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A adesão à Europa de acordo com as Constituições dos Estados-membros

16. Algumas conclusões

O direito das Comunidades Europeias (desde os tratados que as instituíram, e que alguns autores designam como constituições, até aos actos normativos, judiciais e executivos) pressupõe uma limitação da competência das autoridades nacionais a favor de órgãos comunitários. Qual o fundamento ou autorização constitucional para esta limitação de soberania, conducente a uma partilha ou transferência de funções soberanas dos órgãos estaduais para os órgãos das organizações supranacionais? Em algumas constituições, como já analisámos, o problema encontra solução na Constituição, por exemplo no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição alemã e no artigo 11.º, da Constituição italiana319.

319

CANOTILHO, J. J. Gomes - Direito Constitucional: Teoria da Constituição. Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 724, não existindo correspondência na 5.ª edição desta obra, de 2002.

O processo de integração que se apoiava, inicialmente, em cláusulas genéricas que habilitavam o Estado para acordar, em condições de reciprocidade, limitações de soberania com o fim de assegurar a paz e a justiça na ordem internacional (é a fórmula que recolhem tanto a Constituição francesa de 1946, no Preâmbulo, como a italiana no seu artigo 11.º) ou para transferir para instituições internacionais direitos de soberania (Constituição alemã, artigo 24.º), ou competências legislativas, executivas e judiciais (Constituição holandesa, artigo 67.º a que corresponde o artigo 92.º do texto de 1983; Constituição luxemburguesa, artigo 49.º bis, no qual se precisa que a transferência se fará por tempo determinado, é obra da reforma de 1956), ou poderes determinados (Constituição belga, artigo 34.º que reproduz, literalmente o artigo 25.º bis do texto anterior que tinha sido acrescentado pela reforma constitucional de Dezembro de 1970, depois, portanto, da criação das Comunidades, como parte de uma reforma mais extensa que nesta matéria jamais se verificou). Esta técnica da habilitação genérica com fórmulas variadas foi utilizada, também, por Estados que se incorporaram posteriormente na Comunidade. Assim, a Áustria (artigo 9.º, n.º 2, introduzido pela Lei Constitucional de 1 de Julho de 1981. A precisão de que as competências transferíveis eram as federais, incorporada no texto do preceito por uma emenda, tornou impossível fundamentar nele a adesão da Áustria à Comunidade, para a qual se seguiu o procedimento previsto, para reformas totais da Constituição, no seu artigo 44.º, n.º 3), Dinamarca (artigo 20.º que autoriza a delegação de poderes derivados da Constituição), Espanha (artigo 93.º, que permite atribuir a organizações ou instituições internacionais o exercício de competências derivadas da Constituição) e a Grécia que, com raro eclectismo, permite tanto reconhecer a “órgãos de organizações internacionais” competências previstas na Constituição (artigo 28.º, n.º 2), assim como aceitar restrições ou limitações da soberania. Tanto o reconhecimento de competências como as limitações de soberania têm de fazer-se “para servir um interesse nacional importante”. As limitações estão, além do mais, condicionadas pelo respeito dos direitos humanos320 e os fundamentos do regime democrático

320 Desde a sua formação que as instituições das Comunidades Europeias se propuseram respeitar os

direitos fundamentais dos cidadãos. Em 4 de Novembro de 1950 foi assinada a Convenção Europeia de salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, alterada em 1963, 1966, 1985 e 1996, em diversas ocasiões a Comunidade aderiu a tratados internacionais de tutela dos direitos do homem, o Tratado da União Europeia refere-se-lhes expressamente no artigo 6.º. Depois do repto no Conselho Europeu de Colónia, em Junho de 1999, surge a esperada Carta Europeia de Direitos Fundamentais que foi aprovada em Convenção entre os representantes dos Chefes de Estado e de Governo dos Estados-membros com a participação de representantes da Comissão, do Parlamento Europeu e dos parlamentos nacionais, em Nice, em 7 de Dezembro

