DIVISÃO TERRITORIAL DO TRABALHO DAS EMPRESAS DE
Mapa 9. Número de operadores (2011) e crescimento percentual, 33 municípios
5.4 Ajuste espacial e as empresas de Contact Center na cidade de Santos (SP)
Anunciado como uma medida que visa beneficiar jovens de 18 a 29 anos, “faixa etária que apresenta os maiores índices de desemprego”, a prefeitura da
cidade de Santos lançou o programa “Call Santos ‐ Telemarketing e Serviços”31. A Lei para a instituição do programa foi aprovada pela Câmara Municipal em 23 de agosto de 2010, e consentiu incentivos fiscais às empresas de Contact Center por meio da redução progressiva da alíquota do ISS, de acordo com o número de empregos gerados32.
Segundo a Prefeitura, as isenções devem “compensar as empresas pelos investimentos com treinamento, capacitação, locomoção e benefícios sociais concedidos aos trabalhadores residentes em Santos”33. Como se vê, o discurso inverte a ordem dos favorecidos e a retórica faz parecer que a Lei beneficia “jovens e desempregados”, enquanto as empresas logram os louros dos incentivos e, contraditoriamente, são recebidas pela população com ares de esperança e quase gratidão pela decisão de se instalarem na cidade. É como se na “guerra entre os lugares”, a cidade de Santos tivesse sido eleita para se beneficiar com a presença de operações de Contact Centers, que irão trazer o “progresso e o desenvolvimento para seus habitantes”.
Em 2011, a cidade de Santos possuía mais de sete mil operadores de Contact Center e o crescimento percentual da categoria entre 2003 e 2011 foi superior a 2.000%, um dos maiores acréscimos registrados no país (MTE/CAGED, 2013).
A empresa Tivit foi a primeira operadora a se instalar na cidade. Em dezembro de 2010, a companhia abriu sua segunda maior unidade de operação no centro de Santos, com capacidade para 4.500 operadores. No discurso de inauguração, o presidente da Tivit ressaltou que Santos apresenta fortes perspectivas de crescimento para o setor em função do Pré‐Sal e do Parque Tecnológico, além de
31 www.santos.sp.gov.br
32 Para empresas com até 500 empregados, a alíquota do ISS é de 3%; entre 501 e 1.500 funcionários,
o valor cai para 2,75%; de 1.501 até 2.500, 2,50%; de 2.501 até 3.500, 2,25% e acima de 3.500 funcionários fica em 2%.
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dispor de infraestrutura adequada às teleoperações. Para ele, “a prefeitura de Santos apoiou com agilidade e pró‐atividade a criação da nova central, fornecendo dados sobre o município, auxiliando na escolha do imóvel e por meio de incentivos fiscais” (PREFEITURA DE SANTOS, 06/04/2011) 34. A empresa Atento também construiu um site de operações na cidade em 2011. Neste caso, a notícia foi divulgada pela empresa TRX Realty, multinacional do setor imobiliário e financeiro, que teve nesse projeto um dos seus negócios mais lucrativos35. Para a localização da nova unidade, não por acaso, foi escolhido também o centro da cidade, em decorrência do Programa Alegra Centro36, que tem como objetivo promover a “revitalização e o desenvolvimento da região central histórica de Santos”, isto é, a valorização imobiliária e a expulsão da população mais carente37.
Os projetos de “revitalização” das áreas centrais das cidades não se restringem à Santos, tampouco aos municípios brasileiros. Como enfatiza Smith (2007, p. 26), no atual capitalismo competitivo mundial, os Estados têm promovido uma verdadeira “gentrificação” 38 das áreas desvalorizadas das cidades, como a “reestruturação em larga escala das áreas centrais, pavimentando o caminho para investimentos futuros de capital”.
Como decorrência do Programa Alegra Centro, a área central da cidade de Santos passou a abrigar funções corporativas, financeiras e administrativas, recebendo enorme fluxo de trabalhadores. Ao mesmo tempo, a população local
34http://www.santos.sp.gov.br , acesso em 15/06/2011. 35 http://www.trx.com.br, acesso em 18/06/2011.
36 Para mais informações sobre o Programa Alegra Centro, consultar o sítio:
www.portal.santos.sp.gov.br/alegra.
37 Por meio de “incentivos aos empreendedores”, a Prefeitura passou a oferecer uma série de
isenções de tributos, como: isenção total do IPTU e de ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis), no caso de compra e venda do imóvel; e isenção do ISS ou do ISSQN, por cinco anos.
ficou exposta a toda sorte de especulação. A criação de novas infraestruturas sociais não acompanha os crescentes investimentos direcionados ao grande capital, fazendo com que a população local vivencie um aumento significativo do custo de vida, como: aluguéis, alimentação e transporte.
A reestruturação de determinadas áreas das cidades para atração de investimentos privados representa uma forma de “ajuste espacial”. A partir desta proposição teórica (spatial fix ou ajuste/arranjo espacial), Harvey (2006a) associa a produção do espaço como componente essencial na reprodução ampliada do capitalismo. Ao analisar tal proposição, Arrighi (2008, p. 226) afirma que o termo possui um significado literal e outro metafórico. “O significado literal da palavra fix chama a atenção para a dependência da acumulação de capital com relação à existência de um ambiente de instalações construídas com esse fim”. Nas operações de teleatendimento, assim como ocorreu na expansão para a cidade de Santos, os imóveis são projetados para abrigar grande número de trabalhadores e, sobretudo, para mobilizar enorme volume de dados.
Além de edifícios construídos para facilitar o controle de operações externas, dotados de flexibilidade para a instalação de infraestruturas para a transferência de grande quantidade de dados e informações, a disponibilidade de energia e de cabos de fibra ótica também constitui parte da ordenação ou “ajuste espacial” para o capital.
Os benefícios concedidos a partir da criação de leis de isenções e desonerações completam o sentido atribuído à proposição de Harvey. “O significado metafórico da palavra fix destaca a tendência da acumulação de capital bem‐ sucedida no estímulo incessante da redução e até eliminação das barreiras espaciais” (ARRIGHI, 2008, p. 226).
Novos espaços são incorporados ao processo de acumulação e uma nova normatização é empregada para adequar o lugar às regras da competitividade global. Tais políticas, ironicamente anunciadas como públicas, comprovam a redefinição da capacidade de ação dos agentes, e, sobretudo, as novas funções do Estado (PECK, 2004), que nas palavras de Smith (2001), abre o caminho para incursões do grande capital.