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Se considerarmos que a língua do dia-a-dia, tanto a falada quanto a escrita, não corresponde totalmente aos padrões pré-estabelecidos pelas regras gramaticais, como sugere Rivers, perceberemos que o conceito de gramática não é totalmente imutável, até porque depende de como o gramático se posiciona a respeito da linguagem.

Como prova disso a autora apresenta as análises gramaticais de tradição européia que foram herdadas da Grécia antiga nas quais se percebe até hoje a divergência de ponto de vista entre os gramáticos, assim como era na época.

Enquanto uns acreditavam que a língua seria um reflexo da realidade que existe além da própria linguagem, outros pensavam que a língua é um conjunto de associações arbitrárias nas quais se poderia discernir e descrever as relações sistemáticas, bem como estabelecer categorias de acordo com determinado sistema linguístico.

Em decorrência disso, para os adeptos da primeira linha de pensamento as categorias gramaticais seriam consideradas as mesmas para todas as línguas dado ao fato da realidade externa ser a mesma, e aos adeptos da segunda posição cada língua deveria ser descrita de acordo com seu sistema.

Durante algum tempo essa prática de descrever todas as línguas por meio do mesmo conjunto de termos conceituais foi amplamente rejeitada, afirma a autora, dado o impedimento da identificação precisa de elementos estruturais e suas inter-relações numa ampla variedade de sistemas linguísticos. Assim, nasceram novas maneiras de descrever as línguas.

Em relação ao estudo gramatical, houve bastante controvérsia se a ênfase deveria ser dada à língua oral ou escrita, mas pela facilidade muito maior de se obter dados escritos, a língua escrita tem sido a base tradicional desse tipo de estudo.

Os padrões aceitos na fala e na escrita não são os mesmos e a segunda tende a evoluir menos rapidamente que a língua oral, conservando termos fora de uso e apresentando como incorretas muitas das formas que são utilizadas na língua oral.

Segundo Ilari (2007, p. 181) as diferenças entre a língua falada e a escrita são profundas, diferenças essas que vão muito além dos fenômenos que dizem respeito somente às formas das palavras, mas abrangem o planejamento. Isso acontece, pois um texto escrito possibilita estruturá-lo em partes, decidir a ordem de sua disposição, corrigi-lo, etc. ao passo que a língua falada envolve outras especificidades.

Essas pequenas explanações servem para ilustrar o quanto é complicada a tarefa de compilar regras para compor uma gramática que “numa concepção ampla, é o domínio dos princípios, das regras gerais de formação

de recursos expressivos de uma determinada comunidade lingüística. É o estudo das condições lingüísticas da significação.” (São Paulo, 1994).

Os tipos de gramática foram elaborados conforme o posicionamento dos gramáticos em torno da linguagem.

Na Proposta Curricular para o ensino de português (1994), encontramos explicações sobre esses tipos: a gramática prescritiva ou normativa, a gramática internalizada e a gramática descritiva.

Iremos aqui abordar esses tipos de gramática pelo viés dessa proposta, visto que conforme a escolha do professor por uma ou outra, influenciará também seu posicionamento a respeito do próprio ensino.

A Gramática normativa é aquela que “postula um conjunto de regras a

serem seguidas.” (São Paulo, 1994, p.36) Esse tipo é o mais conhecido e utilizado entre os professores.

Seu ensino “pressupõe que há uma forma (única) de falar e escrever corretamente, segundo padrões pré-determinados pela linguagem escrita.” (ibidem, p.36). Para tal baseia-se na escrita considerada culta, como acontecia desde a cultura linguística grega cujo termo gramática deriva da palavra “a arte de escrever”, como nos explica a proposta.

Outra afirmação que encontramos é a de que dentre vários padrões, essa gramática escolhe apenas um por meio do qual se estabelecem as regras as quais devem ser obrigatoriamente seguidas, caso contrário, será considerado “erro”.

Ao contrário da gramática normativa, a internalizada não pode ser ensinada nas escolas. O papel da escola, nesse caso, é

[...] favorecer sua ‘ativação’ e ‘amadurecimento’, através do

oferecimento ao aluno de inumeráveis oportunidades de exercício da atividade linguística, num processo de consideração de limites e possibilidades de manifestação verbal, aceitas pela sua comunidade linguística. (ibidem, p.37)

Essa gramática está sujeita a variações que podem ser linguísticas ou relativas às regras de uso, dado ao fato de ser baseada nas normas escolhidas pelos próprios falantes da língua.

A proposta também destaca o fato de que por conter regras descritivas a gramática normativa é também, de certa forma, descritiva, porém prioriza “a descrição gramatical da ‘forma culta’ e não de todas as variáveis em uso pela comunidade.” (ibidem, p.38)

A gramática descritiva faz, então, o movimento inverso ao da normativa, não impõe regras as quais devem ser seguidas, porém descreve a fala e também a escrita das pessoas como elas realmente são, verificando “as regularidades que surgem nas variações, considerando a ‘norma’ como uma das possibilidades.” (ibidem, p.37)

Como não se preocupa em colocar regras a serem seguidas, nem em apontar erros, acaba sendo uma gramática pouco utilizada nas escolas.

Como pudemos perceber a gramática mais utilizada no ensino é a normativa ou prescritiva que permite ao professor trabalhar com as categorias cristalizadas.

Assim, serão atribuídos como “certo” àquilo que o aluno estabiliza da mesma forma que a gramática e como “errado” àquilo que se distancia da norma culta, ou seja, das regras estabelecidas.

Em consequência, a atividade de linguagem acaba sendo desconsiderada, bem como a própria experiência do aluno.

Essa abordagem por meio das regras da gramática é decisiva no processo de aprendizagem, como nos propomos demonstrar na próxima seção.

Cabe destacarmos que, apesar de nosso enfoque ser no ensino de língua estrangeira, essas questões se aplicam igualmente ao processo de aprendizado de língua materna.