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A aplicabilidade directa das normas do Direito Internacional

2. Do ponto de vista do Direito comparado

A Constituição norte-americana já continha uma norma sobre o valor jurídico dos tratados, mas apenas no século XX as Constituições passaram a ocupar-se, com nitidez, das relações entre o Direito Internacional e o Direito interno71. Mas, tendo em conta os dados fornecidos pela evolução histórica, quase todas inserem cláusulas de recepção geral, plena ou semi-plena, e, quando as Constituições são omissas, a jurisprudência e a doutrina tendem a retirar delas soluções idênticas ou análogas72.

Perante a frequência com que as Constituições têm em conta o fenómeno convencional internacional, pode chamar-se a atenção para o silêncio generalizado dos ordenamentos internos a respeito das normas consuetudinárias.

Algumas Constituições, contudo, contêm referências expressas ao costume internacional, explicitando a recepção destas normas no Direito interno. É o caso por exemplo do artigo 25.º da Constituição da República Federal Alemã ou do artigo 10.º da Constituição italiana. Nestes casos não há dúvida de que os poderes do Estado e os particulares estão obrigados pelas normas gerais de Direito Internacional. E o que acontece com os ordenamentos jurídicos que não contêm disposições similares? A necessidade de integração e cooperação entre ambas as ordens mostra que nos casos em que os tribunais internos tiveram ocasião de referir-se às normas consuetudinárias procederam à sua aplicação sem que se tenham preocupado com a necessidade de um acto formal de recepção, acto formal esse que, por outro lado, seria impossível, na medida em que isso requereria ao Estado receptor um processo interno de codificação das normas consuetudinárias internacionais, de grande dificuldade a nível internacional. Esta solução, por outro lado, é congruente com a unicidade

70 KEGEL, Patrícia Luíza - As Constituições Nacionais ..., cit., p. 38.

71 MIRANDA, Jorge - Curso de Direito Internacional Público. 1.ª ed.. Cascais: PRINCIPIA,

Publicações Universitárias e Científicas, 2002, p. 143 e ss..

do ordenamento internacional e com a qualificação de um facto como internacionalmente ilícito, sem que se distinga a origem convencional ou consuetudinária da obrigação violada73.

No que respeita às normas convencionais existe uma diferença óbvia entre os ordenamentos que fazem referência à incorporação deste tipo de normas, que é a maioria, e os ordenamentos que não contêm referência alguma à recepção, este é o caso do Reino Unido e dos Estados surgidos da colonização britânica, o primeiro dada a ausência de Constituição escrita rígida, os segundos por terem formalizado as práticas consuetudinárias britânicas, entre as quais não se encontram referências específicas às normas internacionais. No conjunto dos restantes ordenamentos internos, herdeiros em maior ou menor medida da tradição constitucional europeia-continental, é usual que esta recepção se realize a nível de normas constitucionais, pelo que se pode afirmar que a recepção das normas internacionais tem carácter de mandato constitucional74.

Assim, no Direito alemão há, como no francês, que distinguir a vigência do Direito Internacional geral e a dos tratados internacionais. A lei alemã admite a cláusula geral de recepção plena para o Direito Internacional geral, nada dizendo quanto à validade interna dos tratados. Efectivamente, a Constituição alemã de 1919 (Constituição de Weimar) no seu artigo 4.º dizia o seguinte: “as regras universalmente reconhecidas do Direito Internacional valem como parte integrante do Direito alemão”, o que significava, na época, que não necessitavam de “transformação” em lei interna, para que os órgãos as aplicassem. Este preceito referia-se fundamentalmente ao costume, que na altura abrangia grande parte do Direito Internacional. O problema da posição hierárquica do Direito Internacional permaneceu em aberto. Em caso de conflito entre normas internas e internacionais prevalecia o princípio de que a posterior revogava a anterior mesmo que esta estivesse em contradição com o Direito Internacional. Em suma, a Constituição de Weimar teve o mérito de “constitucionalizar” um problema que no continente europeu tinha sido apenas tratado na doutrina, aliás bastante dividida, e teve influência sobre outros textos constitucionais, como é o caso da Constituição austríaca, de 1920 e ainda hoje em vigor75. A actual Constituição, de 23/5/1949, no seu artigo 25.º alterou o

73 Ver: RODRÍGUEZ CARRIÓN, Alejandro J. - Lecciones de Derecho Internacional Público. 4.ª ed..

Madrid: Editorial Tecnos, S.A., 1998, p. 297-298.

