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Pessoa com ostomia: “[ ] você tem certeza que eu sou pessoa portadora de deficiência [física]?

3 A NOÇÃO DE IGUALDADE DE OPORTUNIDADES E DISCRIMINAÇÃO CONTRA A PESSOA COM DEFICIÊNCIA PARA O PBGR

4 A NOÇÃO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA POLÍTICA DE COTAS EM SÃO LUÍS: A VISÃO DE SEUS DIVERSOS SUJEITOS

4.2 Pessoa com ostomia: “[ ] você tem certeza que eu sou pessoa portadora de deficiência [física]?

A Ostomia é um procedimento cirúrgico que consiste na desconexão de

algum trecho do tubo digestivo, do aparelho respiratório, urinário, ou outro qualquer, estabelecendo uma ligação através de um tubo que vai da parte preservada interna ao orifício externo (estoma) (OSTOMIA, 2007).

Em regra, o procedimento da ostomia é realizado nos pacientes que apresentam graves dificuldades respiratórias (traqueostomia) ou em casos de câncer do intestino, ou em casos em que o intestino ou reto necessitam ser em parte ou totalmente extraídos. As pessoas que fazem a ostomia no intestino possuem a necessidade de fazer uso de uma bolsa de colostomia para o recolhimento das fezes.

Cada tipo de ostomia exige do paciente, de forma permanente, cuidados e tratamentos especiais. Em relação à nomeclatura, a ostomia pode ser configurada de diferentes formas, pois “Conforme o local onde foi feito a ostomia dá-se um nome diferente, iniciado pelo nome do local e seguido de "ostomia" . Exemplos:

ƒ Traqueostomia (traquéia)

ƒ Esofagostomia (esofagectomia) ƒ Gastrostomia (estômago)

ƒ Duodenostomia (duodeno)

ƒ Jejunostomia (jejuno, metade inicial do intestino delgado) ƒ Ileostomia (íleo, metade distal do intestino delgado) ƒ Cecostomia (ceco)

ƒ Transversostomia (cólon transverso) ƒ Sigmoidostomia (sigmóide)

ƒ Ureterostomia (ureter)

ƒ Colecistostomia (vesícula biliar) ƒ Cistostomia (bexiga urinária) ƒ Pleurostomia (cavidade pleural)

Ao iniciar a abordagem acerca da noção de pessoa com deficiência física sob a forma de ostomia, pensei tratar-se de mais um tipo de deficiência em que estaria resolvida a questão de pertencimento à definição legal para a política de cotas nas empresas. Tal raciocínio nasceu por inicialmente pensar que bastaria consultar a redação do Decreto nº 3.298/1999, atualizada pelo Decreto nº 5.296/2004, e verificar se esta estaria inclusa. Destarte, constatei que a ostomia está caracterizada na definição legal de “pessoa portadora de deficiência física”:

Art. 3º Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções; [...] (BRASIL. 2001a, grifo nosso).

Porém, a minha surpresa consistiu em perceber que a totalidade das

pessoas com deficiência entrevistadas, bem como todos os três empregadores

consultados131 especificamente sobre este assunto, declararam desconhecer o fato da ostomia estar caracterizada como deficiência física para efeito da política de cotas.

O presidente do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa

Portadora de Deficiência, Dylson Bessa, que também é um dos coordenadores do Fórum de Entidades, proferiu o seguinte comentário acerca da noção de pessoa

com deficiência sob a forma de ostomia:

Eu sabia que a pessoa com ostomia havia sido incluída como pessoa com deficiência na alteração de 2004, mas eu não tinha me tocado para as conseqüências disso, eu tenho certeza que isso tem passado em branco pra todo o movimento [...], [...] eu tenho certeza que eles também não sabem que podem ter esses direitos, se não, já teriam procurado a gente e a DRT, e eu acho que a DRT poderia ter alertado a gente [...]”. (informação verbal, grifo nosso)

Ao desenvolver a pesquisa, percebi a necessidade de checar algumas das informações junto às pessoas com ostomia em São Luís acerca de sua própria

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Esta consulta pontual aos empregadores foi feita via telefone, pois já havia encerrado as entrevistas com os empregadores, mas tive a necessidade de averiguar diretamente.

inserção na “definição legal” de “pessoa com deficiência”. Assim, efetuei a consulta a três pessoas com ostomia. Uma das pessoas consultadas pontualmente teceu o seguinte relato:

Eu pensava que a gente estava incluído como patológico, sempre foi assim desde o começo, eu realmente não sabia que podia ser incluída na cota para trabalhar, nós sempre pensamos que éramos patológicos, eu tinha ouvido falar nesta alteração da lei, mas não sabia que ela podia dar esse direito, você tem certeza que eu sou pessoa portadora de deficiência? então por que até hoje, ‘ninguém’ avisou nada pra gente? [...] você tem certeza? (informação verbal, grifo nosso).

