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2. DE QUAL DEMOCRACIA ESTAMOS TRATANDO? UM ESTUDO DAS TEORIAS

2.6 Algumas considerações

O objetivo central deste capítulo foi apresentar algumas das muitas discussões que cercam o termo democracia na atualidade52. Obviamente foram selecionados, de uma amostragem bastante singela, alguns pensadores que não representam (quantitativamente) a maior parcela de produções.

Há muitos outros autores, como aqueles considerados os pais da democracia moderna, alguns dos quais, mesmo tendo sido citados nas páginas do capítulo, não foram o objeto da explanação.

Ao considerar o amplo embate envolvendo os conceitos e as teorias da democracia, a intenção foi oferecer algum escopo para as análises pretendidas acerca das questões que motivaram a pesquisa e deram corpo às análises.

Reis (2002), ao analisar a teoria democrática, sugere que talvez seja possível pensar uma alternativa para compreendê-la e a própria democracia que não obrigue a decidir entre uma tradição puramente descritiva e uma tradição exclusivamente normativa. Trata-se, segundo ele, de pensar a democracia como configuração histórica acidental, como decantação de concepções normativas a respeito da boa vida. Para o autor, a democracia, tal como é conhecida hoje, é um evento posterior à II Guerra Mundial, portanto recente, com pouco mais de 50 anos. Para esse autor, a democracia encerra três ideias básicas:

 o velho paradigma da democracia clássica: a ideia de que o governo é o demos, sem qualquer intermediação;

 o outro paradigma, que está presente na democracia como configuração histórica do século XX, representado pela tradição liberal: a ideia de que os seres humanos têm direitos inalienáveis, direitos individuais, que implicam proteção diante de qualquer regime político e de qualquer maioria. Se a democracia diz que a maioria governa, o liberalismo garante que há direito de proteção para a minoria e que os direitos básicos desta não estarão afetados por nenhuma maioria, por mais ampla que ela seja;

 o terceiro paradigma, coadjuvante do experimento democrático do século XX, é representado pelo socialismo.

Para Reis (2002), o socialismo ocidental é coautor do mundo ocidental, na medida em que inscreve na experiência democrática uma pauta de direitos sociais, excedendo e complementando a agenda de liberdades individuais estabelecida pela boa tradição liberal.

Schumpeter (1984) considera que a democracia tornou-se uma bandeira, um símbolo daquilo que a sociedade preza. Daí, muitos desvios de comportamento ou posição serem aceitos em seu nome, e ela se tornou um evangelho a ser professado, muitas vezes, esvaziado de seus significados e pertencimentos históricos. Apresenta o que chama de outra teoria, na qual destaca a chamada vontade manufaturada, considerando que algumas vontades são transformadas em fatores políticos quando estimuladas por líderes políticos.

Para esse autor, a competição pela liderança na vida política é marca fundamental da democracia à procura da adesão do povo. Da análise da competição, vem sua abordagem da democracia como um método reconhecido pelo qual se conduziria a luta competitiva, sendo o método eleitoral considerado como o único disponível a comunidades de qualquer tamanho. Na competição, julga essencial a liberdade de discussão para todos, além da necessidade da liberdade de imprensa.

Schumpeter define como função básica do eleitorado a produção de um governo na democracia, além da assunção da responsabilidade de desapossá-lo. No princípio da maioria simples, mecanismo utilizado nos processos eleitorais, pode estar embutida a possibilidade de distorcer a vontade do povo, não efetivando, necessariamente, a vontade da maioria. A outros procedimentos do processo democrático, aliam-se riscos de idiossincrasias e de impedimento de governos eficientes.

Considera o autor que o princípio da democracia significa, então, que as rédeas do governo são dadas àqueles que têm mais apoio do que quaisquer dos indivíduos ou grupos em competição. Chama a atenção para o fato de que a democracia não significa, e não pode significar, que o povo realmente governe, mas apenas que o povo deve ter a oportunidade de aceitar ou recusar as pessoas designadas para governá-lo, acrescentando mais um critério do método democrático: a livre competição entre líderes potenciais pelo voto do eleitorado. Do método, nascem subprodutos da luta pelos cargos políticos, a legislação e a administração.

