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AJUDANDO A CASSAR O P CB

Em 1 945, era visível a crescente i nfluência do Partido Comunista Brasileiro, prin­ cipalmente nos grandes centros urbanos. A campanha pel a anistia do l íder comunista Luís Carlos Prestes, e a participação deste nos comícios em prol da redemocra­ tização projetaram Prestes e Vargas como os principais l íderes populares. Prestes, que passara todo o período do Estado Novo atrás das grades, voltava à m i litância política para apoiara redemocratização do país encaminhada por Vargas. Juntamente com outras correntes populares, o PCB defendeu a tese de que a transição de­ mocrática, ao invés de tratar da substituição de Getúlio, deveria dar prioridade à feitura de uma nova Constituição. Essa postura cautelosa frente aos poderes cons­ tituídos refletiu-se, na prática, na defesa da "Constituinte com Getúlio". Expressava ainda a subordinação do partido à linha internacional de apoio aos esforços de "união nacional" nos países que se colocassem contra o nazi-fascismo.

A afinidade de posições entre comunistas e getul istas era apenas aparente. Para os comunistas, tratava-se de usar a figura do ditador como foco da propaganda antinazista e com isso fortalecer o papel do partido na política nacional. Para o queremismo, tratava-se de defender a ação e os planos do governo e pleitear sua continuidade. Getúlio deveria continuar governando, independentemente da forma de governo. O golpe de 29 de outubro representou assim uma derrota do que­ remismo e do PCB . Prestes chegou mesmo a sugerir a Vargas que reagisse ao golpe com armas. No seu entender, Vargas "não resistiu porque não quis", preferindo ficar ao lado de seus i nteresses de classe.55

As tensões entre os trabalhadores getulistas, reunidos no PTB , e os comunistas eram claras no que diz respeito à disputa pelo movimento sindical e pelo voto. Entre o fim do Estado Novo e a cassação do PCB, ambas as correntes disputaram avidamente posições no meio sindical, em meio a forte movimento grevista, que levou o governo Dutra a decretar nova lei de greves ( Decreto nº 9.070) e a proibir por um ano as eleições em todos os sindicatos do país.56

55 Moraes & Viana, 1 982: 1 1 1 . Sobre o PCB nesse período, ver também Pandolfi, 1 994.

56 Sobre as greves do período ver os estudos clássicos de Francisco Weffort, particularmente sua tese de livre docência ( 1 972).

No plano eleitoral, o PCB saiu das eleições de 1 945 como um grande partido nacional, tendo obtido 9% dos votos proporcionais e eleito 1 4 deputados e um senador. Além do PSD e da UDN, foi o único dos 1 2 partidos que apresentou candidatos em todos os estados. A exemplo de Vargas no PIB, Prestes também funcionou no PCB como um excelente "puxador de legenda". Elegeu-se senador pelo Distrito Federal, cargo pelo qual optou, e deputado federal por São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Distrito Federal.

Sem contar com benesses governamentais, os comunistas fizeram uma ban­ cada constituinte equivalente a 2/3 da bancada petebista. Depois de anos de clan­ destinidade, era visível o impulso do partido, quer do ponto de vista eleitoral, quer junto ao movimento operário. Nas eleições de 1 9 de j aneiro de 1 947 elegeu mais dois deputados federais - pela legenda do PSP - e 46 deputados estaduais, dis­ tribuídos por 1 5 estados. No Distrito Federal, fez a maior bancada na Câmara Mu­ nicipal, elegendo 1 8 vereadores. Segundo um jornalista e atento observador político, como resultado das eleições de 1 945 e 1 947, "comunistas recém-saídos dos cár­ ceres" sentaram-se ao lado de seus "implacáveis inimigos". Passaram a ser cha­ mados de "excelência" e a receber honrarias e continências reservadas às auto­ ridades. Alguns deles chegaram a ocupar cargos legislativos importantes, como a primeira secretaria da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Essa convivência, no entanto, não era facilmente assimilável pelas elites nacionais (Rocha, H., 1 98 1 : 1 0).

