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CAPÍTULO III- EM BUSCA DA EDUCAÇÃO INFANTIL

3.3. Educar e cuidar

A concepção de cuidar das crianças neste estágio de vida caminhou ao lado da história das instituições de educação infantil, preservando a saúde e os cuidados físicos básicos para a sobrevivência fora das famílias. Com o passar do tempo foi se percebendo a necessidade de se realizar um trabalho educativo com as crianças que frequentavam estas instituições, exigindo dos profissionais posturas diferenciadas, e atitudes que integrassem o cuidar com o educar.

Quando se aponta a dimensão do cuidar, a primeira perspectiva que aparece se refere à realização de atividades que estejam preocupadas em preservar o sono, a higiene e a alimentação das crianças.

Entende-se que promover um ambiente acolhedor e seguro a elas é fundamental para que a Educação Infantil aconteça, mas a preocupação é que ele sempre esteja atrelado ao educar, pois no momento em que as crianças estão frequentando um ambiente público e convivendo com pessoas da sua mesma faixa etária, relações serão construídas e culturas serão produzidas (FARIA, 2000).

Ressalta-se a importância da contribuição teórica de Craidy (2011) que é “equivocado afirmar que só agora as creches e pré-escolas se transformaram em instituições educativas. Elas sempre foram educativas, já que é impossível cuidar de crianças sem educá- las” (CRAIDY, 2011, p. 61).

As DCNEI (BRASIL, 2009) apontam para a necessidade do professor de educação infantil ajudar a criança a adquirir autonomia para cuidar de si mesma, ação esta completamente educativa, que depende de um planejamento e uma organização por parte dele

e da instituição, a fim de preparar atividades que facilitem este processo. A criança vai aprender a cuidar de si mesma e desenvolver sua autonomia “se puder, vivenciar cuidados cotidianos de qualidade” (ORTIZ, 2007, p.12).

O educar está indissociado do cuidar, uma vez que ao fornecer elementos lúdicos, acolhendo a criança e garantindo-lhe um ambiente em que possam construir ações significativas, permitirão que elas se apropriem de aprendizagens que serão necessárias por toda a vida. Deste modo, a instituição de educação infantil como um todo precisa fornecer condições para as crianças explorarem os ambientes de maneiras diversas e ir adquirindo as formas culturais de agir e pensar17.

Para que isto aconteça, conforme afirma Rosemberg (1996), é necessário que haja na formação de professores uma preparação para lidar com o binômio educar e cuidar, pois sem a base na sua formação, como estes desenvolverão um trabalho coerente com que se espera para a educação infantil? A autora afirma ainda que “não é naturalmente que se aprende a educar e cuidar de crianças pequenas em grupo oferecendo-lhes um atendimento de qualidade” (ROSEMBERG, 1997, p.11).

As relações educativas na educação infantil precisam perpassar as funções de cuidar e educar, tendo em vista a higiene, a proteção, alimentação e ao acesso ao conhecimento sistematizado, mas se as relações precisam ser baseaadas nesta indissociabilidade, por que os profissionais de educação não potencializam ações educativas durante as situações de cuidados com as crianças? Que concepções de criança vem permeado seu espaço de atendimento? Que atividades e que propostas curriculares vêm sendo desenvolvidas com as crianças de 0 a 3 anos?

Campos (1999), Kramer (1995) e Oliveira (2011) apontam que as creches do Brasil predominam um modelo de atendimento voltado para ações assistencialistas, no que se refere aos cuidados quanto à alimentação, a higiene e ao controle das crianças, como demonstra a maioria dos diagnósticos e dos estudos de caso realizados em creches brasileiras (BRASIL, 2006).

Ao contrário do que se pensam, as ações realizadas na creche possuem uma intencionalidade educativa e um planejamento pedagógico para programar atividades que serão desenvolvidas na rotina da creche e da pré-escola, onde a criança vai interagir, estabelecer relações a aprender a se respeitar, a respeitar o outro e ser respeitada. A partir do

17 O que requer do profissional uma atenção especial às necessidades das crianças e na forma com que se refere a elas, para que forneça exemplos educativos de cuidados pessoais e das formas de relação entre os grupos.

momento que o professor planeja suas ações e que profissionais formados são colocados nos ambientes das instituições de educação infantil, o caráter e a finalidade desta instituição se tornam educativas, nos quais os professores cuidam educando e educam cuidando.

