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COMO RECURSO DE FOCALIZAÇÃO NAS LÍNGUAS HUMANAS

1.2. R EVISANDO O FENÔMENO DA CLIVAGEM

1.2.3. Algumas restrições sobre a clivagem

Nesta seção, discuto brevemente duas restrições à clivagem encontradas em diferentes línguas: a primeira tem a ver com a tipologia de línguas e a segunda restrição está relacionada com a estrutura do constituinte que pode ser focalizado pela clivagem.

Com relação à tipologia de línguas, Kato e Ribeiro (2005; 2006) mostram que só faziam parte do português arcaico as construções de clivagem em que o verbo não aparece

23 Observe-se que, para Sornicola (1988), assim como para Lambrecht (2001), sentenças “It was Jonh who

arrived” e “It was Jonh that arrived” são ambas it-clefts. A diferença reside na concordância do complementizador.

na primeira posição pelo fato de o português arcaico ser uma língua com características de língua V224:

(37) a. DEUS PODEROSO seja aquele que te livre. (KATO e RIBEIRO, 2006, p. 175) b. A DEMANDA DO SANTO GRAAL é que, [...] em tam mostrará a estes

homees bõos e a estes bem aventurados as maravilhas que andam buscando do Santo Graal. (adaptado de KATO e RIBEIRO, 2006, p. 176)

Kato e Ribeiro (2005; 2006) promovem uma discussão sobre a clivagem e línguas V2 e mostram, com dados diacrônicos, que é com o enfraquecimento da propriedade V2 nas línguas que começam a aparecer as it-clefts. Em seguida, promovem uma discussão teórica sobre a checagem de foco em diversas línguas e mostram que línguas de tipo V2 só acionam o CP matriz para a checagem de foco na clivagem, enquanto línguas não V2 podem acionar as duas posições. Desta forma, as sentenças com cópula inicial ficam impedidas, exceto em subordinadas, onde a propriedade V2 não era obrigatória no português arcaico25:

(38) a. Esto creo que é PER DEUS que os homens se lavam de seus pecados em aquele Nitrea, como o nitro lava o vidro de todo lixo.

(KATO e RIBEIRO, 2006, p. 176)

A segunda restrição tem a ver com a estrutura do constituinte focalizado. Negrão, Scher e Viotti (2003) e Mioto, Figueiredo Silva e Lopes (2004) mostram que apenas constituintes inteiros podem ser clivados. Inclusive, usam o teste da clivagem para desfazer a ambigüidade estrutural de determinadas sentenças como:

(39) O garoto bateu na velha com a bengala.

24 Sobre a sintaxe da ordem no português arcaico, ver Ribeiro (1995).

25 Conforme comentam Fontana (1993) e Ribeiro (1995), as línguas V2 até então estudadas têm sido

classificadas em dois grupos: a) línguas com V2 simétrico, nas quais o efeito V2 se manifesta tanto em sentenças matrizes como em subordinadas, tais como o islandês e o iídiche. Neste tipo de línguas, o V2 seria derivado a partir de um IP sincrético, que, ora se comporta como uma posição A, ora se comporta como uma posição A-Barra25; b) línguas com V2 assimétrico, no qual o efeito V2 se manifesta apenas em orações principais, como algumas línguas germânicas, como o alemão e o holandês. Neste tipo de línguas, o fenômeno V2 é derivado a partir do movimento Iº-to-Cº realizado pelo verbo finito.

(40) a. Foi na velha com a bengala que o garoto bateu. b. Foi na velha que o garoto bateu com a bengala.

A discussão sobre (39) se refere ao fato de se “a velha com a bengala” é um constituinte inteiro ou não. O teste da clivagem em (40) vai mostrar que existem as duas possibilidades e que a interpretação será diferente dependendo da escolha que se faça. Se “a velha com a bengala” for considerado um constituinte inteiro, como ilustrado em (40a), a interpretação é de que a velha estava segurando a bengala. Por outro lado, se “a velha com a bengala” for considerada dois constituintes diferentes, como ilustrado em (40b), a bengala será entendida como o instrumento com o qual o garoto bateu na velha. Por esta razão, as construções em (41c) e (41d), abaixo, são agramaticais.

(41) a. Me gusta el tirador del cajón del escritorio de Juan.

b. Lo que me gusta es el tirador del cajón de escritorio de Juan. c. *De Juan es de quien me gusta el tirador del cajón del escritorio. d. *Del cajón del escritorio es de lo que me gusta el tirador.

(MORENO CABRERA, 1999, p. 4287)

(41c) e (41d) são agramaticais porque o elemento que está sendo clivado faz parte de um outro constituinte, como se pode notar a partir de (41a): “Del cajón del escritorio” e “De Juan” são adjuntos do nome, portanto, fazem parte do nome e não são cliváveis.

No entanto, (42) é possível porque o elemento clivado não faz parte de um DP, senão é um próprio DP selecionado pelo verbo “quitar”:

(42) Del cajón del escritorio de Juan fue de donde quité el tirador.

(MORENO CABRERA, 1999, p. 4287)

Além dessa restrição, de o elemento clivado dever ser obrigatoriamente um constituinte inteiro, Moreno Cabrera (1999) apresenta outras restrições à clivagem:

1) modificadores de oração:

(43) a. Juan habla de planificación familiar.

b. *Familiar es como Juan habla de planificación

(MORENO CABRERA, 1999, p. 4288)

2) elementos de uma coordenação:

(44) a. Juan no habla de política y de sexo.

b. *De sexo es de lo que no habla Juan y de política.

(MORENO CABRERA, 1999, p. 4288)

3) elementos de oração relativa:

(45) a. El hombre que nos advirtió del peligro se llama Pedro.

b. *Del peligro fue de lo que el hombre que nos advirtió se llama Pedro.

(MORENO CABRERA, 1999, p. 4288)

4) elementos de uma oração subordinada adverbial:

(46) a. Juan irá a donde el coche atropelló ayer a la mujer.

b. *A la mujer fue a quien Juan irá a donde el coche atropelló ayer.

(MORENO CABRERA, 1999, p. 4289)

5) elementos de uma oração subordinada substantiva objetiva:

(47) a. Juan insistió en que Pedro había cogido el libro.

b. *El libro fue lo que Juan insistió en que Pedro había cogido.

Os exemplos ilustrados em (45-47) são contextos de ilhas, dos quais não se podem retirar elementos26.

Sintetizando, as duas restrições principais impostas sobre a clivagem são: a) línguas V2 não apresentam clivada básica nem pseudo-clivada extrapostas em sentenças matrizes por estas construções serem encabeçadas pela cópula, o que fere a ordenação V2. As CL e as PCE podem ser licenciadas em sentenças matrizes quando aparece um elemento antes da cópula que satisfaça o requisito V2, como é o caso da negação, e em sentenças subordinadas quando a língua não for obrigada a seguir a ordem V2 nas subordinadas27; b) os constituintes clivados não podem fazer parte de ilhas, tendo em vista que as ilhas não permitem que seus elementos sejam movidos para outra posição fora dela.