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CAPÍTULO III- EM BUSCA DA EDUCAÇÃO INFANTIL

3.2. Algumas contribuições da Pedagogia da Infância

Só vemos o que nossa mente nos permite conhecer. (FARIA, 2004, p.65)

Ao pensar em uma pedagogia para a infância, precisamos dar importância, conforme afirma Faria (2004), ao que vemos e as experiências que vivemos, aos nossos sentimentos e a forma de conhecermos o mundo, para, então, olharmos por outras perspectivas e fazer este exercício a fim de perceber de que forma as criança realizam essas mesmas ações e buscar a construção de uma pedagogia que proporcione possibilidades da criança ser, fazer, sentir e pensar.

Talvez o olhar ao contrário e ver o mundo de ponta-cabeça possa nos aproximar da forma com as crianças se sentem. Talvez seja possível enxergar seu protagonismo, suas ações dentro do processo de uma educação

emancipatória. (FARIA; FINCO, 2011, p. 5).

Outra fala que consideramos importante é de Cerisara (2004), quando afirma que a criança, desde muito pequenas, possuem uma história e fazem cultura. Para discorrermos sobre a pedagogia da infância precisamos pensar a criança enquanto protagonista.

Falar em pedagogia da infância é pensar em buscar por uma pedagogia comprometida com a infância, ou seja, precisamos nos preocupar não apenas no que fazer para nossas crianças, mas precisamos pensar em uma pedagogia construída com elas.

Concordamos com Faria (2004) quando aponta que é dever dos profissionais da educação fornecer desde cedo experiências que possam ser experimentadas junto com as crianças a fim de perceber novas formas de ver o futuro da educação infantil, ou seja, “repensar a relação entre a pedagogia da infância e o protagonismo infantil, em um projeto de

cumplicidade do adulto com as crianças, na construção de conhecimentos” (FARIA; FINCO, 2011, p. 6).

A autora se apoia no poema de Clarisse Lispector que diz “por pertencer, ter a vontade de dar o melhor de si” (apud FARIA, 2004, p. 68), ou seja, é necessário ao se ver enquanto profissionais comprometidos com o próprio trabalho, que se busque fazer o melhor para se tomar por esse pertencimento, e consentir desenvolver o próprio potencial, para a partir disto, poder elaborar uma proposta a fim de desenvolver o potencial nas crianças com as quais o professor trabalha.

Ao tomarmos como partida a criança enquanto sujeito de direitos, garantidos por leis e diretrizes nacionais que tem se preocupado em garantir o atendimento adequado em uma instituição educativa não apenas assistencial, mas promotora de educação e cuidado voltado para o desenvolvimento integral da criança, requer pensarmos os diversos aspectos e especificidades que envolvem a educação infantil e o que se tem proposto para trabalhar com as crianças menores de cinco anos.

Faria (2005) tem apontado em suas obras, a necessidade do profissional da educação aprender a ouvir as crianças, pois para se desenvolver uma pedagogia com elas e para elas, partimos do pressuposto que elas têm fala, têm um papel social, têm direitos, produzem cultura, que se relacionam com as demais pessoas e que desta interação ela estabelece elementos para entender e representar o mundo, e vai construindo significados a partir da influência do meio em que vive (CERISARA, 2004).

Diante disto, como os profissionais de educação infantil percebem as crianças de 0 a 3 anos? Como trabalhar com as crianças a fim de potencializar o seu crescimento respeitando seus direitos fundamentais e sua criatividade? O que significa ser criança no Brasil? E no Estado de São Paulo? E no município? As questões não se calam, e não terminam, e são aqui colocadas como elementos de reflexão, mesmo elencando algumas para o texto deste trabalho. Muitas outras, porém, ficam gritando para serem postas em questionamento no sentido mais variado no que se refere às crianças e as infâncias. Mas, afinal, qual é a intenção de se propor tantas questões para pensar a educação infantil? A discussão aqui apresentada tem a preocupação de elencar elementos que possam contribuir com uma proposta pedagógica e com a construção de uma pedagogia destinada à infância, “uma pedagogia da diferença, da escuta, das relações” (FARIA; FINCO, 2011, p. 3).

