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O albinismo por si só não caracteriza deficiência; mas, “já existem vários nas empresas”

3 A NOÇÃO DE IGUALDADE DE OPORTUNIDADES E DISCRIMINAÇÃO CONTRA A PESSOA COM DEFICIÊNCIA PARA O PBGR

4 A NOÇÃO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA POLÍTICA DE COTAS EM SÃO LUÍS: A VISÃO DE SEUS DIVERSOS SUJEITOS

4.5 O albinismo por si só não caracteriza deficiência; mas, “já existem vários nas empresas”

Abordo, neste tópico, a relação de pertinência da pessoa com albinismo à definição legal de “pessoa portadora de deficiência” nos termos dos Decretos Federais nº 3.298/99 e nº 5.296/04, bem como à noção de pessoa com deficiência efetivamente válida para a política de cotas nas empresas em São Luís do Maranhão. Entendo por “albinismo” a definição ofertada no próprio projeto de Lei Federal nº 3.638, de 2004, que visava a inclusão dos “portadores do albinismo”144 na definição legal de “pessoa portadora de deficiência” para fins de inserção no mercado de trabalho:

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PROJETO DE LEI Nº 3.638, DE 2004 Autor: Deputado PASTOR PEDRO RIBEIRO Relator: Deputado MEDEIROS

II - VOTO DO RELATOR

Albinismo é uma hipopigmentação congênita decorrente de um bloqueio incurável da síntese de melanina, que ao afetar os olhos, produzindo sua movimentação involuntária, reduz a acuidade visual, provoca estrabismo, fotofobia, perda da percepção de profundidade, acarretando deficiência visual de grau moderado a sério. Ao afetar a pele, provoca grande susceptibilidade ao câncer de pele (PROJETO DE LEI Nº. 3.638, 2004, grifo nosso).

A análise desta questão específica no contexto local já parte da informação concedida pela DRT-MA de que as pessoas com albinismo estão sendo incluídas nas vagas reservadas nas grandes empresas nos termos do art. 93 da Lei Federal nº 8.213/91, ou seja, nas vagas destinadas às pessoas com deficiência. Esta prática aponta em sentido contrário à decisão do CONADE, pois segundo o entendimento deste, enquanto essas pessoas não desenvolverem as seqüelas mais graves em razão do albinismo não poderiam clinicamente ser consideradas “pessoas portadoras de deficiência” nos termos da literalidade do Decreto Federal nº 3.298/1999 e do Decreto Federal nº 5.296/04.

Consigno que no contexto local, entretanto, o entendimento do CONADE não prevalece para a política de cotas nas empresas, pois a DRT-MA possui entendimento diferente e extensivo de direitos a este grupo de pessoas. Neste sentido, destaco as declarações da auditora da DRT:

[...] dos albinos e das pessoas que possuem graves deformidades estéticas, elas não são deficientes. Eu não acho justo elas ficarem de fora. Elas são tão discriminadas quanto os outros na hora de procurar um emprego, já existem vários nas empresas [...]. (Informação verbal, grifo nosso)145.

Com base nas entrevistas com as auditoras da DRT e com as pessoas com deficiência pertencentes a ONGs e aos Conselhos Municipal e Estadual da Pessoa Portadora de Deficiência percebi a necessidade de observar, mesmo que de forma pontual, o cenário nacional acerca do debate sobre a inclusão da pessoa

com albinismo na definição legal de pessoa com deficiência, pois os discursos

apontaram uma ressonância destes no contexto local, principalmente em relação à

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decisão da DRT-MA. Neste sentido, destaco que, de acordo com o presidente do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência, Dylson Bessa,

Teve um encontro recente agora em Brasília, os albinos só não foram incluídos agora na relação que vai pra CORDE porque quem iria fazer a defesa não compareceu, e a CORDE “deu para trás”, dizendo que o CONADE falou que “albinismo não é deficiência”; [...] o CONADE está com uma postura muito complicada, é preciso ter representantes dos movimentos lá dentro [do CONADE], tem muito burocrata de plantão, eles não querem discutir com os movimentos, querem decidir tudo só entre eles [...] (informação verbal).

A expressão “a CORDE deu para trás” utilizada pelo presidente do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência fez referência a uma decisão do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência – CONADE. Este deliberou na XLII Reunião Ordinária, realizada no Ministério da Justiça no dia 06 de julho de 2005, ao emitir parecer técnico sobre o projeto de Lei nº 3638/2004146 que visava assegurar às pessoas portadoras de albinismo o exercício de direitos básicos nas áreas de educação, saúde e trabalho, que o Albinismo por si só não caracteriza deficiência:

13) Processo: Conselheiro Mauro Pena - Proposta da Comissão: parecer contrário ao projeto de lei que inclui o albinismo como deficiência para os efeitos legais. Comissão entende que o albinismo por si só não caracteriza deficiência. Deliberação do Plenário: APROVADO. (PROCESSO nº. 002/2005, Ofício GS/nº. 103 referente ao PL nº. 3638/2004, do Deputado Pastor Pedro Ribeiro Relator):

Compreendo, com base na análise da fundamentação da decisão do CONADE, que este manteve a forte tradição do binômio “médico e jurídico”, o que favorece um entendimento estático acerca da noção de pessoa com deficiência, principalmente por não levar em consideração a dinâmica da sociedade e da resolução dos seus conflitos entre os diversos sujeitos. Compreendo que a simples adoção da postura clínica para decidir sobre a definição legal de pessoa com

deficiência (principalmente “deficiência visual”) aponta para um possível reforço a

política de Estado de ignorar (desconhecer) as graves seqüelas de saúde e, principalmente, a grande dificuldade de integração social em razão da discriminação

