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2.1 ABORDAGEM SISTÊMICA E DESENVOLVIMENTO RURAL

2.1.3 Unidade de Produção Agrícola como um Sistema

O estudo e a descrição de Unidades de Produção Agrícola (UPAs), de uma maneira global, são realizados desde a antiguidade. Tem-se buscado com isso, reconstituir e descrever os principais elementos constitutivos das UPAs, colocando em evidência suas peculiaridades e características. Somente a partir da segunda metade do século XX, especialmente frente à

constatação dos limites da abordagem setorial, a UPA começa a ser vista mais e mais como um objeto complexo que deve ser estudado e compreendido em sua totalidade. Com a abordagem sistêmica, incorpora-se a noção de que a UPA pode apresentar, além da função de produção de produtos agrícolas, outras funções combinadas: comercialização, serviços, conservação do espaço etc. A gestão de uma UPA passa a ser considerada como sendo a gestão coerente e articulada de atividades produtivas de bens e de serviços agrícolas e não- agrícolas (MIGUEL, 2010, p. 11).

De acordo ainda com Miguel (2014), a partir de uma aproximação sistêmica, a Unidade de Produção Agrícola pode ser concebida como sendo constituída por um conjunto de elementos em interação (sistemas de cultivo e/ou criação e/ou transformação), influenciados pelos objetivos do agricultor/produtor rural e de sua família (sistema social). A UPA configura-se assim como um sistema aberto e em interação com o meio externo que pode ser ambiental, econômico, físico e humano (Figura 3).

Figura 3 - Representação esquemática da Unidade de Produção Agrícola e do Sistema de Produção segundo a abordagem Sistêmica

Fonte: Miguel (2014, p. 5). SISTEMA SOCIAL (agricultor/ família) Sistema Cultivo 1 Sistema Criação 1 Sistema Criação 2 Sistema Cultivo 2 Sistema Cultivo 3 Atividades de Transformação SISTEMA DE PRODUÇÃO

Externo Meio

O sistema social e de produção não estão desvinculadas do espaço externo e não operam de forma autônoma em relação a ele. O espaço externo, tanto em nível micro (o espaço agrário delimitado pela localidade ou região) quanto em nível macro (delimitado pelo espaço regional, nacional ou mesmo internacional), influencia e afeta em grau e intensidade variáveis as diferentes UPAs. Por isso, as características ecológicas, técnicas, sociais, políticas e culturais do entorno de uma UPA devem ser consideradas e ponderadas em qualquer estudo acerca desta. Assim, a análise regional constitui em uma etapa preliminar indispensável para o estudo e a caracterização da UPA (MIGUEL, 2010, p. 13).

Segundo Miguel (2010), pode-se, de maneira sucinta e objetiva, afirmar que o estudo e a compreensão da estrutura e do funcionamento de UPAs estão fundamentados em quatro postulados de base:

a) A UPA é um sistema;

b) As decisões dos agentes (agricultor/família ou externos) é que fazem evoluir a UPA de um estado a outro;

c) O agricultor/família tem uma influência determinante sobre a estrutura e o funcionamento da UPA;

d) O conhecimento das possibilidades de evolução da UPA demanda uma análise de sua história.

2.1.3.1 Sistema de Produção

Para Dufumier (1997), um Sistema de Produção consiste em uma combinação mais ou menos coerente no espaço e no tempo de certa quantidade de força de trabalho, e de distintos meios de produção com a intenção de obter diferentes produções agrícolas, vegetais ou animais. O autor afirma ainda, que o sistema de cultivo em nível da parcela, pode ser definido como a combinação da força de trabalho e dos meios de produção utilizados para obter uma ou mais produções de vegetais, em que a parcela é uma superfície de terreno homogênea quanto aos demais cultivos praticados na sua ordem de sucessão e das técnicas empregadas.

O conceito de Sistema de Produção é um pressuposto básico para a compreensão e a análise dos processos produtivos que ocorrem no âmbito da UPA. Fruto da interação do Sistema Social com o Sistema natural, o Sistema de Produção (farming system / système de

production) é formado pela combinação de sistema(s) de cultivo e/ou sistema(s) de criação,

(força de trabalho, conhecimento técnico, superfície agrícola, equipamentos, capital, etc.). Integram-no igualmente as atividades de transformação e de conservação de produtos animais, vegetais e florestais exercidas dentro dos limites da Unidade de Produção Agrícola (WAGNER, et al., 2010, p. 10).

