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COMO RECURSO DE FOCALIZAÇÃO NAS LÍNGUAS HUMANAS

1.1. A FOCALIZAÇÃO NAS LÍNGUAS HUMANAS

1.1.4. Alteração da ordem básica

Hernanz e Brucart (1987, p. 94-99) e Zubizarreta (1999, p. 4232-4241) analisam as variações na ordem dos constituintes como recurso de focalização. Conforme proposto por Zubizarreta (1998), a inversão da ordem tem a finalidade de satisfazer requerimentos fonológicos de situar o elemento na posição mais encaixada da sentença, como é o caso da focalização do sujeito. Contudo, quando o foco é contrastivo, tal requerimento fonológico não necessita ser satisfeito. Admitindo que a ordem básica do espanhol é SVO10, vejam-se alguns exemplos de ordenação possível na focalização.

(12) a. Se comió un ratón el gato. VOS – S é o foco

b. Ayer discutieron sobre el problema los congresistas. VPS – S é o foco11 c. El gato con botas escondió el queso debajo de la cama. SVOP – P é o foco d. Los alumnos se enfrentaron con la policía. SVP – P é o foco e. Los alumnos colgaron en el aula la bandera francesa. SVPO – O é o foco f. Ayer colgaron los alumnos de primaria la bandera en el

mástil.

VSOP – P é o foco

(ZUBIZARRETA, 1999, p. 4232, 4235)

No caso dos exemplos em (12), que ilustram focos informacionais, o acento deve permanecer na posição mais encaixada. Assim, há alteração da ordem básica, que seria SVO(P), a fim de que o elemento focalizado esteja na posição mais baixa. Esse movimento é chamado por Zubizarreta (1998) de P-movement (prosodically motived movement – “movimento motivado prosodicamente”).

No entanto, seguindo o requerimento fonológico de Zubizarreta (1998; 1999), o espanhol não deveria exibir a ordenação VSO, na qual o sujeito é o foco informativo, conforme ilustram os exemplos em (13).

10 Hernanz e Brucart (1987) assumem que a ordem básica do espanhol é SVO. Por outro lado, Zubizarreta

(1999) assume que a ordem básica do espanhol pode ser SVO ou VSO.

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(13) a. Todos los días compra Juan el periódico. (ZUBIZARRETA, 1998, p. 100)

b. Espero que te devuelva Juan el libro12. (ORDÓÑEZ, 1997 apud BELLETTI, 2002, p. 33)

Assim, pode-se questionar, tendo em vista que a regras fonológicas de Zubizarreta (1998) não têm caráter universal, mas são particulares de cada língua, se não estaria acontecendo um processo de mudança lingüística no espanhol.

Por outro lado, quando o elemento focalizado indica um foco contrastivo, o acento pode ser colocado em qualquer posição, bem como pode ser deslocado para a frente da sentença. Neste caso, a inversão verbo-sujeito é obrigatória, exceto quando o próprio sujeito é o foco, como mostram os exemplos em (14) e (15) respectivamente a seguir.

(14) a. El gato de BOTAS rojas se comió un ratón. ... y no el de PANTUFLAS rojas.

b. El GATO de botas rojas se comió un ratón. ... y no el PERRO de botas rojas.

c. El gato de botas ROJAS comió un ratón.

... y no el de botas AZULES. (ZUBIZARRETA, 1999, p. 4231)

(15) a. LAS ACELGAS detesta María. OVS – O é o foco

b. EN PRIMAVERA visitó Juan Leningrado. PVSO – P é o foco

c. PEDRO se casará con María. SVP – S é o foco

(HERNANZ eBRUCART, 1987, p. 94-96 )

Outra observação relevante é que, somente na focalização, os complementos verbais preposicionados podem ser deslocados para a frente da sentença como ilustra o contraste entre a topicalização, em (16), e a focalização, em (17) abaixo:

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Para evitar problemas na análise, Belletti (2002) comenta que está considerando os casos com entonação normal, em que não há pausa entre S e O, como numa sentença com ordem VS#O.

