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CAPÍTULO 1 – O CURRÍCULO E A IDENTIDADE PEDAGÓGICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: UM DIÁLOGO NECESSÁRIO

1.1 ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

A história do currículo da Educação Física no plano educacional revela o quanto o componente sempre esteve atrelado aos discursos políticos e ideológicos hegemônicos associados aos conhecimentos predominantes no mundo científico em cada momento de afirmação e de transformação dos paradigmas socioeconômicos, políticos e culturais da sociedade moderna. Estudos realizados sobre a inserção da Educação Física no plano curricular educacional indicam que desde a passagem do século XIX para o século XX, o componente buscava um saber pedagógico de tipo novo, moderno, experimental e científico (CARVALHO apud NEIRA; NUNES, 2008).

No início de sua trajetória curricular a Educação Física desenvolveu suas ações determinadas pelas concepções médico-ortopédicas e higienistas que eram representadas na dimensão do currículo pelas ações que visavam a correção de deformidades que incomodavam alguns setores da sociedade e, por outro lado, incentivavam a aquisição de hábitos de saúde e higiene valorizando o desenvolvimento físico e moral a partir da prática regular do exercício físico.

Outra concepção histórica predominante no currículo escolar se relaciona com a perspectiva ginástico desportiva através dos métodos ginásticos propostos pelo francês Amoros, pelo sueco Ling e pelo alemão Spiess. Configurou-se, a partir daí, o que Neira e Nunes (2008) chamam de ‘o currículo ginástico’. Essa concepção estava ligada a condição de formar uma geração capaz de contribuir fisicamente, com a sua força de trabalho sem medir esforços, para o desenvolvimento do processo de industrialização crescente no modelo de sociedade.

O movimento científico positivista também influenciou o currículo escolar da Educação Física com os conhecimentos desenvolvidos pela biologia, anatomia, fisiologia e cinesiologia. Esses conhecimentos se associaram aos movimentos ginásticos desportivos e formaram um corpus de conhecimento curricular que perdura em algumas concepções ligadas à área do exercício físico como coadjuvante de aquisição dos padrões ideais de saúde.

As relações humanistas da Educação Física com os princípios educacionais ocorrem com a ascensão da concepção escolanovista no mundo da educação. A concepção que orientava a escola nova (DEWEY, 1976) considerava que o movimento associado aos processos cognitivos escolares se tornava fundamental para promover

uma educação integral. Nesse sentido, os fundamentos pedagógicos escolanovistas vislumbravam novas formas de abordagem dos processos de ensino e aprendizagem como, por exemplo, a inclusão do jogo como estratégia pedagógica redefinindo assim seus princípios e objetivos, ampliando os horizontes educacionais mediatizados pela ciência e tendo como inspiração os ares da modernidade, do processo de evolução industrial e tecnológica da sociedade moderna (NEIRA; NUNES, 2008).

A inclusão da Educação Física no contexto curricular da escola enquanto disciplina em meados das décadas de 1930 e 1940, sofreu influência do modelo curricular linear proposto por Ralph Tyler cuja concepção se baseava na ideia de organização e do desenvolvimento a partir de algumas questões básicas, tais como:

Quais os objetivos educacionais deve a escola procurar atingir? Que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de alcançar esses propósitos? Como organizar eficientemente essas experiências educacionais? Como podemos ter certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados? (NEIRA; NUNES, 2008 p. 109).

Nessa perspectiva racionalista, todas as ações educacionais deveriam ser planejadas e controladas para que nada ficasse fora do alcance do objetivo pretendido. Para a Educação Física, o conteúdo que mais se encaixava nessa concepção racionalista de currículo era o esporte. De acordo com Fisher apud Neira e Nunes (2008), os esportes são objetivos, e neles o que importa são os resultados. Considera o autor, que a prática dos esportes ensinará o homem a viver da melhor maneira possível.

Essa concepção de esporte se alia às questões de controle total pela especialização de papeis, competição, cientifização como condições objetivas que podem ser medidas, quantificadas e comparadas, entendendo o esporte como o melhor meio de preparar o homem para uma nova sociedade. Mas, diante do que acontece na estrutura do esporte e na sua prática é mister pensar se o esporte prepara para a vida em sociedade, ou ainda que os esportes em sendo manipulados pelos interesses políticos e econômicos do capitalismo provocam um alteração do seu sentido e significado.

O esporte ocupou e ainda ocupa um espaço no imaginário do senso comum que provoca uma tergiversação da Educação Física no espaço escolar. A dependência da prática esportiva como referência da ação pedagógica do professor de Educação Física

continua dominando deforma relativa esse espaço/tempo que deveria ser destinado ao

adultos com outros conteúdos temáticos que estão diretamente relacionados com a vida cotidiana dos educandos e educandas nos diversos níveis de ensino.