O Sistema de Produção, de acordo com Dufumier (1997), pode também ser concebido como uma combinação de diversos subsistemas produtivos:

a) os sistemas de cultura das parcelas ou de grupos de parcelas de terra, tratados de maneira homogênea, com os mesmos itinerários técnicos e com as mesmas sucessões culturais;

b) Os sistemas de criação de grupos de animais (plantéis) ou de fragmentos de grupos de animais;

c) Os sistemas de processamento dos produtos agrícolas no estabelecimento. Analisar um sistema de produção na escala dos estabelecimentos agrícolas não se resume somente ao estudo de cada um de seus elementos constitutivos, mas consiste, sobretudo, em examinar com cuidado as interações e as interferências que se estabelecem entre eles:

d) as relações de concorrência entre as espécies vegetais e animais pelos recursos naturais disponíveis (água, luz, minerais, matérias orgânicas, etc.);

e) As relações de sinergia ou de complementaridade relativas à utilização dos recursos;

f) A distribuição e a repartição (no tempo e no espaço) da força de trabalho e dos meios de produção entre os diferentes subsistemas de cultura e de criação: itinerários técnicos, sucessões e rodízios de cultura, distribuição da área disponível entre as culturas, calendários forrageiros, deslocamentos de rebanhos etc.

Portanto, no Sistema de Produção temos: a) os meios de produção disponíveis:

- terra, instalações e equipamentos (a quantidade e a qualidade, a modalidade de aquisição, os períodos de disponibilidade, a utilização efetiva);

- o acesso a recursos externos (o financiamento, os subsídios, a infraestrutura, etc.); - eventualmente, as relações sociais que garantem o acesso a esses recursos e os meios

de produção (arrendamento, condomínios, cooperativas, etc.);

- as principais produções (os diferentes sistemas de cultivo e de criação). b) os sistemas de cultura:

- os itinerários técnicos (a sucessão de operações realizadas, as quantidades e a qualidade de cada recurso utilizado) e o calendário de trabalho;

- os problemas técnicos enfrentados; - o nível e o destino da produção. c) os sistemas de criação:

- os itinerários técnicos;

- as relações com os sistemas de cultivo (a utilização de pastagens, as capineiras, os grãos, o fornecimento de esterco, etc.);

- os problemas técnicos;

- o nível e o destino da produção.

d) os sistemas de processamento dos produtos (o mesmo esquema dos outros subsistemas);

e) as atividades complementares (extrativismo, atividades necessárias à subsistência da família, prestação de serviços ou trabalho fora da propriedade, etc.);

f) as combinações dos sistemas de cultura com os de criação:

- os fluxos de fertilidade e de produtos no tempo e no espaço (concorrência ou complementaridade dos componentes do sistema de produção);

- o calendário de trabalho (concorrência entre sistemas de cultivo e os de criação);

- o calendário do fluxo monetário (concorrência entre sistemas de cultivo e os de criação);

- o calendário de uso dos principais equipamentos (concorrência entre sistemas de cultivo e os de criação).

2.1.3.2 Sistema Social

O sistema Social, de acordo com Miguel (2009), compreende às práticas sociais, às representações, às estratégias e os objetivos manifestados, ou seja, representaria a tomada de decisão do agricultor e de sua família de maneira explícita ou não.

Segundo FAO/INCRA (1999), o Sistema Social compreende à família e à mão de obra familiar disponível (a quantidade e a qualidade, as divisões de gênero e de idade, os períodos de disponibilidade etc.); Eventualmente, a mão de obra não familiar utilizada, tais como assalariados, mutirões, trocas de dias de trabalho, formas coletivas de trabalho (a quantidade, a qualidade, as relações de trabalho, etc.); E ocasionalmente, as fontes de renda não-agrícola.

Segundo Miguel (2014), para a compreensão dos mecanismos de funcionamento e gestão de uma UPA, considera-se imprescindível conhecer o comportamento do agricultor e sua família, explicar suas decisões passadas e presentes e buscar prever as decisões que ele tomará frente a mudanças em sua situação e ambiente.

Os objetivos do agricultor e de sua família ocupam uma posição central no processo de tomada de decisão. Para alcançarem seus objetivos, os agricultores dispõem de várias estratégias, com diferentes níveis de exposição a riscos. Por isso, as estratégias de ação adotada pelos agricultores e materializada através dos sistemas de produção implementada na UPA, levam em consideração a estimativa de risco ligado ao clima ou às mudanças econômicas. Por conseguinte, a diversidade de modos de produção e de resultados técnicos e econômicos encontrados em uma UPA não depende unicamente da estrutura produtiva, da disponibilidade de fatores de produção, das técnicas disponíveis e dos preços dos produtos agrícolas (MIGUEL, 2014, p. 7).