(16) Topicalização

a. *En el paro, el problema reside.

b. *De dos partes el examen consta. (HERNANZ eBRUCART, 1987, p. 95)

(17) Focalização

a. EN EL PARO reside el problema.

b. DE DOS PARTES consta el examen. (HERNANZ eBRUCART, 1987, p. 95)

Nesta seção, apresentei alguns conceitos sobre a alteração da ordem básica, que está relacionada com critérios fonológicos, segundo Zubizarreta (1998; 1999).

1.1.5. A clivagem

Uma outra maneira de focalizar elementos no discurso é a clivagem, que divide a sentença em uma parte pressuposta e outra parte assertiva. A parte pressuposta contém uma relativa livre com uma variável aberta; já a parte assertiva contém um elemento que fixa o valor da variável aberta na parte pressuposta. Veja-se o exemplo em (18):

(18) Fue Juan el que salió.

Parte pressuposta: alguém saiu. Parte assertiva: alguém = João.13

Outros exemplos de construções de clivagem são ilustrados em (19) a seguir:

(19) a. Quien comió la manzana fue PEDRO. b. Fuiste VOS que lo hiciste.

c. EL DULCE DE COCO es lo que más me gusta. d. María leyó fue EL QUIJOTE.

Como foi comentado na introdução deste capítulo, as construções de clivagem são bem-sucedidas apenas nos contextos em que há um par “foco-pressuposição”. Gutiérrez

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Ordónez (2000) fala de estruturas monorremáticas, cuja característica principal é a presença exclusivamente de um rema. No entanto, como nenhuma estrutura é, em termos lógicos, monorremática, deve-se fazer uma pergunta inicial implícita “o que aconteceu?”, que poderá ser respondida com uma construção de clivagem chamada “factiva”, segundo Moreno Cabrera (1999). Neste caso, a construção de clivagem deverá ter, na parte pressuposta, um verbo de evento, como “acontecer” ou “ocorrer”, como em “Lo que pasa es que comimos mucho anoche”.

Por fim, como foi comentado, na Introdução da Dissertação, as línguas podem escolher construções de clivagem diferentes para representar funções discursivas diferentes. Assim, a mesma pergunta em português brasileiro e espanhol, por exemplo, pode ser respondida com construções diferentes, como ilustram os exemplos abaixo:

(20) a. A: Quem chegou?

B: Foi o Pedro que/quem chegou14. B’: Quem chegou foi o Pedro.

b. A: ¿Quién llegó?

B: *Fue Pedro que/quien llegó. B’: Quien llegó fue Pedro.

Os exemplos em (20) mostram que, num contexto de foco informativo, o português brasileiro pode responder com uma clivada básica, com uma pseudo-clivada extraposta ou com uma pseudo-clivada básica, como em (20a), já o espanhol só pode responder à pergunta com uma pseudo-clivada básica como ilustrado em (20b)15. Observa-se que a agramaticalidade de (20bB) não se deve a restrições estruturais, já que esta construção é possível em outros contextos. A restrição se deve a questões meramente discursivas. Então, uma outra questão que se levanta é a possibilidade de haver variação nos usos discursivos da clivagem nas diversas zonas do espanhol. Ou seja, ilustrativamente, o espanhol da

14 Esta sentença é gramatical em PB (cf. C

ÔRTES JÚNIOR, 2006) porém é agramatical em PE (cf. BRITO e DUARTE, 2003). Ver a discussao no item 3.3.3, no terceiro capítulo.

15 Para os usos discursivos de clivagem ver Prince (1978), a última seção de Moreno Cabrera (1999) e

Lambrecht (2001) por exemplo. Para um estudo comparativo da clivagem em diferentes línguas ver, por exemplo, Pinedo (2000), Belletti (2005), Ribeiro (2006) e Conceição Pinto e Ribeiro (2006). Ver também Ilari e Geraldi (1987).

Espanha pode optar por uma estratégia de clivagem em um contexto e, por outro lado, o espanhol do México pode optar por outro tipo de construção nesse mesmo contexto.

Seguindo a linha de pensamento desenvolvida ao longo desta seção, sobre a estrutura informacional da sentença, que refletirá na sintaxe e na fonologia das línguas humanas, apresentei a clivagem preliminarmente dentro de uma visão discursiva. No restante deste capítulo, discuto, como ponto central deste trabalho, as características sintáticas da clivagem, comentando algumas análises que já foram feitas para o fenômeno em diversas línguas, principalmente no português e no espanhol.