A desinformação a respeito da possibilidade de inclusão da pessoa com ostomia nas vagas reservadas por força da Lei nº 8.213/91 foi verificada, também, entre os representantes dos empregadores. Estes manifestaram um grande desconhecimento acerca dos tipos de ostomia. Segundo o representante de uma empresa que contrata pessoas com deficiência:

Não, eu não sabia que isso era deficiência física, eu acho até bom ficar sabendo, pois é mais uma alternativa pra gente poder selecionar as pessoas, e eu acredito que é possível nós encontrarmos com mais facilidade pessoas com escolaridade [...], [...] e como eles não têm problema de locomoção eu acho que eles vão ter mais facilidade [...] se a DRT aceitar eu acho que é plenamente viável [...]; eu acho mais fácil incluir essas pessoas que os cegos, surdos e cadeirantes, sem dúvida ” (informação verbal, grifo nosso).

As três consultas realizadas com as pessoas ostomizadas também serviram para apontar que as pessoas com deficiência física sob a forma de “ostomia” em São Luís provavelmente não sabem da possibilidade de pleitear as vagas reservadas nas empresas em razão da política de cotas. A possibilidade de inclusão nas vagas reservadas é uma conseqüência jurídica imediata por força da sua inclusão na definição legal nos termos do Decreto nº 3.298/1999.

Destaco, assim, um trecho de uma das consultas a uma pessoa não participante de ONG e que realizou ostomia, que ao saber da sua condição de pessoa com deficiência começa a realizar insistentemente uma série de perguntas sobre os seus direitos: “[...] se a lei diz que eu virei deficiente pra conseguir um emprego que dizer que eu virei deficiente também pro passe livre, não é? Por que

será então que os vereadores negaram o passe livre pra gente dizendo que a gente não era deficiente? [...] (informação verbal)132.

Assim, de forma inusitada foi possível verificar uma curiosa especificidade local. Consiste em que a pessoa com ostomia, embora seja legalmente considerada “pessoa portadora de deficiência física” nos termos da legislação vigente, não está sendo efetivamente incluída na noção de pessoa com deficiência efetivamente válida. É possível inferir deste fato que a simples pertinência de um grupo de pessoas à definição legal de pessoa com deficiência não é o suficiente para que haja, automaticamente, a contemplação na noção efetivamente válida para as práticas locais, ou seja, para a real inclusão destas nas empresas.

Este fato permite inferir que as respostas ofertadas pela DRT-MA dentro da política de cotas local guardam simetria com as pressões realizadas pelas ONGs, pois como não houve reivindicação, não houve ação no sentido de inclusão.133

Neste caso, aponto que a incompreensão das pessoas com deficiência participantes de ONGs e de Conselhos sobre as conseqüências da inclusão da ostomia como deficiência física contribuiu para a ausência de pressão para a inclusão destas nas vagas reservadas nas empresas. Compreendo que isto resultou em postura de inércia de ações por parte dos órgãos responsáveis.

A pesquisa permite apontar que a alteração da definição legal de pessoa com deficiência física ocorrida no Decreto Federal nº 3.298, por força do Decreto Federal nº 5.296/04, que incluiu a pessoa com nanismo, ocorreu, provavelmente, muito mais em decorrência de possíveis pressões de ONGs com atuação nacional junto à CORDE e ao CONADE. Percebo que foi relevante o fato das DRTs dos estados adotarem a interpretação inclusiva em relação às pessoas com nanismo, conforme declarado pelas representantes da DRT-MA.

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Projeto de lei municipal que pretendia conceder a gratuidade do transporte coletivo às pessoas com ostomia em São Luís tramitou na Câmara Municipal antes da vigência do Decreto Federal nº 5.296 de 2 de dezembro de 2004. Em consulta realizada à Secretaria Municipal de Transportes Urbanos – SEMTUR, obtive do servidor público Manoel Cruz a declaração de que a pessoa com ostomia é considerada pessoa com deficiência e está contemplada entre as pessoas que podem usufruir da gratuidade no transporte coletivo municipal. Informou que a Prefeitura dispõe de servidores orientados para esclarecer os passageiros sobre os seus direitos, bastando comparecer ao Terminal da Integração da Praia Grande para maiores informações.

133

Varias pessoas participantes do Fórum entrevistadas declararam que as pessoas com ostomia dificilmente participam das discussões do Fórum de Entidades. Estes se interessam mais quando o assunto é relativo a política de saúde.

4.3 Visão monocular: “se eu furar o meu outro olho eles vão me dar o