A democracia moderna é de origem burguesa, cresceu com o capitalismo, à frente do processo pelo qual a burguesia reformulou a estrutura política e social, e foi a ferramenta dessa reconstrução. Ela somente funciona se a vasta maioria da população, em todas as classes, estiver resolvida a ater-se às regras do jogo democrático.

Para Limonghi (2005), a análise de Schumpeter coloca a democracia em função da quantidade de alternativas eleitorais à disposição, sendo esta, na verdade, um método que permite escolher a oligarquia que vai dirigir.

Dahl (1989) escreve uma teoria para a democracia real, sistema que ele próprio chamou de poliarquia. Para ele, o termo democracia não é mais cabível, remete ao cenário grego da Antiguidade Clássica, na atualidade, ele considera aplicável a poliarquia, estruturada por uma competição entre elites pelo poder político, por via eleitoral. Na elaboração de sua teoria, Dahl preocupa-se em entender o processo de surgimento das poliarquias e como as não poliarquias poderiam se transformar em tal.

A poliarquia é, para Dahl, mais do que um regime ou sistema; é um processo, um movimento de construção institucional que cada vez mais incorpora e organiza a competição política. Ele define a democratização como um processo de progressiva ampliação da competição e da participação política e identifica a democratização com avanços em dois eixos – competição e participação. Portanto, competição pública e direito à participação são elementos-chaves na construção das poliarquias.

No processo de democratização, define como aspectos relevantes a oposição, a rivalidade e a competição, sendo nele imperativa a contínua responsividade do governo às preferências de seus cidadãos, considerados como politicamente iguais.

Dahl (2005) preconiza que um regime político competitivo dificilmente será mantido sem uma ordem social pluralista, não podendo ser mantido em um país onde as forças policiais e militares estão acostumadas a intervir na política.

Sartori (1994) afirma que o que a democracia é não pode ser separado do que a democracia deve ser. Uma democracia só existe na medida em que seus ideais e valores lhe dão existência. Sociedades democráticas são dirigidas para uma finalidade estabelecida de acordo com os procedimentos democráticos; para defini-la é necessária a definição descritiva tanto quanto a prescritiva. O ideal democrático não define a realidade democrática. É uma condição

necessária o consenso procedimental, o pré-requisito da democracia.

Para Sartori (1994), dissenso, oposição, políticas adversárias e contestação são noções com valor positivo no contexto do pluralismo. A democracia direta é simplesmente uma democracia sem representantes e sem mecanismos de transmissão da representatividade. A democracia de referendo representa a superação da limitação do tamanho e do espaço da democracia direta. Nela, o demos decide as questões diretamente, embora não o faça através de reuniões, mas individualmente, através do instrumento do referendo, de modo que pode ser vista como uma das subespécies da democracia direta. .

A participação, segundo Sartori (1994), não se revela um processo de aprendizagem no sentido requerido pela democracia de referendo, isto é, que leva à criação de uma opinião bem informada e inteligente. O que distingue a democracia é o princípio de que ninguém pode proclamar-se a si mesmo como “melhor” que qualquer outro; isso deve ser decidido pelos outros.

O autor afirma que, dentre as premissas da democracia, a menos lembrada é a de que ideias erradas a respeito dela a fazem dar errado; a melhor forma de evitar a democracia é dizer que age em seu nome e com seu próprio nome. Uma teoria da democracia pode corresponder ao processo decisório. Na democracia é essencial que os tomadores de decisão sejam mais que um; as regras da maioria pressupõem que o princípio da unanimidade seja impraticável; a maioria somente seria real sob o critério da maioria absoluta (a maioria simples do universo). Nesse caso, os veredictos eleitorais perdem a legitimidade, não são muitos os eleitos que recebem uma proporção superior a 50% dos votos do eleitorado. As minorias em pauta não têm o poder de decidir. Não podem impor suas preferências – podem apenas protegê- las.

