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Capítulo 1 – Investimentos Estrangeiros e suas Implicações

1.2. O Financiamento Estrangeiro (e a liberalização)

1.2.2. Ajudas Oficiais para o Desenvolvimento (AOD)

Esse tipo de financiamento estrangeiro é apenas uma espécie de um gênero maior de financiamento, conhecido como fluxos financeiros oficiais, que englobam desde ajuda para a exportação até ajuda para instituições governamentais independentes. A razão de estar sendo mencionado apenas o AOD, se deve ao fato de que essa forma de financiamento foi de grande importância para os países em desenvolvimento e, apesar de sua diminuição nos últimos tempos (SOUTH CENTRE, 1999), continua sendo um fator importante no financiamento externo para o desenvolvimento.

O AOD surgiu na forma que hoje se conhece, como parte dos esforços para reconstruir a Europa no período pós-Segunda Guerra, sendo, posteriormente, aplicado também aos países do Terceiro Mundo, como parte de uma política de desenvolvimento. Isso se tornava justificável, pois sempre foi reconhecido que países em desenvolvimento possuíam uma limitada capacidade financeira para fazer frente a dívidas, o que tornava a possibilidade de se emprestar de fontes comerciais (bancos, por exemplo) pouco producente, já que a vinculação financeira

seria maior que os benefícios decorrentes. Em se tratando de fontes privadas de empréstimo, a situação se tornaria um tanto mais sensível, já que normalmente essa forma de financiamento se dá em curto prazo e os objetivos que pautavam a carteira de desenvolvimento envolviam investimentos maciços em projetos de infra-estrutura, o que tornava essa opção inviável.

Além disso, o financiamento estrangeiro permitiria que os países em desenvolvimento (ou destruídos pela guerra) investissem mais do que poderiam fazê-lo, se contassem apenas com sua capacidade interna. Haveria também um aumento das reservas em moeda forte.

Menciona-se também (SOUTH CENTRE, 1999) que uma corrente de pensamento nascida nos anos da Grande Depressão31, trazia a idéia de que fluxos de capital para países em desenvolvimento também trariam o benefício de ajudar a sustentar altos níveis de atividade econômica e crescimento em países industrializados, quando esses eventualmente passassem por uma diminuição no consumo.

Além disso, no cenário da rivalidade Leste-Oeste ou Guerra Fria, verifica-se que os países em desenvolvimento possuíam uma importância relativa na decisão de ajudas financeiras e projetos de desenvolvimento por parte das potências da época. Mesmo que a razão para essa assistência econômica se desse em termos de uma vinculação do país receptor aos objetivos políticos dos doadores no contexto da guerra fria, essa influência dos países em desenvolvimento foi uma das razões que garantiu um acordo com os países industrializados, na década de 1970, que fixava uma meta de AOD em torno de 0,70% do Produto Interno Bruto (PIB) desses mesmos países industrializados.

Com o passar do tempo, e principalmente após o fim da Guerra Fria, a vinculação política dos programas de AOD, ao contrário do que se

31 Anos posteriores à crise de 1929 e que ainda refletiam as suas conseqüências, caracterizadas

esperava, continua atuando como fator central na decisão de alocação de recursos (SOUTH CENTRE, 1999). A AOD é direcionada a países com base na sua vinculação aos chamados programas estruturais, que na realidade são princípios e políticas do mercado livre, liberalização comercial e privatização32.

Observa-se, porém, uma queda importante nos níveis mundiais de AOD33, que era a principal forma de financiamento estrangeiro para os países em desenvolvimento. Neste sentido, em 1958, foi proposto que os países industrializados destinassem 1 por cento de seu PIB aos programas de AOD. Depois de anos de negociação, na década de 1970, ficou acordado que os países industrializados transfeririam para os países em desenvolvimento um patamar mínimo de 0,70% de seus PIBs, na forma de doações, empréstimos ou ajuda oficial a agências multilaterais.

Apesar desse acordo, que esperava um aumento na já decrescente taxa efetiva de transferência através de AOD, que em 1960 se situava em torno de 0,52% do PIB dos países industrializados, observou-se um decréscimo na porcentagem, que na década de 1970 já atingia 0,35%. Além disso, com o fim da Guerra Fria e o surgimento das esperanças de aumento nas taxas de AOD, face ao chamado “Dividendos da Paz34”, observou-se também uma diminuição nos níveis dessa modalidade de financiamento, além do fato de que os países em desenvolvimento agora competiam também com países em transição, oriundos do malfadado bloco socialista.

