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4 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA AGRICULTURA NA REGIÃO DO REGADIO DO

4.1 DELIMITAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DA REGIÃODE ESTUDO

4.2.1 Sistema Agrário Pré-Bantu (Há 10.000 anos)

Segundo Sitoe (2008), os primeiros povos viveram na zona Austral da África, há cerca de 10.000 anos, são os Khoisans, também conhecidos por bosquímanos ou Sans. Hoje, acredita-se que os povos que habitam o deserto do Kalahari no Botswana são descentes de Khoisans. Os Khoisans eram povos nômades que praticavam a caça e a coleta. Há 10.000 anos a região do Baixo Limpopo já apresentava às condições físico-geográficas observáveis na atualidade. A savana era abundante de animais selvagens, o que oferecia circunstâncias favoráveis à caça.

Ussivane (2017) afirma que os Khoisans eram excelentes caçadores, com o conhecimento sobre diferentes técnicas de caça. Dispunham de armadilhas em formas de covas e cobertas de capim, utilizavam veneno extraído de raízes, cobras, aranhas e escorpiões para untar as flechas. Também eram conhecedores de técnicas de conservação de carne (assada, defumada ou seca). Ainda os Khoisans realizavam a coleta de bulbos comestíveis, frutos e nozes e praticavam a pesca. Utilizavam as cascas de ovo de avestruz e de tartaruga para transportar e conservar a água. Nomadismo era uma das suas características principais.

Os instrumentos usados pelos Khoisans eram rudimentares, compostos em sua maioria por instrumentos construídos em madeira e pedra, sendo a força de trabalho predominantemente familiar.

Segundo Ussivane (2017), os Khoisans organizavam-se em bandos com uma divisão social do trabalho, em que as mulheres se encarregavam da coleta e os homens da caça. Era uma sociedade pouco hierarquizada do ponto de vista social e composta por tribos locais.

Acredita-se que entre os séculos I e IV a região passou a ser invadida pelos povos Bantus provenientes das grandes florestas congolesas, da África Central. Os Bantus, por sua vez, já eram agricultores e conheciam a metalurgia do ferro.

4.2.2 Sistema Agrário Bantu (séc I a séc IV)

As primeiras sociedades sedentárias, não só na região de Moçambique, mas também em praticamente toda África subsaariana, têm origem em um processo de expansão dos povos Bantu, a partir da grande floresta congolesa, na África central, por volta de 2000 a. C. Entretanto, apenas entre os séculos I e IV é que os Bantu, povos com domínio da agricultura e da metalurgia do ferro, estabeleceram-se nos territórios de Moçambique. Este movimento já era em si, também um movimento político, uma vez que, além de ter sido impulsionado por razões econômicas (seca, uso intensivo do solo e busca de terrenos mais férteis), tinha motivações políticas (guerras, estratégias de conquistas e defesa) (MANGUE, 2007).

Para Sitoe (2008) citando Hofisso e Sitoe (1987), a expansão dos Bantus pela África Austral efetuou-se em três etapas:

a) a primeira etapa ocorreu por volta do segundo milênio a.C. e corresponde ao movimento dos Bantus dentro das florestas da África Central. Esse movimento foi resultado da pressão dos Saharauis que emigravam por aquela região, bem como as condições adversas do deserto do Sahara, que fizeram com que os Bantus se espalhassem pelas florestas na África Central.

b) a segunda etapa ocorreu cerca de 1.000 anos mais tarde, foi mais rápida e corresponde à expansão através das savanas da África Austral e Oriental.

c) a terceira corresponde ao alargamento da expansão anterior. Esta última expansão foi facultada pelo surgimento de novas técnicas agrícolas na zona que hoje é conhecida por Zâmbia, as quais foram importadas do Sueste Asiático, através do Madagascar.

Para Ussivane (2017), as principais causas da expansão Bantu para a África Austral e particularmente Moçambique foram:

a) o alargamento do deserto de Saara, devido ao aumento do processo de desertificação, o que obrigou as populações a se movimentarem em busca de condições mais favoráveis. Com o clima mais seco e árido, os povos Bantu decidiram rumar a Sul e a Sudeste;

b) O aumento da população na orla noroeste da grande floresta equatorial, composta por famílias alargadas e numerosas, que obrigou à busca por melhores condições de vida em regiões mais afastadas do deserto;

c) A falta de terra cultiváveis nas florestas congolesas, que apesar da elevada fertilidade natural, apresentam uma vegetação muito densa e difícil de controlar.

Para a prática da agricultura, sobretudo para o cultivo de cereais, os Bantus precisavam de terrenos desmatados e isso, na grande floresta equatorial, era muito difícil de ser obtido;

d) A difusão da tecnologia de ferro e das práticas agropastoris.

Acredita-se que os motivos que fizeram com que os Bantus se fixassem na região do Baixo Limpopo também possam estar relacionados à existência e proximidade da planície, da bacia fluvial e do litoral do Oceano Índico. As informações acerca das atividades agropecuárias destes agricultores são escassas, porém, julga-se que a atividade agrícola era praticada com o uso de instrumentos manuais em ferro rudimentares, sendo a caça uma atividade complementar.

