ALÉM DAS FRONTEIRAS: A REDE MUNDIAL DE CONTACT CENTER
Mapa 11. Número de empresas de Contact Center, países selecionados, 2013
6.3 Entre o interno e o externo: a inserção do Brasil no mercado mundial de
Contact Center
“A emergência de um gigante” foi a expressão atribuída ao Brasil pelo instituto de pesquisa norte‐americano Zagada, em relatório publicado em 200751. Com a maior estrutura de Contact Center da América Latina e um expressivo número de operadores de teleatendimento, o país estaria entre os eleitos pelas grandes corporações como base para a prestação de serviços offshore.
Entretanto, os dados revelam que menos de 3% das operações de teleatendimento realizadas no território brasileiro destinam‐se ao mercado externo (ABT/PUC‐SP, 2005). Do ponto de vista das empresas, as dificuldades para inserção do Brasil no mercado offshore seriam: os altos custos relativos de produção, como salários e os encargos trabalhistas; a falta de disponibilidade de trabalhadores fluentes em inglês; o rigor das leis trabalhistas; e o restrito apoio governamental.
Ao contrário do discurso das empresas, os custos com mão‐de‐obra nos Contact Centers brasileiros estão entre os mais baixos do mundo, mesmo assim, a regulamentação trabalhista é alvo de críticas por parte dos empresários que defendem maior capacidade de adaptação ao mercado. Enquanto no Brasil, as médias salariais estão em torno de US$ 3 mil anuais, nos Estados Unidos elas chegam a US$ 25 mil. Isso significa que seria possível contratar oito operadores no Brasil para cada operador nos Estados Unidos. Apenas Filipinas e Índia apresentam salários inferiores aos brasileiros.
A habilidade para a comunicação em inglês também está entre os fatores mais importantes para a viabilidade das operações offshore. Como o mercado norte‐ americano é o maior importador de serviços de teleatendimento, o domínio da língua inglesa é fundamental para a inserção de um país no mercado mundial.
Apesar da imprecisão dos dados sobre o número de pessoas que falam inglês no Brasil52, é possível afirmar que o país apresenta enorme desvantagem no que se refere ao idioma, especialmente quando comparado aos países polos de prestação de serviços offshore, como Índia e Filipinas. A Índia possui 22 línguas oficiais e mais de 840 dialetos. A colonização britânica teve importante influência na cultura indiana e determinou a obrigatoriedade do ensino de inglês nas escolas. O híndi e o inglês são as línguas utilizadas pelo governo indiano para fins oficiais, porém os negócios são realizados em inglês. De acordo com os dados publicados na revista The Economist (11/12/2003), a Índia “produz” cerca de dois milhões de graduados por ano, 80% deles fluentes em inglês. Segundo a reportagem, outro país “bem equipado” para concorrer com os indianos seria as Filipinas, com cerca de 300 mil recém‐formados por ano, todos anglófilos.
Se por um lado, a insuficiência de profissionais fluentes em inglês nos protege de uma inserção subordinada, como tem ocorrido na Índia e nas Filipinas, por outro lado, a pressão para a entrada do país no mercado internacional tem sido corporificada com o status de política pública.
A adaptação do currículo escolar às demandas corporativas parece não ser uma realidade que condena apenas os filipinos. As reformas propostas pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo53 compactuam com a ideia de que o ensino deve instrumentalizar o indivíduo apenas para sua inserção ao mercado de trabalho. Do mesmo modo, ao defender a urgência da internacionalização dos
52 Segundo pesquisa realizada pela empresa British Council em 2012, apenas 5% dos brasileiros
falavam inglês (O Globo, 30/09/2012).
53 Em fevereiro de 2013, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo anunciou a nova proposta
curricular que sugere excluir os conhecimentos de História, Geografia e Ciências do primeiro ao terceiro ano do ensino básico e manter apenas 10% dessas disciplinas no quarto e quinto anos. Com a nova proposta, as crianças de escolas públicas estaduais terão apenas aulas de Português e Matemática até o terceiro ano do ensino fundamental. A exclusão daquelas disciplinas do currículo parte do pressuposto de que as habilidades de leitura, escrita e cálculo estariam restritas às áreas de Português e Matemática.
Contact Centers brasileiros, Gião e Oliveira Júnior (2009, p. 125) propõem “a priorização do inglês em detrimento de outras disciplinas”, para que o país consiga se integrar melhor ao mercado mundial. Para os autores, o Brasil deveria ser um polo de atração superior à Índia. Para tanto, deveríamos dispor da “competência, criatividade e da flexibilidade de nossa mão‐de‐obra”.
Para grande parte da literatura conservadora e dos empresários brasileiros, a flexibilidade é uma virtude necessária à competitividade e à urgente “modernização” das relações de trabalho no território nacional. O suposto atraso e a rigidez da legislação trabalhista brasileira seriam responsáveis pela incapacidade do país se inserir no mercado global, rivalizando com os demais países denominados “emergentes”. Entretanto, o que temos visto é que a atual flexibilização do trabalho, recorrente nas operações de teleatendimento, tem destituído os direitos e as possibilidades de um futuro mais digno aos jovens operadores brasileiros.
A análise das potencialidades brasileiras para a inserção no mercado mundial de Contact Center impõe uma importante reflexão. De um lado estão aqueles que acreditam que a internacionalização abrirá portas para o mercado global e que essa integração é urgente e inevitável. De outro lado, há os que defendem que a inserção ao mercado global de Contact Center, assim como comprovado pela realidade de outros países subdesenvolvidos, traria uma contrapartida muito modesta à população brasileira.
Para Gião e Oliveira Júnior (2009, p. 126), o esforço para a adaptação da mão‐de‐obra através da capacitação do maior número de pessoas possível na língua inglesa é obrigatório e não seria perdido, já que os grandes eventos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, também seriam oportunidades de emprego e de inserção para esses trabalhadores. Para os autores, o país apenas poderá vislumbrar o mundo como “um mercado sem fronteiras a ser explorado” ao priorizar o ensino da
língua inglesa enquanto uma condição necessária para a exploração do mercado mundial (GIÃO e OLIVEIRA JÚNIOR, 2009, p. 124).
Já para Vainer (2007, p. 2), o país está submetido a “uma integração continental que, a cada momento, se mostra condenada a levar adiante apenas e simplesmente a criação de espaços mercantis adequados às novas escalas e dinâmicas espaciais dos capitais transnacionais”, o que torna urgente o debate acerca do território e de um projeto genuinamente nacional.