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3 REVISÃO DA LITERATURA

3.1 JOGOS EDUCATIVOS FORMAIS E ENSINO DE QUÍMICA

3.1.5 Algumas considerações sobre a utilização de jogos educativos formais

Garcez e Soares (2017) investigaram como se deu a utilização de atividades lúdicas no ensino de química nos últimos anos no Brasil. Avaliando o quadro geral das produções acadêmicas e suas características, eles chegaram à conclusão de que a relação entre a atividade lúdica e o ensino de química pertence ainda a um campo de pesquisa em estruturação devido à necessidade de um maior aprofundamento teórico e de uma melhor compreensão do potencial do lúdico no processo de ensino e aprendizagem de química nas discussões da maioria dos trabalhos científicos.

Para os autores, até o momento “não há preocupação em descrever como se estabelece o diálogo entre o lúdico e o conceito de química, como se dá essa relação ou como foi averiguada sua influência na aprendizagem” (GARCEZ; SOARES, 2017, p. 202). Os grupos de pesquisa sobre o lúdico e o ensino de química concentram-se nas regiões sudeste e centro-oeste do Brasil, o que é notável por meio da padronização de fundamentação teórica e da presença de um mesmo grupo de orientadores nos trabalhos. As dissertações e teses sobre o tema começam em 2004, com aumento significativo a partir de 2007, conforme se vê na Figura 1.

Figura 1 – Distribuição das teses e dissertações em Química por ano de defesa.

Fonte: GARCEZ; SOARES, 2017, p. 191.

Já a produção de artigos é mais antiga, tem início em 1978, com visível aumento a partir de 2005. A Figura 2 sistematiza os dados da produção sobre o lúdico considerando o ano e os periódicos consultados – Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciência (RBPEC), Revista Química Nova (QN), Revista Brasileira de Pesquisa em Ensino de Química (ReBEQ) e Revista Química Nova na Escola (QNESC).

Figura 2 – Produção sobre o lúdico por ano e por periódico.

Fonte: GARCEZ; SOARES, 2017, p. 192.

Excetuando-se a QN, a maioria dos artigos apresentados pelos periódicos é voltada para a educação básica. Outra característica observada pelos autores nestas produções é a de que mesmo fazendo referência aos jogos, cerca de um terço das mesmas não apresenta referenciais bibliográficos que tratem sobre o uso do lúdico no ensino, que abordem suas características filosóficas, pedagógicas e psicológicas (GARCEZ; SOARES, 2017).

Garcez e Soares (2017) destacam ainda que a maioria da produção acadêmica sobre a utilização do lúdico no ensino de química está voltada à elaboração de resumos e trabalhos completos para exposição em eventos científicos – Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), Encontro Nacional de Ensino de Química (ENEQ) e Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química (RASBQ). Relativo aos aspectos pedagógicos destas produções, a maioria são propostas também voltadas para a educação básica.

Os resumos e trabalhos envolvem em sua quase totalidade a aplicação de jogos em sala de aula e sua análise. Em grande parte, seja pela familiaridade ou pela facilidade de aplicação relacionada ao tempo de execução e ao espaço para o desenvolvimento da atividade, trata-se de jogos de cartas e tabuleiros – como ludo, perfil, bingo, corrida, campo minado, trilha – para o ensino de química geral, orgânica e físico-química, sendo poucos os trabalhos

direcionados à área de pesquisa. Há também propostas lúdicas voltadas à experimentação e jogos teatrais/júri simulados. Os conceitos mais explorados – quer pela facilidade de se trabalhar quer pela dificuldade que os alunos apresentam em aprender através dos métodos convencionais – são relativos à tabela periódica, nomenclatura e determinação das funções de compostos orgânicos e inorgânicos, ácidos e bases (GARCEZ; SOARES, 2017). A Figura 3 mostra como a produção de resumos e de trabalhos completos para exposição em eventos científicos apresenta tendência de crescimento desde os anos 2000:

Figura 3 – Produção sobre o lúdico por ano e evento

Fonte: GARCEZ; SOARES, 2017, p. 192.

Uma classificação feita por Garcez e Soares (2017) dos artigos apresentados pelos periódicos e dos resumos e trabalhos completos para exposição em eventos científicos permite contemplar a produção acadêmica sobre a utilização de atividades lúdicas no ensino de química no Brasil como sendo composta, aproximadamente, em 58,5% de relatos de experiência e aplicação de jogos didáticos, 9,6% de propostas e descrição dos jogos didáticos em química, suas possibilidades pedagógicas e limitações, 8,8% de apresentação de propostas que envolvem o lúdico e que estão relacionadas à pesquisa em ensino de química, 5,9%

envolve a formação docente, 5,1% objetiva a divulgação científica por meio destas atividades, 2,9% investiga a concepção e opinião de alunos e professores sobre o tema, 2,9% são trabalhos teóricos sobre a relação do lúdico com outras áreas do conhecimento, como as que tratam das funções psicológicas, das experiências químicas e das avaliações da aprendizagem.

Apenas 2,4% dos trabalhos apresentam-se como revisões bibliográficas para determinar o que

se sabe ou o que não se sabe sobre o tema e as dificuldades teóricas/metodológicas do lúdico no ensino de química, entre outros.