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O Projeto de Lei nº 3638/2004 é de autoria do Deputado Federal Pastor Pedro Ribeiro. O parecer do CONADE é obrigatório por força de lei, pois trata de tema referente aos direitos da pessoa com deficiência.

dos empregadores, pois o silêncio a este respeito na fundamentação pode ser um indicativo de ausência de políticas publicas que incluam este grupo específico:

Consideramos que pessoas com deficiência visual são aquelas enquadradas no art. 4º do Decreto 3298/99 com as alterações trazidas pelo Decreto 5296/04, ou seja, o cego e o com baixa visão, e que o albinismo por si só nem sempre leva a pessoa a perda visual que o torne com deficiência. Aqueles albinos que chegarem à cegueira ou perda visual conforme configurado no art. 4º do decreto supracitado já se enquadrarão no conceito de deficiência para os benefícios da lei. Com relação aos aspectos relativos às alterações de pele por conta da hiperpigmentação decorrente de bloqueio da síntese de melanina, estes devem e podem ser acompanhados, como outras alterações genéticas, nos ambulatórios do SUS, no caso especificamente o de Dermatologia, não cabendo portanto projeto de lei específico para inclusão em parágrafos específicos no Decreto 5296/2004, e nem no Decreto 3298/99, já que o albinismo não está enquadrado como categoria de deficiência na legislação de regência. Expeça-se ofício ao autor e relator do projeto de lei em questão (CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA, 2007, grifo nosso).

A pesquisa permitiu identificar que esta decisão formal do CONADE encontra na prática social local uma grande dificuldade de acolhimento pela DRT- MA. Provavelmente, pelo fato do CONADE ignorar a dinâmica social local e os diversos interesses dos sujeitos envolvidos na política de cotas. Assim, é possível perceber que existe uma surpreendente e flagrante diferenciação de decisões do CONADE e prática da DRT-MA sobre se a pessoa com albinismo deve ou não ser considerada como pessoa portadora de deficiência nos termos legais. Esta contradição ganha uma importância maior pelo fato de tratar-se de dois órgãos públicos importantíssimos para a política de cotas, ou seja, o CONADE e a DRT-MA. A divergência percebida entre o CONADE e a DRT-MA em relação à noção legal de pessoa com deficiência obrigou ao aprofundamento (inesperado) deste ponto na pesquisa. Neste sentido, foi importante identificar algumas informações que pudessem favorecer a reconstituição dos principais passos deste processo de decisão do CONADE e as divergências de entendimento acerca do assunto entre os sujeitos responsáveis pela formulação do texto legal.

Assim, verifiquei que a Comissão de Trabalho, de Administração e

Serviços Públicos da Câmara dos Deputados aprovou em 2004 o voto do relator

com o parecer “favorável” para o projeto de Lei nº 3.638 que visava assegurar às “pessoas portadoras de albinismo” o exercício de direitos básicos nas áreas de educação, saúde e trabalho. Desse processo, pode-se extrair os seguintes termos:

COMISSÃO DE TRABALHO, DE ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇO PÚBLICO PROJETO DE LEI Nº 3.638, DE 2004

Autor: Deputado PASTOR PEDRO RIBEIRO Relator: Deputado MEDEIROS

I - RELATÓRIO [...]

No tocante ao trabalho, os portadores do albinismo terão assegurados a intermediação para sua inserção no mercado de trabalho, utilizando sistemas de apoio especial ou de colocação seletiva; [...]

II - VOTO DO RELATOR

Albinismo é uma hipopigmentação congênita decorrente de um bloqueio incurável da síntese de melanina, que ao afetar os olhos, produzindo sua movimentação involuntária, reduz a acuidade visual, provoca estrabismo, fotofobia, perda da percepção de profundidade, acarretando deficiência visual de grau moderado a sério. Ao afetar a pele, provoca grande susceptibilidade ao câncer de pele.

Nada temos a opor ao projeto. A implementação das medidas propostas é a resposta que se aguarda ante às exigências formuladas pelos arts. 7º, XXXI; 23, II; 203, IV; 208, III; e 227, inciso II do § 1º da Constituição Federal. (COMISSÃO DE TRABALHO, DE ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇO PÚBLICO, RELATÓRIO DO PL Nº 3.638/2004, grifo nosso).

As reflexões expostas sobre o conteúdo dos documentos oficiais analisados permitem apontar a existência de divergências entre os próprios representantes do Estado que são responsáveis pelo processo legislativo. É neste sentido que acredito que acontecerá uma nova rodada de discussão deste ponto no debate acerca do Estatuto da Pessoa com Deficiência, pois este segue uma orientação mais adequada à Política Nacional de Direitos Humanos e à nova Convenção da ONU.

Assim, é possível, em uma primeira leitura da decisão do CONADE e do Decreto nº 3.298/1999, sem a necessária consideração das convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho, de que o Brasil é signatário, especialmente as nº 111 e 159 da OIT, concluir, equivocadamente, que as pessoas com albinismo não poderiam estar, em hipótese alguma, enquadradas na noção legal de pessoa com deficiência para efeitos das cotas.

Registro que tentei fazer uma abordagem sobre “as pessoas com albinismo em São Luís”, e utilizei por duas vezes a técnica bola de neve com as pessoas entrevistadas, porém sem sucesso no aprofundamento via telefone147

. Assim, dentre as informações que recebi, destaco:

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Solicitei à pessoa com albinismo (“F”) que me concedesse uma entrevista para fins de subsidiar esta dissertação. Porém, este negou enfaticamente. Declarou que não gostaria de se expor novamente, pois já havia feito isto antes para duas estudantes da faculdade CEST. Segundo “F”, elas