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2. HISTÓRIA DAS EDITORAS UNIVERSITÁRIAS

2.2 Editoras universitárias estrangeiras – um registro internacional da história da editoração

2.2.3 Alemanha – o berço da tipografia

A Alemanha é o berço da tipografia e seu inventor13 foi Johannes Gutenberg. Foi lá que nasceu a impressão em tipos móveis, por volta de 1440, e os livros abandonaram o sistema de

pecia, técnica de cópia de textos à mão, para a utilização de placas de madeira e um sistema

manual em que dois ou mais impressores imprimiam um lado da página de cada vez, em uma prensa (PORTER, 1993, p. 216).

No entanto, de acordo com Braut (2011, p. 17), apesar da invenção da imprensa com tipos móveis, o sistema de pecia ainda continuou por um tempo, principalmente porque, no começo, os livros impressos eram caros e muitos dos materiais das universidades naquele período eram folhetos simples.

Segundo Steinberg (2017), durante os 100 primeiros anos que se seguiram ao invento de Gutenberg, Nuremberg foi a principal cidade alemã relacionada ao trabalho de impressão. Tal fato se deveu à sua política liberal, que a fez alcançar a posição de centro comercial europeu da época, o que acabou atraindo várias indústrias, além de comerciantes e banqueiros. Para se ter ideia da importância econômica do novo ofício que começava, um impressor chamado Anton Koberger (1445-1513) teve 24 imprensas e empregou cerca de 100 profissionais ligados ao ramo.

13 Segundo Bringhurst (2005), a impressão com tipos móveis foi inventada na China, por volta de 1040, por um sábio engenheiro chamado Bí Sheng. Essa tecnologia teria chegado à Europa em 1450, onde encontrou terreno fértil para prosperar.

Rautenberg (2017) cita que, logo após a invenção de Gutenberg, apareceram na Alemanha casas publicadoras que imprimiam de tudo um pouco, mas nenhuma especializada em publicações científicas. Tal mudança ocorreu apenas na segunda metade do século XIX, quando surgiu a “editora de faculdade ou universitária”:

Esse tipo de editor adequava a orientação de seu programa ao perfil da universidade ou aos interesses das instituições científicas, dentro da cidade universitária onde estava localizado [...] a proximidade com a universidade moldava o programa. A casa publicadora era administrada como um negócio comercial, independente (RAUTENBERG, 2017, p. 52).

Braut (2011) relata o impacto que foi a criação da tipografia na vida universitária:

Imediatamente, os tipógrafos entendem a importância do mercado universitário, um mercado muito grande, com uma demanda contínua, que exige produtos esteticamente simples. A imprensa parece ser a resposta para muitas das alegações do mercado universitário: todos os mesmos exemplares, produzidos rapidamente e em um grande número de cópias – essas são as características que fazem a impressão suplantar os manuscritos (BRAUT, 2011, p. 18, em livre tradução).

Segundo Rautenberg (2017), a editoração universitária teria surgido como um apêndice da sociedade científica alemã, para divulgar seus avanços. Juntamente com as bibliotecas, a editora universitária e a comunidade científica fazem parte de um sistema fechado, em que transita todo o conhecimento acadêmico:

A casa publicadora sustenta a comunicação científica mediante a produção profissional de livros, revistas e outras mídias e a venda direta de seu produto ao consumidor final e às bibliotecas, ou sua venda por intermédio das distribuidoras. Como um sistema econômico, a editora ganha dinheiro: converte o conteúdo intelectual dos produtores de ciência, o valor imaterial, em bem econômico (RAUTENBERG, 2017, p. 51).

Figura 1. Ciclo da comunicação científica.

Fonte: Rautenberg (2017, p. 57).

Na figura, a autora demonstra como acontecia na Alemanha a transformação de um bem intelectual em um bem econômico/comercial e, por fim, em bem público durante grande parte do século XX. Fica evidente, nesse esquema, o papel secundário da editora universitária, já que são os pesquisadores que detêm o recurso financeiro e o conhecimento científico e decidem onde os vão colocar. Braut (2011) corrobora essa ideia da autora e complementa:

As universidades deixam imediatamente o circuito de produção do livro, pois as gráficas exigem pessoal e disponibilidade financeira, e as universidades não podem dispor de nenhum, tendo perdido muitos de seus privilégios e grande parte de sua autonomia (BRAUT, 2011, p. 18, em livre tradução).

Por não serem consideradas um componente integrante das instituições de ensino superior, Rautenberg (2017) afirma que as editoras universitárias alemãs não tiveram um pleno desenvolvimento e, hoje, boa parcela da produção científica tem ficado nas mãos das editoras comerciais. Isso se deve ao fato de que, no final do século XIX, o governo alemão fez fortes investimentos na universidade, por meio de reformas, e em seus institutos de pesquisa, fortalecendo grupos de cientistas que fizeram da engenharia, física, química, biologia e medicina suas principais disciplinas de destaque. A partir disso, gerou-se uma onda de publicações que favoreceu substancialmente as editoras comerciais, as quais souberam

aproveitar a situação e dar margem a publicações de jornais, periódicos e coleções de livros. Esse período foi até a década de 1920, no começo da ditatura nazista.

Na atualidade, Rautenberg (2017) vê a revolução digital como um inimigo da editora universitária e um grande obstáculo capaz de abalar ou até romper aquele ciclo da comunicação científica, em razão das possibilidades de distribuição e livre acesso que ela traz para o negócio do livro.

O texto de Degkwitz (2017) corrobora a opinião de Rautenberg, quando afirma:

Esse processo também está mudando a divulgação do conhecimento. Os formatos de publicação baseados em texto tornaram-se menos importantes para divulgar os resultados de pesquisa. Nos últimos anos, estão crescendo os meios de comunicação e as publicações de campos de dados. A nova mídia inclui – de uma maneira muito mais ampliada do que os formatos impressos – a possiblidade de enriquecer publicações com data sets para conectar e processar, por meio de diferentes aplicativos e ferramentas, os resultados de pesquisa publicados: as futuras publicações são publicações aprimoradas! (DEGKWITZ, 2017, p. 132).

Degkwitz (2017, p. 133) utiliza o termo “comunicação em monocanal” para falar das publicações impressas do meio acadêmico e determinar seu fim, diante do potencial que se abriu por causa dos novos meios digitais, empregando agora o termo “comunicação de todos com todos”, que amplia os canais de comunicação e divulgação dos materiais por causa da internet. Porém, a autora ressalta ser preciso que as instituições de ensino superior pensem no futuro desses materiais, tanto do lado técnico como do valor de seu conteúdo, sendo necessário pensar em um “novo papel” para o livro.

A Alemanha, berço da tipografia, atraiu indústrias e recursos para o país a partir dessa técnica, fortaleceu suas universidades e promoveu cientistas e pesquisadores a produtores de conhecimento e pesquisa, os quais tinham autonomia para escolher publicar seus trabalhos nas editoras comerciais. Nesse cenário, as editoras universitárias não se desenvolveram substancialmente e hoje têm como desafio pensar um novo sentido para o livro, diante das novas tecnologias.