Campos (1992) demonstra, na obra “Creches e Pré-Escolas no Brasil”, quantos são os investimentos destinados às crianças menores de cinco anos de idade, e aponta que as

famílias com renda mais baixa são as que possuem o maior número de crianças e também se tornou o grupo que são menos priorizados dentro das políticas sociais no Brasil (CAMPOS,1992).

Esta informação demonstra, também, que as indignações dos pesquisadores e profissionais da área têm questionado o âmbito da infância enquanto uma questão pública, o que nos ajuda a entender a grande expansão de estudos voltados para os pequenos, em estudos acadêmicos preocupados em realizar debates teóricos voltados para as crianças menores de cinco anos.

As DCNEI (BRASIL, 2010) colocam como definição de criança um sujeito histórico e “de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura” (BRASIL, 2010, p.12).

A concepção de criança que possuímos, portanto, é o que vai influenciar na proposta de práticas pedagógicas para o trabalho com elas. O que realmente acreditamos que a criança é capaz de fazer? Aqui é bom lembrar o que Assis (1998) diz sobre as crianças:

Crianças pequenas são seres humanos portadores de todas as melhores potencialidades da espécie:

*inteligentes, curiosas, animadas, brincalhonas em busca de relacionamentos gratificantes, pois descobertas, entendimento, afeto, amor, brincadeira, bom humor e segurança trazem bem estar e felicidade;

*tagarelas, desvendando todos os sentidos e significados das múltiplas linguagens de comunicação, por onde a vida se explica;

* inquietas, pois tudo deve ser descoberto e compreendido, num mundo que é sempre novo a cada manhã;

* encantadas, fascinadas, solidárias e cooperativas desde que o contexto a seu redor, e principalmente, nós adultos/educadores, saibamos responder, provocar e apoiar o encantamento, a fascinação, que levam ao conhecimento, à generosidade e à participação. (BRASIL,1998, p.6).

Diante de toda essa riqueza, ainda, presenciamos práticas reprodutoras, escolarizantes, institucionalizadoras, as quais insistem em desenvolver um trabalho com as crianças no sentido de “ discipliná-las a partir da exigência de silêncio, repetição e memorização, fazendo da infância um momento, não de experiências e de inventividade, mas de repetição e memorização de conteúdos sem nenhum significado” (MORUZZI; TEBET, 2010, p. 28).

Pode-se concordar com Cerisara (2004), quando afirma que para ser professor de educação infantil, se faz necessário ter uma formação diferenciada e que contemple as

especificidades da educação infantil, ou seja, que difere da formação dos profissionais dos primeiros anos do Ensino Fundamental. Requer-se, também, pensar a creche enquanto espaço de produção de conhecimento, de formação continuada para os profissionais observarem a criança, escutá-la e refletir sobre as experiências de aprendizagem que lhes estão sendo oferecidas .

Cerisara (2004) afirma ainda, que para elaborar uma Pedagogia da Educação Infanti,l é preciso pensar em educação e não em ensino, isto é, a criança não precisa se embasar em aprendizagens de conteúdos disciplinares, e sim, em propostas que lhe sejam significativas para o seu crescimento e desenvolvimento enquanto pessoa. Precisa-se ver a criança da educação infantil e não tratá-la como crianças . O foco da educação infantil não “está nos processos ensino-aprendizagem e, sim, nas relações educativo-pedagógicas” (CERISARA, 2004, p.9).

Oliveira e Tebet (2010) afirmam que é a visão “autocêntrica” que atrapalha o trabalho do professor em perceber a criança enquanto ator social, que interage no meio em que vive, produz cultura e busca atrelar sentido as coisas a sua volta, maneira, esta, de ver o mundo da qual o adulto está ainda muito distante de perceber, e sendo assim, se reforça a necessidade de preservar-lhes a singularidade .

Acreditamos que para romper com estas maneiras de ver a criança, se faz necessário pensar atitudes de mudança, que conforme propõe Cerisara (2004), essa mudança precisa ser no sentido de reconhecer que não conhecemos as crianças e as suas formar de ser e criar, e que este conhecer as crianças, tendo um olhar voltado para o plural da infância se torna um grande desafio, e ao mesmo tempo uma ação primordial para a Pedagogia da Infância.

Uma grande tarefa posta para esse campo em construção se refere em dar visibilidade a uma criança “concreta, que difere de uma criança homogeneizada, em conhecer as especificidades das crianças e das infâncias das camadas populares, que pode ser pobre, negra, menino ou menina, com marcas regionais e dialetais e acabam sendo excluídas da história" ( FARIA e FINCO, 2011, p. 8-9).