74 Ver: RODRÍGUEZ CARRIÓN, Alejandro J. - Lecciones de Derecho ..., cit., p. 294-295. 75

PIRES, Maria José Morais - Relações entre o Direito Internacional e o Direito interno em Direito Comparado. In Documentação e Direito Comparado - Boletim do Ministério da Justiça. Lisboa: Gabinete de

sentido da disposição anterior ao dispor “As regras gerais do Direito Internacional fazem parte integrante do Direito Federal. Prevalecem sobre as leis e produzem de forma imediata direitos e obrigações para os habitantes do território federal”. O artigo 100.º, n.ºs 1 e 2, assegura o respectivo controlo jurisdicional, atribuindo ao Tribunal Constitucional Federal competência para decidir sobre eventuais dúvidas relativas à compatibilidade de uma lei interna com o Direito Internacional geral. E a doutrina, na sua maioria, tem entendido que nas regras gerais, mencionadas na cláusula de recepção plena, se englobam os preceitos consuetudinários e os princípios gerais de Direito. Os tratados são referidos pela Lei Fundamental no artigo 59.º, onde se menciona o processo de celebração dos tratados mas não a sua validade interna. A jurisprudência alemã tem aceite a vigência do Direito Internacional convencional no plano interno, divergindo, todavia, quanto ao fundamento a dar-lhe. Na doutrina alguns Autores defendem a existência de uma cláusula geral, outros a de uma transformação implícita, porque o artigo 59.º exige para a conclusão dos tratados internacionais o mesmo processo de elaboração da lei interna, isto é, um tratado para ser válido necessita de uma lei federal que o transforme em parte integrante do sistema jurídico nacional. Essa lei de aprovação tem por conteúdo aquele do tratado internacional, que passa a ser portanto uma lei federal ordinária que pode, inclusive, ser objecto do controle de constitucionalidade. Esta hipótese significaria a adopção da teoria dualista nas relações entre o Direito interno e o Direito Internacional76.

A melhor solução parece ser a primeira, porque a prática tem mostrado que o tratado só entra em vigor internamente no momento do início da sua vigência internacional e não no da ratificação, o que parece indicar que ele vigora, primariamente, como fonte internacional e não como fonte interna77.

No caso específico da França é, desde a Constituição de 1875, o Presidente da República que detém as clássicas funções de representação externa do Estado e desempenha

Documentação e Direito Comparado da Procuradoria Geral da República. N.º 53/54: (1993), p. 139-190, especialmente p. 150-151.

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No sistema jurídico alemão coexistem dois modos de controle da constitucionalidade: o abstracto e o concreto. O abstracto está disposto no artigo 93.º, n.ºs 1 e 2, e o concreto é exercido no decurso de um processo judicial específico, artigo 100.º, n.º 1. Ver: KEGEL, Patrícia Luíza - As Constituições Nacionais e os Limites à Integração Regional. In Temas de Integração. Coimbra: Livraria Almedina, 2000. 4.º vol. - 1.º Semestre 1999 - n.º 7: (1999), p. 33-55, especialmente p. 38-40.

77 Ver: PEREIRA, André Gonçalves e QUADROS, Fausto - Manual de Direito Internacional Público. 3.ª ed., revista e aumentada (reimpressão). Coimbra: Livraria Almedina, 2001, p. 99 e 100. Ver também

MARIÑO MENÉNDEZ, Fernando M. - Derecho Internacional Público - Parte General. 2.ª ed.. Madrid: Editorial Trotta, S. A., 1993, p. 492. Também MIRANDA, Jorge - Curso de Direito ..., cit., p. 143 e ss., sobretudo p. 146 onde diz que as opiniões se repartem entre a recepção automática e a transformação implícita.

um papel especial, embora partilhado, na conclusão dos tratados. Do confronto entre a tendência parlamentarista da IV República e a corrente presidencialista do General de Gaulle resultou uma Constituição de compromisso, na qual prevaleceu esta última, agravada pela explosiva situação argelina, que impunha um poder forte e estável. Para além das tradicionais funções de representação do Estado, o Presidente da República assume um papel determinante na condução da política externa em geral e no Direito Internacional em particular. Cabe ainda salientar o papel do referendo previsto no artigo 11.º que pode ser utilizado para aprovar textos de Direito Internacional. O carácter presidencial da Constituição de 1958 atribui ao Presidente da República o poder tradicional dos chefes de Estado, ou seja a faculdade de ratificar tratados, acrescido do poder de os negociar previsto no artigo 52.º, quebrando a tradição francesa pela qual tal tarefa era normalmente competência do Presidente do Conselho de Ministros ou, por sua delegação, do Ministro dos Negócios Estrangeiros. A supressão desta diarquia constituiu uma verdadeira inovação na política francesa, já que, até 1958, só por excepção o Presidente da República intervinha. Durante a IV República manteve-se e até se acentuou a influência do Governo, a qual pressupunha inclusivamente alguma intervenção dos órgãos parlamentares. Cabe aqui recordar a recusa de ratificação, em 1954, pela Assembleia Nacional, do Tratado de adesão à Comunidade Europeia de Defesa78.