Desde o início de 1 946, pessoas ligadas a Vargas informavam-no constan­ temente sobre os avanços do comunismo na capital. Alguns, como José Soares Maciel Filho, justificavam, através de extensos relatórios, a conveniência de can­ celar o registro do PCB . Segundo essas apreciações, o PIB não possuía suficiente disciplina e organização para constituir uma alternativa viável, que impedisse os trabalhadores de emigrar para o comunismo.57 Entretanto, como em 1 935, foi ne­ cessário um fato concreto para incriminar judicialmente o partido. Prestes propiciou essa situação quando, ao ser várias vezes provocado, inclusive no Congresso, a respeito de que atitude tomaria frente a uma guerra entre Brasil e URSS, deu res­ postas que ofereciam provas de "impatriotismo". Foi com base nesse argumento que em março de 1 946 o advogado e ex-procurador do recém-extinto Tribunal de Segurança Nacional, H i malaia Virgulino, encaminhou ao TSE o pedido de can-

57 Ver, por exemplo, no Arquivo Getúlio Vargas, cartas e relatórios de José de Segadas Viana, Maciel Filho, André Garrazoni e Abelardo Mata ao titular: GV 46.0 1 .0017; GV 46.01 .00/ 1 4; GV 46.02. 1 7; GV 46.03.00.

celamento do registro do partido. A iniciativa foi apoiada pelo deputado petebista pelo Distrito Federal Barreto Pinto, e o jornal Brasil-Portugal, na ocasião o principal porta-voz do PIB, iniciou i mediatamente ampla campanha contra Prestes e o co­ munismo "apátrida", "fora-da-Iei" e "sanguinário".

Embora o PIB atuasse no Congresso, através de suas lideranças, contra a cassação do PCB, havia por parte de certos getulistas a convicção de que o medo do comunismo precisava aumentar para que o PIB pudesse crescer. Segundo Alzira, "enquanto este perigo não for bastante, eles (os petebistas) não obterão nem dinheiro para organizar o partido, nem apoio do governo para obter posições".58 Maciel Filho era categórico quanto à posição a ser adotada. O PIB deveria se colocar contra o PCB, e foi exa­ tamente com esse objetivo que aceitou integrar a direção nacional do partido.

Como lembra H i ldon Rocha, o processo de cassação foi articulado pelos ho­ mens do governo, principalmente pelo PSD, mas gradativamente os l iberais lhes deram as mãos num processo "contagiante de entorpecimento" (Rocha, 1 98 1 : 1 0). Quando o registro foi cancelado, em maio de 1 947, a surpresa ficou restrita ao próprio PCB . Vários comunistas, e mesmo Prestes, reconheceram terem subes­ timado essa possibilidade. A opinião de Prestes na ocasião era de que o movimento em favor da cassação partia de um "inexpressivo grupelho fascista" e não refletia as i nclinações da burguesia brasileira.59

Por três votos a dois, o TSE decidiu pelo cancelamento do registro do partido.

Iniciava-se aí nova polêmica, desta feita em torno dos mandatos dos comunistas, e coube ao PSD encaminhar a tese da cassação. A UDN fazia a defesa da liberdade partidária e de organização, mas, na prática, acabou em parte se alinhando ao PSD. O PIB não foi menos ambíguo. Suas lideranças na Câmara e no Senado, res­ pectivamente Gurgel do Amaral Valente e Salgado Filho, discursaram em defesa da legalidade dos mandatos dos comunistas, mas ao mesmo tempo deixavam claro os problemas que a ideologia comunista representava para a estabilidade das. ins­ tituições. Enfaticamente registravam que, ao contrário de outros partidos favoráveis à cassação, o PTB jamais fizera qualquer aliança com os comunistas. Uma aliança desse teor teria sido, na opinião de Salgado, uma traição aos trabalhadores.60

58 Correspondência de seu arquivo particular de 30-4- 1 946.

59 Gorender. 1 987:20; Basbaum, 1 976. Prestes reconhece a mesma falha em seu depoimento a Denis de Moraes e Francisco Viana ( 1982: 1 1 5 ).

60 Brasil-Portugal e Democracia, jul. 1 947.

Em 29 de outubro de 1 947, em segunda votação, o Senado aprovou a cassação dos mandatos, decisão ratificada na Câmara em 7 de janeiro çle 1 948. As sessões foram tensas. "No ardor do debate, foram sacadas armas - revólveres e punhais. [ ... ] Lembro-me do comunista Gregório Bezerra sacando o revólver enquanto o padre Arruda se coçava levantando a batina para pegar sua peixeira" (Franco, 1 965: 1 1 9). Em meio a um clima de paixões, a cassação foi aprovada por larga maioria de votos: 35 a 1 9 no Senado (num total de 63 senadores) e 1 69 a 74 na Câmara (num total de 304 deputados). A votação final na Câmara e no Senado foi uma demonstração da força dos partidos conservadores, particularmente o PSD, que destinou 70% dos votos de sua bancada a favor da cassação dos mandatos. A UDN se dividiu na votação. Também dividido, o PTB destinou menos da metade de seus votos contra a cassação.

A tabela 3 descreve o compoltamento dos partidos na Câmara acerca desse episódio. TA B E LA 3

DISTRIBUIÇÃO DOS VOTOS NA

CÂMARA