Para este entendimento da criança, estudos têm sido desenvolvidos na perspectiva da Sociologia da Infância, o qual visa “ construir uma ideia de crianças e de infâncias de maneira positiva, valorizando suas singularidades, linguagens, culturas e estéticas” (OLIVEIRA; TEBET, 2010, p.44). Nesta perspectiva, a criança é colocada como protagonista, e o professor toma isso como partido para se pensar em um trabalho voltado

para sua infância, dando-lhes voz , prestando atenção nas informações oferecidas, a fim de dialogar com os sinais que elas estão emitindo.

Os conhecimentos que temos sobre a infância até agora, conforme nos coloca Quinteiro (2005), nos fornece elementos para entender as condições sociais das crianças no Brasil, saber mais sobre a história da infância (ou da sem infância) e de nossas crianças, fornecendo subsídios para pensar na constituição de culturas produzidas por elas, a partir da forma como compreendem o mundo e as possibilidades de criação a partir desta realidade em que elas vivem.

A partir da Sociologia da Infância e da Cultura da Infância que esperamos ter informações e conhecimentos para compreender que os pequenos produzem

(...) um tipo de cultura na relação com seus pares e com o mundo, que possibilita a construção simbólica de um conjunto de saberes sobre o mundo que a rodeia e que possui uma especificidade que a distingue do adulto. A criança representa e ressignifica seu contexto e as informações recebidas pelos adultos por meio das produções simbólicas do brincar e do desenho. Entendemos que as produções simbólicas são as maneiras pelas quais as crianças dão sentidos e significados as coisas. É a partir das vivencias das crianças por meio do brincar, desenhar, inventar, construir que elas simbolizam e vão construindo sentidos próprios ao mundo em que vivem. Dessa forma, a cultura da infância não pode ser pensada no singular, trata-se na realidade de culturas da infância, no plural, já que são múltiplas as possibilidades de sentidos que podem ser atribuídos ao mundo. (OLIVEIRA; TEBET, 2010, p.39).

Assim, as autoras colocam que a função essencial para pensar na educação dos menores de cinco anos deve se direcionar para que a infância seja experimentada e caracterizada pela invenção, pela brincadeira, pela fantasia, pelas ações pedagógicas voltadas para fazer as crianças potencializarem essas ações através do lúdico.

O que a Sociologia da Infância tem feito é contribuir com pontos centrais para se elaborar o que vem sendo chamado de Pedagogia da Infância (CERISARA, 2004), uma vez que é preciso legitimar a voz das crianças e considerá-las como arquitetas destas novas práticas pedagógicas.

Dentre os documentos elaborados pelo governo federal, os “Critérios para um atendimento em creches que respeita os direitos fundamentais das crianças”, elaboradas por Campos e Rosemberg em 2009, elegem alguns critérios que podem ser tomados como iniciais dentro das instituições de educação infantil no sentido de elaborar uma pedagogia voltada para as crianças.

Mas como realizar todas estas propostas inovadoras para a educação infantil dentro das reais condições ofertadas pelos municípios que oferecem esse nível de ensino? Kramer (1999) aponta a falta da valorização e da construção de espaços que estejam voltados para a arte, história e cultura; da mesma maneira em que enfatiza a falta de espaços sociais públicos pensados para as crianças. Isto significa que brinquedotecas, praças, parques (e estes também são essenciais dentro de uma creche ou instituições de educação infantil que atendam este público infantil), assim como é evidente a falta de espaços próprios dentro dos quais os adultos frequentam e que estejam destinados a criança, pois os museus, bibliotecas, hospitais, bancos e demais setores da sociedade nem sempre possuem uma área destinada a elas, . Quando muito, podemos encontrar uma parte ou um parque dentro de shoppings que têm algum atrativo infantil para os adultos deixarem suas crianças enquanto fazem suas compras.

Disto, resume-se a importância de garantir nas creches e pré-escolas espaços para que as crianças brinquem, criem, explorem, aprendam, pois este local é o que lhes constitui como espaço público , o qual também garante os seus direitos e atende a necessidade das famílias. E se essa instituição, feita para a criança não estiver destinada a colocá-la como prioridade e como protagonista, em que outro espaço da sociedade ela terá oportunidade de vivenciar tudo isso?