No sistema jurídico francês é também necessário distinguir entre o Direito Internacional geral e o Direito Internacional convencional, quanto à sua vigência interna. O Preâmbulo da Constituição de 27 de Outubro de 1946, vigente por força do Preâmbulo da actual Constituição de 5/10/1958, tem duas alíneas (14 e 15) relativas ao Direito Internacional: a alínea 14 diz assim: “A República francesa, fiel as suas tradições, conforma- se com as regras do Direito Internacional Público. Não empreenderá nenhuma guerra de conquista e jamais empregará as suas forças contra a liberdade de outro povo”. Cabe referir que, em boa parte dos manuais de Direito Internacional franceses se classifica o sistema francês de monista com primado de Direito Internacional79. A leitura da alínea 14 do referido Preâmbulo permite pensar, segundo Gérard Teboul, que a França, desde a II Grande Guerra, reconhece que as regras do Direito Internacional estão providas de uma validade própria, isto é, uma validade que não encontra o seu fundamento na ordem jurídica francesa. Com efeito, desde que o poder constituinte afirma que a República francesa entende conformar-se, na

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PIRES, Maria José Morais - Relações de Direito ..., cit., p. 161 e 164-165.

ordem internacional, com as regras do Direito público que aí se impõem, é possível considerar que, para os autores da Constituição, o Direito das gentes se caracteriza por uma força jurídica intrínseca. Nesta perspectiva, a ordem jurídica internacional e a ordem jurídica interna apresentam-se como duas ordens providas de validade própria. Pode também observar-se que o artigo 52.º da Constituição é igualmente conciliável com a validade inicial do Direito Internacional, enfim, não será abusivo considerar, numa primeira análise, que o texto da Constituição francesa é compatível com a validade intrínseca do Direito Internacional (ou seja, independente da ordem jurídica francesa)80.

Na Constituição de 1946, relativamente à posição hierárquica das normas de Direito Internacional, o artigo 28.º consagrava claramente a superioridade dos tratados em relação às leis. No artigo 91.º previa uma espécie de controle de constitucionalidade das leis através de um Comité Constitucional, que tinha competência para fazer adaptar a Constituição às leis e não para obrigar o legislador a respeitar o texto constitucional. A harmonia entre a lei e o texto constitucional seria conseguida não pela modificação da lei mas pela alteração da Constituição. É a concepção rousseauniana da lei como expressão da vontade geral. O texto de 1946, que proclamava a submissão às normas do Direito Internacional, aceitava ainda, sob reserva de reciprocidade, as limitações de soberania necessárias81.

Quanto ao Direito Internacional geral, a Constituição de 1958 é omissa, entendendo a jurisprudência e a doutrina que ele vale na ordem interna, não hesitando aquela em o aplicar em inúmeras espécies82. No que diz respeito aos tratados, o artigo 53.º refere sete categorias de tratados cujo objecto exige a intervenção do órgão legislativo, que se faz através da chamada “lei de autorização”, que apenas habilita as autoridades governamentais competentes a vincular internacionalmente o Estado, sendo por isso um acto jurídico interno, que não exprime o consentimento do Estado. Por outro lado, a lei de habilitação não tem carácter de “incorporação” do tratado na ordem jurídica interna, no sentido dualista. Aliás, o momento em que o Governo solicita autorização, através do envio de um projecto de lei, é totalmente discricionário e ocorre muitas vezes após a assinatura do tratado. O regime da lei de

80 Ver: TEBOUL, Gérard - Ordre juridique international et ordre juridique interne. In Droit Public.

Paris: Librairie Général de Droit et de Jurisprudence, n.º 3: (Mai-Juin 1999), p. 697-719, especialmente p. 706- 707.