Pode-se fazer dos questionamentos de Cerisara (2004) nossos próprios questionamentos no que se refere à especificidade da educação infantil, uma vez que neste âmbito ainda presenciamos a separação do cuidar e do educar, o que precisa de fato ser questionado, ou seja,

(...) O que significar cuidar? Até onde vai a educação e o cuidado? Onde começa um e outro? Será que educar já não contempla o cuidar? Se o cuidado faz parte da vida humana e é constitutivo de todas as relações entre seres humanos, será que é necessário utilizá-lo na Educação Infantil? Que benefícios e que prejuízos à expressão “educar e cuidar de forma indissociável” têm trazido para o trabalho com as crianças? (CERISARA, 2004, p. 12 e 13, grifo nosso).

O grande panorama de discussões na educação infantil está pautado no binômio educar e cuidar, o que comprova que ainda não se tem determinado as concepções para se desenvolver um trabalho na educação infantil. Acreditamos em Cerisara (1999) quando afirma que as instituições de educação infantil e as relações construídas com as escolas e com as famílias, possibilita a visualização de que se defendeu, e ainda hoje, presenciamos um papel pedagógico para estas instituições no sentido da

(...) valorização das atividades ligadas ao ensino de alguma coisa, à transmissão de conhecimentos, muitas vezes reproduzindo ou antecipando as práticas condenadas pelas próprias escolas de ensino fundamental em que são valorizadas as atividades dirigidas, consideradas como pedagógicas. Essa interpretação reducionista do pedagógico acabou por trazer para as creches e pré-escolas uma desvalorização das atividades ligadas ao cuidado das crianças pequenas. Essa dicotomização entre as atividades com um perfil

mais escolar e as atividades de cuidado, revelam que ainda não está clara uma concepção de criança como sujeito de direitos, que necessita ser educada e cuidada, uma vez que ela depende dos adultos para sobre viver e

também pelo fato de permanecer muitas vezes de 10 a 12 horas diárias na instituição de educação infantil. (CERISARA, 1999, p. 16, grifo nosso). Essa não definição dá espaço para atuações que ora se colocam enquanto uma preparação para o ensino fundamental, que busca desenvolver atividades que tenham a finalidade de escolarizar os pequenos para que cheguem preparados e, muitas vezes, até alfabetizados para o ensino fundamental. Por outro lado, percebemos as posturas assistências

e rotineiras, que não se preocupam com o desenvolvimento cognitivo das crianças, optando por ações “mais fáceis” para realizar com elas, durante a rotina imposta das creches.

Devido a isso percebemos ações mecanizadas de cuidado sem se preocupar com o desenvolvimento da autonomia da criança, deixando ela “livre” nos espaços, com interferências no que diz respeito à preservação da saúde e da integridade física da criança.

Os documentos mais recentes, como Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2006); Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças (BRASIL, 2009); Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 1999); Indicadores de Qualidade na Educação Infantil (BRASIL, 2009), dentre outros apontam a indissociabilidade entre o cuidar e o educar na educação infantil.

De acordo com os RCNEI (BRASIL, 1998c) educar significa

(...) propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis. (BRASIL, 1998c, p. 23).

E o cuidar também é definido pelo documento da seguinte maneira:

A base do cuidado humano é compreender como ajudar o outro a se desenvolver como ser humano. Cuidar significa valorizar e ajudar a desenvolver capacidades. O cuidado é um ato em relação ao outro e a si próprio que possui uma dimensão expressiva e implica em procedimentos específicos. O desenvolvimento integral depende tanto dos cuidados relacionais, que envolvem a dimensão afetiva e dos cuidados com os aspectos biológicos do corpo, como a qualidade da alimentação e dos cuidados com a saúde, quanto da forma como esses cuidados são oferecidos e das oportunidades de acesso a conhecimentos variados. (BRASIL, 1998c, p. 24).

Nestas perspectivas o RCNEI (BRASIL, 1998) demonstra a necessidade de se integrar ações educativas com as de cuidado, considerando-as como parte integrante da educação infantil, sem hierarquizar nem delinear diferenças entre os profissionais da creche e os da educação infantil.

O discurso oficial atual tem se pautado em torno da qualidade, demonstrando que as ações educativas e de cuidado devem estar voltadas para construir um contexto condizente com o que vem sido apontado como qualidade para a educação infantil, respeitando a criança e o seus direitos e promovendo uma proposta pedagógica que leve em consideração as questões ambientais, culturas e da diversidade como um todo, as quais devem subsidiar o trabalho diário com as crianças.