Mesmo diante de tantas dificuldades, além das precárias condições de trabalho, de um espaço físico que nem sempre é adequado para as crianças, sem contar com a desvalorização sofrida pelos profissionais que nela atuam, sua respectiva responsabilidade e a falta de reconhecimento como pessoas importantes para a formação das crianças,ainda preferimos acreditar no que Cerisara (2004) propõe, tendo em vista este cenário, uma vez que não estamos pensando que

(...) cruzemos os braços e esperemos que as determinações legais de repente, como num passe de mágica, sejam cumpridas. Não podemos nos dar a esse luxo porque as crianças estão lá nas instituições e não vão deixar de ser crianças para esperar que estejamos prontos para educá-las em nossas instituições. (CERISARA, 2004, p. 13).

Esperar. Qual o significado de esperar para as crianças? Conforme aponta Mistral (1938) o esperar é para o adulto, pois nesta faixa etária, sabemos esperar pelas coisas que precisamos, que buscamos e que lutamos, mas as crianças não esperam, elas não podem esperar. Esperar por professores que sejam bem formados, por espaços adequados para atendê-las, com políticas preocupadas em vê-las e assegurá-lhes o mínimo de “qualidade”.

Para as crianças “não podemos responder “amanhã”. O seu nome é “hoje” ”. (MINISTRAL, 1938, p. 4616 apud FARIA e FINCO, 2011, p.1).

Precisamos nos preocupar em direcionar nossos esforços para construir uma pedagogia da infância que garanta os direitos das crianças e o direito a melhores condições de atendimento dentro das instituições de educação infantil para todas elas, pois com já disse Faria (2007), independente de sua condição financeira destas crianças, da raça ou cor, do seu gênero, nacionalidade, com necessidades educativas especiais ou não, elas continuam sendo crianças e precisam ser respeitas em sua singularidade.

Tendo em vista que vivemos em um país com uma ampla diversidade cultural e, portanto, a “ organização do espaço deve contemplar a gama de interesses da sociedade, das famílias e prioritariamente das crianças atendendo as especificidades de cada demanda possibilitando identidade cultural e sentido de pertencimento” (FARIA, 2007, p. 70).

Acreditamos que as palavras de Mello (2004) são fundamentais para compreender que só realizaremos uma pedagogia da infância voltada para a valorização das culturas infantis a partir do momento em que proporcionarmos a elas oportunidades de crescimento cultural, para que ela vá internalizando e atribuindo sentido as experiências mais marcantes que vivenciou. Devemos considerar que para aumentar a

(...) quantidade e a qualidade do acesso da criança à cultura acumulada garantem a formação e o nível em que se dará a formação de sua inteligência e de sua personalidade. Quanto maior e mais diversificado for o acesso da criança à cultura, mais alto o nível de formação de sua inteligência e personalidade. (MELLO, 2004, p.70)

O que significa, portanto, que devemos proporcionar momentos diversificados com elementos da cultura, ou de culturas, que ajudem a criança a elaborar o conhecimento a partir de sua participação efetiva nesse processo de construção.

Ao atribuir significado ao que vai conhecendo, ela aumenta o seu repertório cultural e vai aprofundando em nível de complexidade os processos que nos formam enquanto participantes de uma determinada sociedade e de uma determinada cultura,

nos construindo enquanto atores sociais neste processo. Elencamos nas palavras de Finco (2010) a preocupação para exercitamos o olhar para

as crianças e consequentemente refletirmos sobre o profissional que queremos ao lado delas, o que nos faz pensar na formação de professores para “ a emergência de novas pedagogias, que

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promovam e recebam “ com bons olhos” a transgressão, a incerteza, a complexidade, a diversidade, a não linearidade, a subjetividade, as perspectivas múltiplas e as especificidades espaciais e temporais” (FINCO, 2010, p.175).

Para finalizar, Faria (2011) defende que precisamos rever as formas como a educação tem sido trabalhada nesta idade, de forma a “ superar aquela educação reprodutora que didatiza o lúdico, patologiza a infância e reduz a educação ao ensino” (FARIA, 2011, p. xvi) para promover uma educação que valorize o convívio com as diferenças, que priorize as expressões infantis, que agregue as famílias nas creches e optando pelo brincar como um “favorecedor de descobertas” ( FARIA, 2011).