81 PIRES, Maria José Morais - Relações entre o Direito ..., cit., p. 163-164.

82 PEREIRA, André Gonçalves e QUADROS, Fausto - Manual de Direito ..., cit., p. 98 e 99, e

também DIEZ DE VELASCO, Manuel - Instituciones de Derecho Internacional Público. 13.ª ed.. Madrid: Editorial Tecnos, S.A., 2001, p. 195. Ainda MIRANDA, Jorge - Curso de Direito ..., cit., p. 143 e ss..

habilitação é excepcional, sendo o princípio geral a competência incondicional do Presidente da República. O artigo 53.º é desprovido de sanção, pois nenhum órgão tem competência para motu proprio verificar se o Executivo respeitou este preceito constitucional, já que não está previsto o seu controlo por via de excepção; por outro lado, esta autorização só respeita à ratificação ou aprovação de tratados e acordos, exclui a denúncia, que incumbe por competência residual ao Presidente da República.

Trata-se de um sistema em que o acto de autorização pelo poder legislativo e o acto exterior do Chefe de Estado, que lhe segue, introduzem por si mesmos, no Direito interno, as normas convencionais, que ficam então pendentes, para a sua plena aplicabilidade interna, unicamente da sua publicação no jornal oficial correspondente. Estes sistemas são geralmente denominados de “recepção automática”. Neles a manifestação internacional da vontade do Estado de obrigar-se converte os tratados em “executórios” no Direito interno e são os textos destes que se publicam83.

Uma outra forma de controle político prevista no artigo 11.º da Constituição francesa é o referendo que o General De Gaulle utilizava como meio para “ultrapassar” os órgãos parlamentares. Traduz-se pela iniciativa (não obrigatória) do P.R. da submissão a referendo da lei de autorização de ratificação de um tratado, que, sem ser contrário à Constituição, terá incidências no funcionamento das instituições. Este processo foi apenas utilizado duas vezes, por ocasião da ratificação do Tratado de Adesão à Comunidade Europeia do Reino Unido, Irlanda e Dinamarca, em 23 de Abril de 1972, bem como no processo de ratificação do Tratado de Maastricht84.

Declara o artigo 55.º da Constituição vigente: “os tratados regularmente ratificados ou aprovados têm, desde a sua publicação uma autoridade superior à das leis salvo reserva para cada tratado ou acordo de aplicação pela outra parte”. Assim, em relação aos tratados existe o sistema de cláusula geral de recepção plena, salvaguardando-se simultaneamente a reciprocidade na aplicação85. O sistema francês inclui assim uma cláusula que os autores

83 Ver: MARIÑO MENÉNDEZ, Fernando M. - Derecho Internacional ..., cit., p. 528-529. Cabe

também neste grupo, segundo aquele Autor: a Constituição da Alemanha, Bélgica e Luxemburgo (segundo o artigo 37.º, texto refundido em 1956, “O Grão-Duque acorda os tratados, que não produzirão efeitos antes de terem sido aprovados por lei e publicados segundo a forma prevista para a publicação das leis”) para além das supracitadas. E ainda a Argentina (artigo 31.º), México (artigo 133.º), Honduras (artigo 16.º) e Paraguai (artigo 147.º).

84 PIRES, Maria José Morais - Relações entre o Direito ..., cit., p. 166-167. 85

Rodríguez Carrión chama a esta cláusula uma recepção especial dizendo que a publicação equivaleria ao acto de promulgação e se converteria assim em requisito imprescindível para a aplicação interna das normas

qualificam habitualmente de incorporação automática das normas dos tratados internacionais aplicáveis à França. O artigo 55.º prevê um sistema de recepção individual ao exigir a publicação, o que segundo a jurisprudência francesa, muito criticada pela doutrina, é condição necessária e suficiente de aplicação dos tratados no Direito interno. Apesar do artigo 55.º admite-se que o juiz francês deveria, antes de aplicar um tratado, verificar se ele tinha sido regularmente ratificado e aprovado, nomeadamente, se as competências do Parlamento tinham sido respeitadas. A prática demonstra que o juiz se recusa a proceder a tal controle em nome do princípio da separação de poderes. Assim, toda e qualquer convenção, desde que tenha sido regularmente publicada, ou seja, que em execução de decreto do Presidente da República tenha sido publicada no jornal oficial, é aplicável na ordem jurídica interna. Em consequência, a publicação é uma formalidade substancial, não sendo por isso uma cláusula de incorporação, tendo apenas efeito constitutivo. A outra condição de aplicação dos tratados na ordem jurídica francesa é a regra da reciprocidade, a explicação de tal exigência talvez se encontre na tradição ou na tendência contratual do Direito Internacional convencional na doutrina francesa86. Qual a repercussão desta condição de reciprocidade, que exige a aplicação do tratado pelo outro contraente? Ela pode ser invocada a título de aplicação, pelo particular da excepção de não cumprimento do contrato, ou por via de excepção em tribunal, devendo este requerer do Ministério dos Negócios Estrangeiros prova dessa eventual não execução do tratado pela outra parte. O aviso governamental que der a não aplicação como comprovada vinculará o juiz, como decisão prejudicial.