De acordo com Craidy e Kaercher (2001), as ações planejadas pelo professor precisam estar contextualizadas com a proposta pedagógica da instituição infantil, a qual deve permear pelo planejamento a intenção de se desenvolver a identidade e a autonomia das crianças. A intencionalidade no cuidado que vai promover ações educativas voltadas para a formação de “quem sou eu”, “como me relaciono com o meu próprio corpo”, a fim de se promover a identidade e a autonomia da criança.

O docente, ao buscar por uma formação social e pessoal, com atitudes planejadas para o acolhimento desta criança, pode participar efetivamente dos momentos de cuidado, que faça a criança compreender e construir significados sobre as ações que são desenvolvidas. O estabelecimento de vínculos também é importante para a relação entre o educador e a criança, no sentido em que ela não se sinta invasiva, e sim confortável diante do toque do professor em momentos de banho, alimentação e sono, que estes momentos seja prazerosos.

O cuidar e o educar estão associados às situações de alimentação, banho, troca de fraldas e demais ações realizadas pelo professor na creche. As crianças estão aprendendo tudo o que acontece dentro da instituição, então, tudo o que acontece nela vira conteúdos de ensino.

Para exemplificar essa situação podemos tomar como um elemento inicial a refeição dentro da creche, apontando alguns conteúdos de ensino presentes neste momento, tais como: aprender a segurar diferentes talheres; aprender o que significa uma situação de refeição dentro de nossa cultura; aprender a sentar-se à mesa; aprender sobre os alimentos que está ingerindo e a importância deles para o bom funcionamento de seu organismo; aprender texturas, cheiros e sabores, enfim, uma série de elementos os quais podem ser abordados durante a alimentação.

Porém, o que percebemos é que eles estão desconexos dentro da creche, pois ,em nossa cultura, o sentar-se à mesa para uma refeição significa um momento de trocas com o outro, de conversas, de estar junto, e na creche ela precisa ficar quieta, sentada, sem fazer barulho, sem mexer na comida. Ou seja, este exemplo demonstra ainda mais a necessidade de

se planejar este momento dentro da rotina, e tomar a alimentação como uma intencionalidade de ensino dentro do planejamento do professor.

Rosemberg (1990) coloca que é por meio da alimentação que se pode trabalhar as noções de quantidade, tamanho, textura, forma, além de poder ressaltar a questão da transformação dos alimentos através das receitas, e ajudar trabalhar os cinco sentidos, e nas sensações que os alimentos proporcionam (pegar, cheirar, olhar, sentir o sabor, temperaturas dos alimentos, etc.).

A autora também aponta a necessidade dos professores não chantagearem as crianças usando como forma de controle do comportamento, uma vez que se percebe que os professores buscam punir as crianças ameaçando deixar sem sobremesa ou sem suco, para que as crianças fiquem quietas, e o fato de ficar gritando com elas são atitudes que prejudicam o momento da alimentação das crianças.

Outro aspecto que vem atrelado ao cuidar é o brincar, termos, que conforme diz Kishimoto (1993), precisam andar sempre juntos pois quando a criança brinca ela está aprendendo a ser social, a fazer amizade, aprende sobre o seu próprio corpo, expande movimentos, explora os sentidos, entra em situações imaginárias e simbólicas.

A autora aponta que até os dois anos a criança aprende diferentes maneiras de lidar com a mesma situação, de sentar, de dançar, de dar de comer e a criança começa a imitar essas ações que ela observa na sociedade, sendo este, o primeiro processo de evolução dentro da brincadeira. A partir da três anos, ela começa a associar o fato de dar de comer a função de uma mãe e/ou de sua professora, que realizam esta atividade com ela, passando para além do imitar a representar um papel social.

Essas mudanças significam a forma que a criança perceberá o mundo, demonstrando de que maneira ela reconhece os papéis que ela pode/quer assumir (se ela quer representar a mãe dela, a mãe de um colega ou de uma história ou de um desenho, etc), sendo que ela discrimina, segundo a autora, um papel exercido por um adulto na sociedade, depois entra no faz-de-conta, que a ajudará resolver conflitos, a se socializar e não fica apenas mais na imitação. Concorda-se com o RCNEI (BRASIL, 1998) quando este afirma que educar significa “propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens” (BRASIL, 1998c, p. 23).