e exigem a igualdade e reciprocidade, condições que, aparentemente, não operam no caso do “reconhecimento” de competências. A partir da primeira ampliação da Comunidade (1972), contudo, esta técnica, cujo uso na Dinamarca exige um quórum muito reforçado (5/6 dos membros do Parlamento), ou em alternativa a aprovação em referendo que é o procedimento próprio da reforma constitucional, na Holanda, quando os tratados contêm cláusulas contrárias à Constituição ou incompatíveis com ela. Na Áustria cuja Constituição (artigo 50.º, n.º 3) requer a aprovação de 2/3 para a ratificação dos tratados que modifiquem a Constituição, foi também este o procedimento seguido, uma vez que o referendo realizado em 12 de Junho autorizou a incorporação na Comunidade. E o das leis orgânicas em Espanha (uma parte da doutrina chegou a defender que em virtude deste procedimento o tratado de adesão ou as sucessivas reformas dos tratados originários podiam reformar a Constituição. Esta doutrina voluntarista foi desautorizada pelo Tribunal Constitucional na sua Declaração de 1-VII-1992), começa a ser abandonada para ser substituída por outras que articulam de maneira mais forte a vinculação do respectivo Estado com a Comunidade. A primeira mudança substancial verificou-se na Irlanda onde o que se incorpora na Constituição, mediante reforma aprovada em referendo, é a autorização para ratificar cada um dos tratados, mas são sobretudo as reformas introduzidas depois do Tratado de Maastricht para tornar possível a sua ratificação, em Constituições que, em geral, contavam já com cláusulas de habilitação genérica, as que evidenciam esta mudança de orientação321.

Assim, tendo em conta cada um dos preceitos das Constituições dos Estados-membros das Comunidades Europeias, observam-se duas tendências ou grupos: de um lado aquelas Constituições - a grande maioria - que prevêem a atribuição do exercício de competências internas em favor das instituições comunitárias, tendo como consequência implícita a inserção e aplicação interna das normas do direito derivado, nas condições estabelecidas nos próprios tratados; por outro lado, aquelas Constituições que aceitam expressamente os actos das instituições nas condições previstas nos próprios tratados reconhecendo, implicitamente, que transferem para as Comunidades Europeias as competências necessárias para adoptar tais actos obrigatórios e de eficácia directa.

de 2000. Não é ainda um documento vinculativo para os Estados-membros mas representa mais um passo no sentido de uma integração mais profunda.

321 Ver: RUBIO LLORENT, Francisco - Constitucion Europea O Reforma Constitucional? In

MIRANDA, Jorge (org.) - “Perspectivas Constitucionais - Nos 20 anos da Constituição de 1976”. 1.ª ed.. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 695-717, especialmente p. 711-712. E RUBIO LLORENT, Francisco - Constitucionalism in the “integrated” states of Europe, cit..

Em certos Estados, as transferências de competências foram operadas com a ausência de bases constitucionais. A justificação constitucional foi em certos casos indirecta; em certos casos não existiu qualquer justificação constitucional nem mesmo indirecta.

Qualquer que seja o sistema constitucional o resultado final é o mesmo. O importante é que todas as Constituições aceitam que o Direito Comunitário pode operar automaticamente no interior de cada Estado-membro de acordo com as suas características próprias: eficácia directa, primazia e, em consequência, aplicação efectiva e uniforme em toda a Comunidade322. Em todos os casos e com diferente terminologia, autoriza-se, constitucionalmente, a “transferir”, “delegar”, ou “atribuir” competências legislativas, administrativas ou jurisdicionais a “autoridades”, “instituições” ou “Organizações internacionais” ou aos seus órgãos323.

322

Ver: DIEZ DE VELASCO, Manuel - Instituciones de Derecho ..., cit., p. 205 e ss..

CAPÍTULO II