32 Nesse aspecto, os resultados das políticas de ajuda financeira são mensurados com base, não

em respeito ao crescimento, índice de desenvolvimento humano, nível de emprego e sim em relação ao sucesso na implantação das políticas relacionadas com os objetivos mencionados.

33 A importância do AOD em relação a outras formas de financiamento diz respeito

principalmente a alguns fatores, como: são vinculados a baixas taxas de juros, possuem grandes períodos de carência e prazos longos de pagamento. Além disso, estavam vinculados, pelo menos no início, a uma responsabilidade dos países industrializados para com o desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo (SOUTH CENTRE, 1999).

34 Dividendos da paz é um termo que procura significar as esperanças dos países em

desenvolvimento em relação ao aumento de financiamento por parte das grandes potências, já que estas, hipoteticamente, não contabilizariam mais os excessivos gastos com os aparatos militares impostos pela permanência da Guerra Fria.

Desta forma, e a despeito dos esforços em contrário, com o passar do tempo, verifica-se uma constante queda nos níveis de AOD, que caíram para 0,33% do PIB no período de 1986-1987, 0,30% em 1993 e 0,22% em 1997, o que indicam (SOUTH CENTRE, 1999) ser o menor percentual desde a criação desta forma de financiamento, na década de 195035. Essa queda, muito se deve a dois fatores: a) o aperto orçamentário que muitos países passaram pela década de 1980 e que fizeram com que os parlamentos nacionais se tornassem mais intransigentes com a liberação de AOD; b) e, o mais importante, a mudança de ideologia nas grandes economias que passavam a aplicar políticas baseadas no livre mercado e na liberalização da economia36.

Além disso, com o passar do tempo, os países desenvolvidos foram incluindo modalidades de “ajuda” a países em desenvolvimento, no cálculo final de AOD, que prejudicaram e muito a efetividade dessa forma de financiamento. Para os países industrializados, a assistência ao desenvolvimento inclui inúmeras novas categorias, que podem não corresponder com a necessidade dos países em desenvolvimento, como: suporte ao pagamento da dívida; promoção de exportações; ajuda alimentar37; cooperação técnica; contribuição a organizações não-

35 Ainda nesse sentido, o South Centre (1999) observa que a queda em AOD referente aos

países do G-7 é muito mais expressiva, já que países não componentes do G-7 respondem com o dobro da relação de seus PIBs no total. Correspondem a 28% das AODs mundiais.

36 Essa mudança de ideologia acarretou a difusão da crença que os países subdesenvolvidos

não sofriam de uma fraqueza estrutural ou estavam sendo prejudicados por um ambiente econômico externo desfavorável e sim, que o problema do Terceiro Mundo era as intervenções estatais no mercado, a rigidez de suas normas trabalhistas, as regulamentações estatais, etc. Caso os países em desenvolvimento se libertassem dessas doenças, os fluxos internacionais de capital privado resultante cumpririam o papel de financiar a acumulação desses Estados (SOUTH CENTRE, 1999).

37 South Centre (1999, p.31) indica que “ajuda alimentar também é incluída no cálculo de AOD.

Países da OCDE gastam mais de US$ 300 bilhões por ano com subsídios agrícolas o que resulta em uma produção excessiva de uma grande variedade de commodities. O estoque excedente de leite em pó, manteiga, carne, queijo, farinha, milho e outras commodities é destinado aos países em desenvolvimento, valoradas a preços de mercado e então incluídas como AOD quando reportadas à OCDE(...). Da perspectiva do país em desenvolvimento, entretanto, enquanto ajuda nas necessidades imediatas, a disposição de ajuda alimentar a longo prazo pode prejudicar a segurança alimentar desse país, pois derruba os preços da produção local e a desencoraja, destrói o sustento de parcelas importantes da população, dando margem à

governamentais (ONGs); assistência humanitária38; etc. Assim, a idéia original da AOD que era substancialmente prover capitais de longo termo para o desenvolvimento, sob termos favoráveis aos países em desenvolvimento, foi consideravelmente deturpada. Deste modo, verifica- se que, se forem retirados do valor total de AOD, todos os “adendos” efetuados pelos países industrializados ao longo do tempo, a porcentagem de ajuda propriamente dita, nos termos originais, fica em torno de 0,12% do PIB dos países desenvolvidos39 (SOUTH CENTRE, 1997).