O conhecimento da agricultura e da metalurgia do ferro, foram as capacidades mais inovadoras e, muito provavelmente, a maior razão da sua expansão. E como praticavam atividades que lhes obrigava a permanecerem no mesmo local, eram comunidades sedentárias. A caça, a criação animal e a coleta eram realizadas em áreas de encostas (Serras) e planícies cobertas por uma savana arbustiva. Nas planícies aluvionais, os Bantus desenvolviam a atividade agrícola e o pastejo. E ainda, por possuírem ferramentas em ferro, podiam abater com relativa facilidade as árvores para a abertura das áreas de savana para a prática da agricultura. Sitoe (2008)afirma que a observação do modo como atualmente é realizado o preparo da terra em Moçambique pode indicar que o sistema de cultivo dominante na época dos Bantus deveria ser provavelmente baseado no derrube e posterior queima da floresta, combinado em alguns locais livres da mosca tsé-tsé, com a criação de gado (como é no caso da Zona Sul de Moçambique). Nesta prática, as árvores são cortadas e deixadas para secar durante um período, após o qual, é realizada a queima. As cinzas resultantes desta, são uma fonte importante de elementos minerais, em especial potássio, que é importante para a fertilidade do solo (SITOE, 2008, p. 11.). Para a materialização dos seus intentos, os Bantus, na região de estudo, usavam ferramentas metálicas (principalmente a enxada e o machado) e a mão de obra era predominantemente familiar.

No que se refere ao domínio do ferro, MMO (2013) afirma que esta técnica teve sua importância na migração Bantu, uma vez que permitiu à população, fabricar instrumentos mais cortantes, resistentes e eficazes. Segundo a fonte supracitada, as evidências destes fenômenos em Moçambique, são reveladas em diversas estações arqueológicas tais como: Matola, Xai-Xai, Vilanculos (Chibuene, Bazaruto); Save (Hola-Hola), Bajone (Zambézia), Monapo, Mavita, Serra Maua (Niassa) e Monte Mitukui. A maior parte destas, são testemunhos de um conjunto populacional que escolheu às planícies costeiras para sua gradual

progressão, em relação ao Sul, atingindo a Baia do Maputo e Mpumalanga, na República da África do Sul (R.S.A), por volta dos anos 200 d. C.

Segundo Sitoe (2008), sabe-se pouco sobre as culturas praticadas neste período pelos Bantus. No entanto, indubitavelmente, a agricultura constituía a base da economia desta sociedade: cultivavam cereais, principalmente a mexoira5 (millet); criavam gado e fabricavam objetos de olaria, os quais eram trocados diretamente entre as famílias.

O sistema de cultivo utilizado era o sistema de derrubada-queimada com pousio de 4 a 5 anos. As áreas de encostas eram também utilizadas para a criação extensiva de animais (pastorícia). Após quatro ou cinco anos de cultivo, quando a fertilidade do solo diminuísse, a parcela cultivada era abandonada e deixada em pousio para permitir à sua recuperação. A produção agrícola realizada pelos Bantus era destinada em sua totalidade ao autoconsumo ou subsistência.

O acesso a terra era regulado com base em regras tradicionais/ consuetudinárias. No fim de cada colheita, cada família entregava um tributo à aristocracia dominante, o qual era constituído por uma parte das colheitas ou da criação (SITOE, 2008, p. 12). Além das atividades domésticas, a principal atividade das mulheres era realizar a agricultura, a coleta de frutos e raízes silvestres. Aos homens, cabia o abate e remoção das árvores para a implantação das lavouras, a caça, a pesca, a coleta de estacas, o corte e transporte de capim e outros materiais para a construção das habitações, bem como as atividades de pastoreio.

A partir de 1884/5, o vale do Limpopo é ocupado pelos portugueses em decorrência da Conferência de Berlim. A Conferência de Berlim teve como objetivo organizar e regulamentar a ocupação da África pelas potências coloniais. As divisões administrativas implementadas não respeitaram às relações étnicas, linguísticas, culturais e mesmo familiares dos povos desse continente. Devido a problemas financeiros, o governo colonial português arrendou às regiões do Norte e do Centro para as Companhias Majestáticas6, ficando com o

5 Mexoeira é o nome dado em Moçambique à espécie Pennisetum glaucum, um cereal nativo da África muito

importante na agricultura de subsistência, de grão pequeno, semelhante ao milho miúdo, cuja farinha é muito utilizada na alimentação do homem e dos animais domésticos. Em Angola é conhecido como massango, nome com a mesma raiz que mahangu, como é conhecido na Namíbia. No Brasil é conhecido de milheto, ou milheto- pérola.

6 São as grandes companhias que recebiam permissão de Sua Majestade: eram autorizados diretamente pelo rei

de Portugal a explorar as terras do seu domínio e a conceder terras às pequenas companhias (concessionárias). Aqui, a presença da burguesia portuguesa não se fazia sentir, pois elas tinham muito poder. Como Portugal tinha sido obrigado a proscrever o comércio de escravos em 1842 (apesar de fechar os olhos ao comércio clandestino) nas suas colônias e não tinha condições para administrar todo o seu território ultramarino, deu a algumas companhias poderes para instituir e cobrar impostos. Em Moçambique, em finais do século XIX, Portugal concedeu grandes fatias de terra a empresas privadas, como são os exemplos da Companhia de Moçambique e a Companhia do Niassa.

controle da região Sul, onde deram primazia à atividade agrícola e ao trabalho migratório através do fornecimento de mão de obra à vizinha África do Sul. A chegada dos portugueses na região dará assim, um grande impulso à atividade agrícola, com a adoção de novos instrumentos e meios de produção, e introduzindo a mercantilização da agricultura.