Os preceitos da Constituição francesa referenciados inspiraram várias outras Constituições: é o caso do artigo 28.º, n.º 1, da Constituição Grega, de 11/6/1975, que dispõe: “1. Formam parte do Direito helénico interno e terão um valor superior a toda a disposição em contrário às regras de Direito Internacional geralmente reconhecidas (…). Estará sempre sujeita à condição de reciprocidade a aplicação das normas de Direito Internacional.”87.

convencionais. Ver: RODRÍGUEZ CARRIÓN, Alejandro J. - Lecciones de Derecho ..., cit., p. 295, também SEGORBE, Beatriz e TRABUCO, Claúdia - O Conselho Constitucional Francês. Coimbra: Quarteto Editora, 2002, p. 123-125.

86 PIRES, Maria José Morais - Relações entre o Direito ..., cit., p. 167. 87

E ainda do artigo 101.º da Constituição do Peru de 1979. Inspiraram-se também neste sistema alguns países que foram colónias de França, por exemplo: implicitamente o artigo 158.º da Constituição da Argélia, de 1976, que estabelece “O Presidente ratificará os acordos de índole política e os tratados que modifiquem o conteúdo de uma lei depois de a Assembleia Popular Nacional os ter aprovado expressamente” e também o artigo 78.º da Constituição da Mauritânia, de 1991, ao contrário em Túnez, 1959, os tratados ratificam-se mediante lei. Ver: MARIÑO MENÉNDEZ, Fernando M. - Derecho Internacional ..., cit., p. 529.

Em Itália, a tendência dualista da doutrina influenciou de forma decisiva a legislação e a jurisprudência.

A Constituição italiana, de 27 de Dezembro de 1947, resolve esta questão no seu artigo 10.º que dispõe “o ordenamento jurídico italiano ajustar-se-á às normas do Direito Internacional geralmente reconhecidas” que é quase sempre interpretado como uma recepção automática do Direito Internacional, fazendo com que a doutrina italiana, em boa parte dualista, não deixe, contudo, de reconhecer a existência de uma cláusula geral de recepção plena no seu Direito interno88.

Em Itália, os tribunais têm sustentado que o artigo 10.º da Constituição não afecta a validade da legislação aprovada antes da entrada em vigor da Constituição89. Quanto ao Direito consuetudinário, o artigo 10.º não permite a incorporação das normas de Direito Internacional geral na ordem jurídica italiana, as quais são aplicadas pelos tribunais com base apenas no próprio artigo 10.º, que por si só fundamenta a adopção das normas de costume internacional na ordem jurídica italiana, bem como a sua aplicação pelos tribunais. O Tribunal Constitucional também segue esta interpretação pois nunca admitiu que as normas consuetudinárias deveriam ser prévia e expressamente aceites pela ordem jurídica italiana90.

Os comentaristas, na sua maioria, estão de acordo em que se trata de uma adaptação automática. O procedimento de adaptação do artigo 10.º da Constituição italiana reúne os caracteres de directo, automático, permanente, contínuo e completo. Este conjunto de caracteres foi precisado por Sereni91 da seguinte forma: “É directo uma vez que não contempla actos ou factos particulares como idóneos para criar normas jurídicas, mas sim prevê por si mesmo adaptar o Direito interno ao Direito Internacional geral, tomando como único elemento de referência as normas deste, e também as outras normas do ordenamento italiano com as quais estão relacionadas as normas instituídas mediante tal procedimento; é automático porque actua em relação a cada uma das normas do Direito Internacional desde o momento em que estas entram em vigor e sem necessidade de fazer intervir um acto concreto

88 PEREIRA, André Gonçalves e QUADROS, Fausto - Manual de Direito ..., cit., p. 102. E

CAPOTORTI, Francesco - Cours Général de Droit International Public. In Recueil des Cours de l’Académie de Droit International de La Haye. Dordrecht/Boston/London: Martinus Nijhoff Publishers. Tome 248 - IV: (1994),