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ALÉM DOS RESULTADOS: COMO FAZER DO CONHECIMENTO UM CONTEÚDO PARA A MUDANÇA

PESQUISAS EM PSICOLOGIA NOS CONTEXTOS DE POBREZA: PARA QUE E PARA QUEM?

4 PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO DA PESQUISA

5 ALÉM DOS RESULTADOS: COMO FAZER DO CONHECIMENTO UM CONTEÚDO PARA A MUDANÇA

Martín Baró (2015, p. 457, tradução nossa) afi rma que, diante da urgência extremada evocada pelas situações concretas de vida da popu- lação, é preciso que se atente para o fato de que a busca por soluções não se atém a soluções abstratas, mas sim a um problema concreto, e “da realidade problemática à realidade solucionada, só há a mediação da práxis do homem, práxis que implica ação e refl exão, quer dizer, uma compreensão consciente e uma atividade crítica e fi nalista”3.

Neste estudo, entendemos que a busca pela resolução dos proble- mas concretos da vida em condições de pobreza requer que os resultados da pesquisa transponham os muros da universidade à qual está vincula- da, adentrando outros solos acadêmicos, a sociedade como um todo e os espaços de decisão política e de gestão de ações públicas. A pesquisa, en- tão, teve seus desdobramentos estruturados em três grandes dimensões: acadêmica, social e política. São dimensões intimamente entrelaçadas e que se fazem evidentes em contextos em que se pretenda uma produção científi ca relevante, capaz de exprimir os desafi os, as contradições e as problemáticas sociais dos grupos envolvidos (Figura 2).

3 No texto original: “La solución no es solución en abstracto, sino solución de un proble- ma concreto. Y de la realidad problemática a la realidad solucionada solo media la praxis del hombre, praxis que implica acción y refl exión, es decir, una comprensión consciente y una actividad crítica y fi nalista”.

Sob a dimensão acadêmica, destacamos a realização de palestras, publicações científi cas e participações em eventos tendo como temática as implicações psicossociais da pobreza. Diferentemente da publiciza- ção de materiais provenientes da análise meramente técnica dos conteú- dos obtidos nas etapas quantitativa e qualitativa, estas produções foram estruturadas a partir de uma refl exão crítica inclusive sobre como os participantes do estudo compreenderam os resultados com eles socia- lizados. Almejamos fazer do conhecimento produzido algo que fosse fi dedigno à realidade, evitando, como bem aponta Wolf (2009), as abs- trações estéreis que conduzem a um caminho contrário ao de uma práxis de libertação.

Embora a interiorização da Psicologia, enquanto prática profi ssio- nal e cenário de formação acadêmica, venha se constituindo como uma realidade ao longo dos últimos anos, (Macedo & Dimenstein, 2011),

Figura 2: Desdobramentos da Pesquisa

isso não quer dizer uma real ampliação no número de estudos que to- mam como cenário de análise as zonas rurais brasileiras e suas questões específi cas. Leite, Macêdo, Dimenstein e Dantas (2013) apontam que o meio rural “tem se convertido num espaço extremamente diversifi ca- do em seu modo de confi guração, passando a incorporar uma série de transformações a depender de contextos sociais, culturais e regionais, de modo a apreender novas ruralidades em curso” (p. 44). São diversidades que, uma vez tendo seu reconhecimento negligenciado pelos espaços de formação acadêmica e profi ssional, conduzirão a atuações distanciadas das necessidades das populações e limitadas em seu potencial de trans- formação da realidade.

Por conseguinte, a instrumentalização teórica e metodológica dos acadêmicos envolvidos é refl exo do desenvolvimento de todo o processo de pesquisa, bem como do aprofundamento das discussões envolvendo a temática da pobreza. Academicamente, o aperfeiçoamento do proces- so de investigação é uma prática permanente, integradora de questões técnicas e éticas. Afi nal, assim como expresso por Romagnoli e Paulon (2014), na pesquisa em psicologia, “[...] não se trata de busca da verdade, mas, ao contrário, justamente de perspectivar aquilo que aparece posto como verdade, criar outros mundos possíveis, sustentar outras dimen- sões, produzindo, para tanto, conhecimentos variados” (p. 28). Aperfei- çoar, aqui, adquire a conotação das variações de possibilidades que o próprio contexto de investigação passa a requerer. Se, em um primeiro momento, o desafi o esteve vinculado às questões que o próprio campo de pesquisa poderia anunciar, na atualidade, questionamos como, efeti- vamente, o conhecimento produzido poderá se converter em benefícios para a população através de processos de denúncia e divulgação de suas condições de vida.

