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2 PESQUISA SOCIAL EM COMUNIDADES EM SITUAÇÃO DE POBREZA

PESQUISAS EM PSICOLOGIA NOS CONTEXTOS DE POBREZA: PARA QUE E PARA QUEM?

2 PESQUISA SOCIAL EM COMUNIDADES EM SITUAÇÃO DE POBREZA

a metodologia desenvolvida no contexto de uma pesquisa de natureza quantitativa e qualitativa, realizada em uma comunidade urbana e uma comunidade rural do Estado do Ceará (Brasil), que teve como intuito analisar as implicações psicossociais da pobreza na saúde comunitária dos moradores dessas localidades. Diante disso, destacamos o questio- namento sobre para que e para quem são as pesquisas em Psicologia, a partir do relato de uma pesquisa desenvolvida e de seus desdobramen- tos, que reforçam a importância da participação popular e da necessida- de de socialização dos resultados com os participantes.

2 PESQUISA SOCIAL EM COMUNIDADES EM SITUAÇÃO DE POBREZA

A pesquisa social nasce a partir de uma inquietação ou de um pro- blema que se relaciona com alguma questão social. Guzzo, Janiake, Sil- va Neto e Marçal (2013) problematizam a visão hegemônica de que a questão social foca somente na inclusão dos excluídos pelo sistema capitalista e, com isso, “encobre a contradição capital-trabalho, que traz a desigualdade e a exploração como condição inerente da sociedade ca- pitalista” (p. 155). É diante dessa contradição que o problema da pobreza aparece como uma questão social relevante da pesquisa social. A pobre- za faz parte dessa relação opressora que o sistema capitalista cria para sobreviver e possibilita o processo de desigualdade social que retrata a diferença entre ricos e pobres. Então, quais caminhos a pesquisa social aponta para o estudo da pobreza? De acordo com Góis (2008):

Atuar no contexto de vida da população pobre, vivenciando e bus- cando conhecer criticamente de modo sistemático sua realidade por dentro, além de fortalecer e criar relações culturais, sociais, econômi- cas e psicológicas saudáveis, facilitando o esforço de organização da população e de sua luta contra a opressão e exploração (p.186).

A pesquisa social exige uma mudança de paradigma que impõe exi- gências em nome da ciência, como o rigor científi co, a neutralidade e a distância entre pesquisador e pesquisado. A pesquisa social impulsiona e tensiona o processo de implicação do pesquisador, que tem que se po- sicionar diante do problema de estudo, no nosso caso, a pobreza. Diante da complexidade que envolve esse problema, faz-se necessário construir outros caminhos metodológicos que reconfi gurem as ditas exigências da ciência. Como se distanciar dos pesquisados quando a pesquisa é realizada dentro da casa destes? Como não se impactar com as vivências relatadas e com a realidade das pessoas pobres? Como não se questionar sobre a situação de opressão e de enfrentamento que a pobreza produz? Essas são exigências que a pesquisa social faz ao pesquisador. Concor- damos que esses outros caminhos metodológicos nas ciências sociais podem ser construídos com a queda dos sete mitos da ciência clássica apontados por Prieto (2003), assim como expresso na Figura 1.

Segundo Prieto (2003), no mito 1, há uma proposição do hetero- gêneo, do diferente e que não se pode limitar aos padrões pré-estabele- cidos. Ao relacioná-lo com as implicações psicossociais da pobreza, há percepções variadas sobre o que é a pobreza por parte dos participantes da pesquisa. O mito 2 afi rma a inclusão dos valores na pesquisa, con- tribuindo para os falsos objetivismos. A pesquisa da pobreza concorda com essa premissa já que os valores dos pesquisadores e dos pesquisados interagem no processo de contato com o problema de pesquisa. É a vivência com essa realidade que toca os sujeitos, independente dos seus papéis no processo de pesquisar. No mito 3, o autor apresenta a neces- sidade de “um olhar para o social como sistema” (Prieto, 2003, p. 175). Então, o problema da pobreza não pode ser visto somente a partir de

uma visão unidimensional e sim sob um olhar multidimensional, que integra todo um sistema formado de aspectos monetário, educacional, de saúde, habitacional, nutricional e subjetivo (Moura Jr., Cidade, Xi- menes & Sarriera, 2014).

No mito 4, Prieto (2003) ressalta que a separação entre sujeito e objeto propicia uma realidade externalizada, sem levar em conta que a subjetividade é produtora da realidade. Não é possível essa separação tendo em vista que eles são construídos na relação e, principalmente, quando se pesquisa o problema social da pobreza. O mito 5 rompe com os processos de naturalização que são construídos por diversas visões no fazer de uma pesquisa. No caso da pobreza, irá desconstruir as visões de naturalização dos processos históricos e de culpabilização dos pobres por sua situação (Siqueira, 2013).

Figura 1: Mitos da Ciência Clássica

Para Prieto (2003), no mito 6 há a afi rmação de uma visão com- plexa que busca a recuperação dos nexos simultâneos presentes nos pro- blemas sociais. A visão multidimensional da pobreza proposta por Sen (2000) propõe a necessidade de conexões entre várias dimensões a fi m de compreender o problema da pobreza. No mito 7, o autor aponta “a suposição de refl exividade e a condição de valores, como elementos da racionalidade científi ca” (Prieto, 2003, p. 176) e enfatiza a não necessi- dade de hierarquizar os diversos tipos de conhecimentos como científi - cos, artísticos, da experiência prática, mas sim buscar relações horizon- tais que se complementam. Então, é na diversidade dos conhecimentos que o estudo da pobreza precisa alicerçar suas bases, os conhecimentos científi co e popular se complementam e geram um novo conhecimento (Ximenes, 2014).

Vivenciamos a quebra desses mitos quando resolvemos fazer pes- quisa comprometida com a transformação social da realidade de opres- são presente em muitas comunidades urbanas e rurais marcadas pela pobreza e extrema pobreza. Diante dessa necessidade de adentrar essas comunidades é que utilizamos o conceito de comunidade forjado na Psicologia Comunitária, que a concebe além de uma dimensão física atribuída por características geográfi cas. A comunidade, segundo Góis (2005), “[...] possui dimensão sócio-psicológica que implica a existência, nesse espaço físico, de uma rede de interação sócio- psicológica e iden- tidade social de lugar” (p.61). A Psicologia Comunitária (Góis, 2005) tem como foco o desenvolvimento do sujeito comunitário mediado por atividades comunitárias que propiciam o sentimento de pertença física e afetividade dos moradores e moradoras com a sua comunidade. A es- colha por trabalhar em comunidades em situação de pobreza ratifi ca o compromisso com a libertação e parte da premissa de que é preciso dar visibilidade aos processos de opressão, exclusão e estigmatização viven- ciados nesses contextos, como também às potencialidades e as formas de enfrentamento desenvolvidas pelos sujeitos. Diante desse desafi o, a

Psicologia Comunitária precisa reinventar formas de pesquisar que res- paldem esse tipo de premissa.