A representação é a chave do problema. Apenas a redução drástica do universo dos representados para um pequeno grupo de representantes permite uma redução importante dos riscos externos sem agravar os custos decisórios. Se a única forma de minimizar os riscos externos for aumentar o número de pessoas que tomam decisões, quase nunca seria conveniente coletivizar uma área de decisões.

As preferências possuem intensidades diferentes. Uma maioria de 51% é imbatível se consistir também de membros intensos; mas uma maioria de 51% (e até maior) não é

imbatível quando é uma maioria pouco intensa.

Se uma democracia for compreendida como o poder do demos, como um poder literal do povo, nada jamais será democrático. O poder deve residir em seu exercício, não em sua atribuição. A democracia exige transparência, sendo que um alto nível de visibilidade permite um controle melhor, reduzindo os riscos externos. A visibilidade pode melhorar, mas também pode distorcer o comportamento; pode intensificar conflitos, quando não os cria. A visibilidade que impede o comportamento responsável, que instiga a venda da imagem e a demagogia, intensifica conflitos, leva à paralisia decisória. Visibilidade demais, em coisas demais, nesses termos, atrapalha a visibilidade.

Para Habermas (1990), ao processo democrático alia-se o papel de programar o Estado segundo o interesse da sociedade. Ele analisa o modelo republicano e o modelo liberal e apresenta uma alternativa que chama de terceiro modelo normativo da democracia apoiada nas condições de comunicação sob as quais o processo político pode ter a seu favor a presunção de gerar resultados racionais. Associa ao processo democrático conotações normativas da teoria do discurso, concedendo um lugar central ao processo político de formação da opinião e da vontade comum, não entendendo como algo secundário a estruturação em termos de Estado de Direito. Sua teoria do discurso conta com a intersubjetividade de ordem superior de processos de entendimento que se realizam na forma das deliberações.

Bobbio (2004) considera que uma definição mínima de democracia precisa considerar o conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões coletivas que conte com e facilite a participação ampla dos interessados. Tais regras estabelecem aqueles que estão autorizados a tomar decisões e os procedimentos que conduzem a elas.

Bobbio (2004) indica como regra fundamental que as pessoas chamadas a decidir ou a eleger os que decidirão sejam postas frente a possibilidades reais e em condição de optar por uma delas; garantidos os direitos de liberdade, de opinião, de expressão, de reunião, de associação. Sugere a ampliação do processo democrático em outras bases, em especial naquilo que chama de democracia social.

O princípio da representação política estabelece que o representante persiga os direitos do representado naquilo que chama de mandato vinculado, típico de contrato privado que prevê sua anulação por excesso de mandato. A democracia representativa impede os mandatos

imperativos. Bobbio diferencia os representantes como delegados ou fiduciários, sendo que o primeiro possui um mandato extremanente limitado e revogável, e o segundo tem o poder de agir com certa liberdade em nome e por conta dos representados, gozando da confiança deles, de modo que interpretaria com discernimento próprio os seus interesses, não existindo um mandato imperativo. Portanto, na democracia representativa, o representante deve ser um fiduciário, não um delegado, sendo representados os interesses gerais e não os interesses particulares.

O autor destaca o chamado processo de ampliação da democratização com a passagem da democracia política para a democracia social, extensão da esfera das relações políticas à esfera das relações sociais. O regime democrático pressupõe a existência do consenso e do dissenso: um consenso que não exclua o dissenso, dentro das regras de jogo; um dissenso que admita debates entre os que pensam de maneira diferente, pois caso contrário não seria legítimo, tampouco democrático. Ele introduz a distinção entre democracia formal (referindo-se precisamente à forma de governo) e democracia substancial (conteúdo da forma); correspondência de ambas definiria a democracia perfeita.

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3. DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO NO BRASIL E GESTÃO