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A ESTRUTURA INTERNA DO PIB

Formalmente, a estrutura i nterna do PTB era similar à dos demais partidos do pós- 1 945, quando se instituíram os partidos políticos nacionais. Algumas diferenças, contudo, merecem exame, porque espelham o arcabouço legal pelo qual foi possível consolidar, antes e depois da morte de Getúl io, uma coalizão dirigente oligárquica e centraJizadora típica de partidos com o recorte do PTB.

Desde logo observa-se que o PTB não era, a exemplo do PSD e mesmo da UDN, um partido de corte federativo. Era, ao contrário, uma organização cen­ tralizada, quer da perspectiva formal, quer do ponto de vista de sua prática corrente. Isso fica demonstrado pelos dispositivos constantes em seus regulamentos, pela prática, sutil ou não, com que os dirigentes tentavam contornar os textos legais, pela forma como eram compostos os órgãos dirigentes do partido, responsáveis por todas as decisões importantes na agremiação, e, principalmente, pela ausência de regras explícitas sempre que se tratava de referendar interesses ou as ordens do chefe.

Embora os estatutos sejam o i nstrumento pelo qual se pode apreciar a or­ ganização i nterna de um partido, no caso do PTB há que fazer duas ressalvas. Em primeiro lugar, seus estatutos sofreram contínuas alterações. Em praticamente todas as 1 5 convenções nacionais que o PTB real i zou durante sua existência, foram aprovadas ou discutidas mudanças estatutárias. Em segundo lugar, na maioria das vezes em que uma decisão drástica precisou ser tomada pela cúpula partidária, ela o foi, mesmo que lhe faltasse amparo legal, modificando-se a seguir os estatutos para adequá-los à realidade partidária. Essa prática prevaleceu nos primeiros anos de vida do partido, e foi dominante nas relações que a direção nacional estabeleceu com algumas seções estaduais, notadamente São Paulo. Constava desses estatutos um conjunto de cláusulas que permitiram o estabelecimento de um comando fe­ chado, capaz de impor soluções ad hoc sempre que disputas i nternas ameaçassem as chefias estabelecidas. Esses dispositivos, na verdade, estimulavam a intolerância no trato dos membros que discordavam das orientações traçadas pelos dirigentes. Mais do que qualquer outro dos grandes partidos nacionais, o PTB caracterizou-

se pelo comando de uma coalizão dominante extremamente fechada e de corte nitidamente michelsiano ( Michels, 1 982).

A instância decisória máxima era a Convenção Nacional. Esta devia reunir­ se ordinariamente a cada três anos para a prestação de contas e a eleição dos mem­ bros do Diretório Nacional, seis meses antes das eleições presidenciais, no início de cada legislatura, ou a qualquer tempo, em convocação extraordinária. Na verdade, esse calendário nunca foi cumprido, e as 1 5 convenções foram quase sempre rea­ lizadas em situações emergenciais, para referendar alianças eleitorais ou resolver questões internas graves relativas a prazo de mandatos ou cisões.

O que chama a atenção no tocante à Convenção Nacional é sua composição. Era i ntegrada por delegados estaduais, em número de dois por estado ou território, indicados pelos diretórios regionais. Esses, por sua vez, tinham que ter sua com­ posição reconhecida pelo Diretório Nacional. Além disso, as credenciais dos de­ legados deviam ser examinadas caso a caso, quando instalada a Convenção. Isto é, só chegavam como delegados à Convenção Nacional aquelas pessoas efeti­ vamente da confiança da cúpula nacional do partido.

Em comparação com a UDN e o PSD, o centralismo do PTB era gritante. No caso da UDN, a Convenção Nacional, i mpreterivelmente realizada a cada dois anos, era composta pelos representantes do partido no Congresso Nacional, pelos delegados dos diretórios municipais (na razão de um para cada 5 mil votos obtidos pelo partido nas eleições federais) e ainda por um delegado de cada departamento especializado do partido. l OS O PSD era ainda mais generoso. Participavam da Con­ venção Nacional todos os parlamentares com assento no Congresso Nacional, os governadores eleitos pelo partido, a direção nacional e representantes de todos os municípios onde houvesse diretório organizado (com direito a um voto para cada 5 mil votos obtidos pela legenda no município na última eleição para a Câmara Federal). 1 06 Nas convenções pessedistas, portanto, reunÍam-se de 2 a 3 m i l pessoas, enquanto nas do PTB esse número nunca ultrapassou 50.

Grande parte dos estatutos cuidava exatamente de regulamentar e detalhar possíveis situações de litígio e formas de resolução. Mais de um terço dos quase 1 00 artigos dos estatutos do PTB - os da UDN tinham pouco mais de 40 - eram dedicados a pormenores relativos à renúncia ou à deposição de diretórios

105 Estatutos da UDN, 1 946 (FGV/CPDOC, Coleção Correio da Manhã); Benevides, 1 98 1 .

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Peixoto, E., 1 986; Oliveira, 1 973; Hippolito, 1 984.

municipais e regionais e à nomeação de comissões executivas provisórias. A os­ satura legal do ?TB revela, desde o início, um partido preparado para a aniquilação de facções internas. Não por acaso, foi, durante o período de 1 945 a 1 964, o partido que mais recorreu à Justiça Eleitoral. I 07

As bases do PTB às vezes se insurgiam contra essa estrutura fechada e ex­ cludente, mas ela se manteve intacta até mesmo nos anos 60, período de intensa mobilização partidária. Prevaleceu o controle da cúpula nacional, sobretudo na me­ dida em que o partido crescia e novas lideranças apareciam em cena, confirmando não só a rotinização como a dispersão do carisma.

A estruturação partidária determinava a organização em três níveis: o nacional, o regional ou estadual, o municipal, e, dentro deste, o distrital. Em todas essas instâncias existiam dispositivos destinados a permitir a ingerência da direção na­ cional. O Diretório Nacional (DN) reconhecia os diretórios regionais, mas podia também destituí-los. A par disso, cabia à Comissão Executiva Nacional (CEN), escolhida pelo DN, autorizar os acordos e alianças partidárias regionais, bem como indicar parte dos candidatos a cargos legislativos. A CEN também reconhecia os órgãos subordinados e deliberava sobre a prorrogação de mandatos de diretórios regionais. Cabia-lhe ainda designar direções regionais provisórias sempre que um diretório fosse dissolvido por iniciativa do DN ou por renúncia de metade de seus componentes.

Do ponto de vista da longevidade das chefias, o PSD estava mais próximo do ?TB. Em ambos tiveram longos mandatos pessoas ligadas a Vargas - Amaral Peixoto e João Goulart. No entanto, os dois partidos diferiam no tocante à dinâmica interna. O PSD, assim como a UDN, sempre esteve mais inclinado a respeitar as divergências dos grupos regionais e a resolver, via negociação, os problemas internos de gestão e disciplina. O ?TB, ao contrário, adotou uma forma inter­ vencionista e foi comandado por uma rígida cúpula nacional. Além disso, o ge­ tulismo o converteu em uma organização afeita ao culto da personalidade, fosse ela Getúlio, João Goulart ou Brizola. Centralização decisória, chefias pessoais e intolerância com os adversários internos são marcas de um partido de origem ca­ rismática e têm no ?TB um exemplo sofisticado.

107 Isso é facilmente constatado na massa de processos e decisões relativos ao PTB no acervo do TSE em Brasília. desproporcional mente maior que a dos outros partidos.