Esclarecemos que não somos contra a prática esportiva na escola, apenas fazemos uma ressalva na maneira de como o esporte vem sendo tratado no espaço escolar privilegiando a competição, o resultado, a técnica, o desempenho, a rivalidade, a violência entre outros elementos questionáveis que, se ancorados ao processo de formação humana, não conseguirá vir a ser uma pratica sociocultural relevante e inclusiva.

De outro modo, o esporte como conteúdo temático que faz parte da cultura histórica do homem, com vertentes político-culturais e socioeconômicas além de despertar a atração pela sua prática, promove o autoconhecimento, o reconhecimento do outro, o sentido de cooperação, o gosto pela vitória e a consciência da derrota, mas isso como uma contingência momentânea e não como algo definitivo, de forma que o ser humano se ache sempre superior ou inferior ao outro. O esporte na escola pode desenvolver valores morais, éticos e todo o conhecimento que constitui a sua existência como cultura humana.

Nessa perspectiva, o esporte transcende os limites do currículo técnico-esportivo por ampliar a concepção das ações pedagógicas docentes e possibilitar aos educandos e educandas uma interação com os sentidos do esporte e com os seus conhecimentos subjacentes. Revela-se como parte integrante da formação humana educacional, como uma cultura presente na escolaridade. Possibilita a aquisição de valores e conhecimentos a partir da análise de como essa cultura se construiu historicamente pelos povos e de como ela pode ser analisada, vivenciada e reconstruída.

O movimento de devolução à Educação Física dos seus pressupostos curriculares no âmbito escolar requer uma análise do movimento histórico que configura a trajetória do componente em sua especificidade. Muitas concepções e teorias estiveram presentes no espaço curricular da Educação Física e todas tem uma contribuição na diversidade de temáticas de abordagem, buscando integrar a prática pelo discurso teórico.

Segundo Silva (2010), o currículo é documento de identidade. A trajetória da identidade do currículo escolar e suas implicações para a Educação Física tem sido um campo de debates contemporâneos que indicam a necessidade de corporificar o conhecimento e que, segundo o autor, não pode deixar de ser problematizado. Desse modo, o professor não pode mais ficar retido na formalização dos conteúdos e na sua

utilidade, mas antes deve estar focado na dimensão da produção de conhecimento, de significações, de criações, de novos sujeitos pela ação pedagógica que fazem com que o currículo seja uma cultura viva no espaço/tempo escolar.

Mas como alcançar essa perspectiva de um modo concreto? Um ponto de debate contemporâneo que dimensiona a questão de corporificação do conhecimento em Educação Física trata da relação teoria e prática nas ações pedagógicas. Em muitos momentos históricos a importância de uma categoria e da outra foram separadas e estabelecidas no contexto da área de conhecimento.

Por ter uma gênese relacionada aos fazeres práticos, a Educação Física durante um longo tempo prescindiu desenvolver os conhecimentos subjacentes a essas práticas. O movimento teórico ocupou um espaço relevante nessa questão e colocou em cheque o fazer prático sem uma fundamentação teórica que o sustentasse. No entanto, toda a fundamentação advinda das produções teóricas não se consolidou ainda de forma plena no chão da escola. Caparroz (2007) questiona se a produção teórica da Educação Física dos anos de 1980 foi motivada apenas pela alavanca propulsora das mudanças políticas ou se conseguiu, de fato, operar em profundidade uma análise teórica da Educação Física como componente curricular.

Os estudos, pesquisas e as publicações sobre o currículo da Educação Física têm seu início com a crítica estabelecida pelas diversas tendências de pensamento que se opunham ao instrumentalismo tecnicista e a função sociopolítica conservadora da Educação Física no interior da escola. Surgem como produção desses estudos e pesquisas, várias proposições teóricas e algumas foram convertidas em propostas curriculares em estados e municípios brasileiros.

No entanto, surgem questões que buscam desvelar o porquê dessas formulações não se consolidarem como proposições efetivas no meio escolar. Caparroz (2007) entende que essas concepções não se preocuparam em caracterizar a Educação Física como um componente curricular, mas sim, com o discurso sobre os princípios teóricos norteadores abrangentes da educação fundamentados nos princípios sociológicos e filosóficos deixando escapar assim, um momento precioso para a discussão dos aspectos pedagógicos necessários que ampliassem a configuração do currículo de acordo com cada realidade sociocultural na qual a Educação Física se fazia e se faz presente.

Como resultante desse conflito teórico prático, Caparroz (2007) identificou que passa a existir uma Educação Física na escola e não uma Educação Física da escola.

Desse modo, nossa interlocução com a proposta da Educação Física para os cursos técnicos de nível médio integrados do IFRN-Campus Natal Zona Norte consiste em desenvolver uma ação docente, a mais aproximada possível, com os aspectos didático- pedagógicos do processo de ensino e de aprendizagem na perspectiva da teoria pós- crítica do currículo educacional.