A dimensão social, como desdobramento da pesquisa, integra a im- plementação de ações com base nas demandas apresentadas na inves- tigação, o aperfeiçoamento de ações de políticas públicas e a afi rmação pública do compromisso ético necessário ao trabalho em contextos de

pobreza. A efetivação de ações a partir do ato de investigar favoreceu a articulação necessária entre pesquisa e intervenção. A cooperação uni- versitária, proposta extensionista do NUCOM, defende a relação dialé- tica entre universidade e sociedade, teoria e prática. Com isso,

A sociedade colabora com a formação profi ssional e constrói o perfi l diferenciado do profi ssional. A realidade material torna a intervenção mais complexa, fazendo com que este profi ssional compreenda a ne- cessidade de outros elementos, além da compreensão teórica para in- tervir na sociedade (Ximenes, Nepomuceno & Moreira, 2008, p. 75).

A aproximação entre universidade e sociedade representa, então, a força motriz para o desenvolvimento de uma atuação que se propõe crítica, refl exiva e eticamente pautada no compromisso social e na des- naturalização dos fenômenos psicossociais, sobretudo aqueles relacio- nados à opressão e à estigmatização das populações. No contexto de estudo, foi observado, como dado de pesquisa, a recorrência de mulheres da zona rural em situação de sofrimento psíquico: elas choraram du- rante a aplicação dos questionários e relataram problemas que estavam passando. A partir disso, resolvemos convidar essas mulheres e outras para participarem de um grupo com encontros quinzenais aos sábados na Comunidade da Canafístula. O intuito era facilitar momentos de acolhida e compartilhamento das mulheres sobre suas vidas. Assim, um dado de pesquisa gerou um projeto de extensão, e este, por sua vez, gerou um dado de pesquisa.

A dimensão política está relacionada com o âmbito de aplicação dos conhecimentos produzidos e a sua capacidade de ser divulgado no espaço público (Montero, 2004). O trato à pobreza, no âmbito das polí- ticas públicas, requer a integração de conhecimentos de outros campos e a invenção de novos conhecimentos (Oliveira & Amorim, 2012). Nesse sentido, o aperfeiçoamento de ações de políticas públicas se dá à me- dida que os conhecimentos produzidos na investigação são discutidos com os profi ssionais dos serviços, segundo uma proposta de construção de novos saberes. Neste estudo, a etapa de devolutiva aos trabalhadores

da Assistência Social se deu por meio da apresentação e distribuição da Cartilha, com breve esclarecimento sobre a pesquisa, durante duas capacitações destinadas às equipes técnicas dos Centros de Referência de Assistência Social – CRAS do Ceará, organizadas pela Secretaria Estadual do Trabalho e do Desenvolvimento Social (STDS), em que falamos da pesquisa e distribuímos a Cartilha das Implicações Psicos- sociais da Pobreza. A participação nessas instâncias não é somente pela responsabilidade de dar um retorno à sociedade, mas também por ser um espaço de visibilidade política no sentido de dar um retorno aos ges- tores e aos profi ssionais das políticas públicas para que essas pesquisas possam contribuir no planejamento, execução e avaliação de suas ações. Além disso, consideramos importante que os resultados da pesquisa chegassem aos trabalhadores da Assistência Social, uma vez que estão à frente dos serviços de Proteção Social Básica da qual os usuários são, em sua maioria, pessoas em situação de pobreza.

A afi rmação pública do compromisso ético e político necessário ao trabalho em contextos de pobreza diz respeito à organização de mo- mentos coletivos para a publicização dos resultados da investigação. Um desafi o recorrente no cenário acadêmico é garantir o conhecimento so- bre suas pesquisas para a sociedade como um todo, de modo a integrar um número cada vez maior de pessoas nos espaços de discussão e socia- lização de informações. Mais que isto, é necessário que a população em geral se aproprie de seu poder de reivindicação e participação popular nos espaços de defi nição da agenda pública.

A Constituição Brasileira (1988) prevê o controle social e a parti- cipação popular como importantes pilares para a efetivação dos direitos sociais da população brasileira. Pensando nisto, a ocupação de espaços de participação popular que assegurem a visibilidade social das temáti- cas investigadas signifi ca estar presente de modo atuante nos cenários de controle social para o aperfeiçoamento de ações públicas estatais. Em nosso estudo, a proposição de uma Audiência Pública na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará com o tema “Mapa da Extrema Po-

breza em Fortaleza” representou uma importante ação promotora de visibilidade social para a temática discutida, incitando a participação da população como um todo e dos parlamentares de modo mais específi - co. Esse evento teve a participação de vários segmentos da sociedade e foi transmitido ao vivo pela TV Assembleia. Segundo César (2011), a audiência pública é um instrumento para garantia dos direitos difusos e coletivos da população. Tem como objetivos promover o diálogo entre atores sociais a fi m de buscar alternativas para a solução de problemas que contenham interesse público relevante e obter informações sobre fatos. A ideia é assegurar o diálogo social para a solução de confl itos envolvendo a coletividade.