Para que haja a consolidação do campo de pesquisa com relação à atividade lúdica e o ensino de química no Brasil, é necessário ainda preencher muitas lacunas que restam quanto às bases teórico-metodológicas da área. Cunha (2012) aborda alguns referenciais para o desenvolvimento de pesquisas e atividades com jogos nas aulas de química. Para ela, os jogos didáticos podem ser utilizados como recursos didáticos dentro do planejamento de uma aula, como uma atividade intencional e orientada pelo professor, mas jamais devem servir como distração, apenas para preenchimento de horários, ou como instrumentos recreativos, somente para tornar o ensino mais divertido.

Os jogos didáticos, quando utilizados em sala de aula, precisam atender a dois critérios: o motivacional, que permite aos alunos sentirem maior interesse pelas atividades realizadas e pelos conteúdos abordados; e o de coerência, em que sirva aos objetivos pedagógicos previamente definidos. Apenas o cuidado com o desenvolvimento do jogo e a reflexão sobre sua aplicação dentro de um planejamento de ensino é que farão com que eles passem a ser considerados atividades sérias e comprometidas com a aprendizagem (CUNHA, 2012; LAPA; SILVA, 2018).

Na etapa de proposição e elaboração, é necessário estabelecer a relação do jogo com o conteúdo químico que se deseja explorar, indicar suas potencialidades e limitações, e desde o início deixar claro quais são suas regras, seu tempo de duração e a que público se destina. Não menos importante ao fortalecimento do campo de pesquisa relacionado ao lúdico é que se diversifiquem as propostas de jogos apresentadas, tanto em relação aos conteúdos químicos abordados, quanto ao aproveitamento das esferas de domínio ainda não exploradas como as de jogos voltados para a educação popular, a educação de jovens e adultos ou educação indígena (GARCEZ; SOARES, 2017).

Na etapa de aplicação do jogo, pode haver decisões coletivas para definição de critérios, modificação ou estabelecimento de novas regras consensuais entre os jogadores que pareçam mais adequadas para se alcançar os objetivos previstos. Assim, uma elaboração e aplicação de jogos educativos adequadas ao ensino de química estimulam a troca de ideias, a atitude de cooperação e a interação entre os estudantes, bem como motiva sua participação como sujeitos ativos durante o desenvolvimento da atividade (CUNHA, 2012; LAPA;

SILVA, 2018).

Ainda nesta etapa podem ser aplicadas atividades avaliativas anteriores e posteriores à realização do jogo. As anteriores servem como forma de se determinar os conhecimentos

prévios dos estudantes e as posteriores como instrumento de coleta de dados para avaliar como se dá a condução do jogo e o processo de aprendizagem para assim melhorar a sua aplicação futura. Ao condutor também cabe propor desafios que sirvam como recursos que auxiliem na aprendizagem dos conteúdos. Para isso, deve estar atento a formulação de esquemas e tomadas de decisões estratégicas pelos jogadores, para que possa lidar com as deficiências de aprendizagem e tratar indiretamente o erro, operando nas formulações das representações mentais e na criação de argumentos pelos alunos (ANJOS, 2018; FREITAS, ANJOS 2018). Ao levantar questionamentos para que os próprios estudantes descubram a solução do problema e prestem atenção a alguns detalhes importantes, o condutor estimula a continuidade do jogo para superação de obstáculos, fortalecendo uma atitude de aprendizagem permanente (CUNHA, 2012; LAPA; SILVA, 2018; ZABALA, 1998).

Da mesma maneira, na etapa de comunicação e socialização dos resultados, para que haja um maior reconhecimento e desenvolvimento do campo de pesquisa do lúdico em ensino de química, os trabalhos de divulgação ainda precisam ser acompanhados de uma melhor exposição das possibilidades pedagógicas dos jogos, de forma que expresse a riqueza da atividade desenvolvida. É indispensável que se supere na discussão sobre aprendizagem de química por meio dos jogos o costume que se estabeleceu entre os pesquisadores de averiguar o desempenho deste recurso apenas por meio da aplicação de exames para obtenção de notas e de questionários sobre a aceitabilidade dos jogos entre os estudantes, pois estes geralmente não deixam claro se ao final da atividade lúdica os alunos ficaram mais interessados no conteúdo abordado pelo jogo ou no próprio ato de jogar, enquanto aqueles somente verificam o resultado final do processo, não fornecendo informações diagnósticas sobre a qualidade da aprendizagem, sobre como as características intrínsecas ao jogo levaram à apropriação do conteúdo químico pelo jogador, sobre como o recurso possibilita a interação e a troca de conhecimento, sobre como o jogo impulsiona as discussões, os reconhecimentos de erros e o estímulo ao estudo entre os jogadores (GARCEZ; SOARES, 2017).

Somente o esforço e o aprimoramento na elaboração, a atenção e a sagacidade na aplicação e a habilidade e competência em se avaliar e divulgar os resultados encontrados em pesquisas sobre a utilização de jogos educativos formais para o ensino de química no Brasil é que permitirão o estabelecimento e legitimação deste campo diante da comunidade acadêmica.