LOPES, 2014). Portanto, fica patente que a agricultura africana e a moçambicana em particular, ainda está para ser usada como uma real ferramenta de transformação. A África e o Moçambique têm a seu alcance a capacidade, o capital humano, os recursos e as oportunidades para liderar o caminho do desenvolvimento.