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CAPÍTULO 1 – O CURRÍCULO E A IDENTIDADE PEDAGÓGICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: UM DIÁLOGO NECESSÁRIO

1.2 REFLEXÕES SOBRE AS IDENTIDADES DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Geralmente, quando se fala em Educação Física na escola associa-se o esporte como ponto de identificação da disciplina, seja no imaginário dos alunos ou da comunidade escolar em geral. O docente, por consequência, é identificado como professor/técnico/treinador de determinada modalidade esportiva. Entendemos que nem toda experiência com a Educação Física escolar está ligada ao esporte e que existem outras possibilidades de experiência com o movimento.

Pressupomos que é possível permitir às pessoas pensarem que a Educação Física não se limita a prática do esporte a partir das vivências com o conjunto de conteúdos da cultura corporal na escola. A experiência docente pode promover a sistematização desses conteúdos no contexto escolar ampliando as possibilidades e indagações que estão sendo pontos de análise e de perspectivas na atual fase da Educação Física escolar.

Como afirmam Almeida e Fensterseifer (2011, p. 247) há de se considerar que: A Educação Física, durante sua constituição enquanto área do conhecimento, privilegiou a vivência de movimentos ou práticas corporais no plano de atividades. A crítica a essa tradição, porém, enfatizou a necessidade de uma elaboração conceitual acerca das vivências de movimento, o que nos coloca em risco de promovermos uma inversão, valorando o lado conceitual em detrimento das vivências. Mas, feito esse movimento, resta-nos perguntar: qual o lugar da experiência e do saber da experiência como possibilidade de conhecer no âmbito das práticas corporais, neste novo estágio da área? A questão do conhecer na Educação Física ainda está por ser descoberta como ponto de relação entre a cultura corporal representada na relação de conteúdos curriculares da Educação Física escolar e a prática pedagógica representada pelas ações docentes. Essa relação é um modo de proceder a uma leitura do mundo da Educação Física e da sua função sociocultural no contexto escolar. Conhecer vivenciando o movimento, sentindo o fazer e percebendo as mudanças de percepção pelo movimento corporal, conduz o sujeito a novas e constantes possibilidades de aprendizagem.

Nesse sentido, o repensar e o projetar de novas ações pedagógicas para a Educação Física, significa dizer que devemos considerar o que tem sido produzido ao longo das últimas décadas e, nesse caso, todas as condições objetivas que foram criadas para a área de conhecimento se desenvolver.

De acordo com Almeida e Fensterseifer (2011, p. 250):

Nos últimos anos fomos convocados a repensá-la para além de uma atividade, de um "fazer pelo fazer", em especial, após o movimento renovador da Educação Física, que buscou contribuir para a legitimação desta "disciplina", pensando no "objeto" e na definição da especificidade desta área do conhecimento e de um "saber" específico de que trata essa prática pedagógica. Pensar, fazer e produzir saber, desafios aos quais a Educação Física deve se propor pela organização, sistematização e constatação da importância da experiência dos sujeitos da educação no contexto escolar com a cultura corporal. Embora a experiência tenha um caráter singular ela pode servir de base de discussão e de ampliação temática para a área do conhecimento pedagógico. Alertamos para que o termo experiência não seja compreendido como uma instância pessoal, técnica e fechada na sua racionalidade objetiva. Entendemos a experiência como uma compreensão da realidade que precisa ser constantemente pensada, vivida e, de acordo com as possibilidades, transformada subjetivamente.

Alguns aspectos fundamentais de análise se integram a essa discussão como o protagonismo docente e a concepção do currículo da Educação Física escolar com base nos conteúdos temáticos a serem desenvolvidos aliados à experiência docente, a participação dos educandos e educandas na perspectiva de configurar uma ação pedagógica que possa desenvolver todas as vivências, as aprendizagens e as experiências.

Nessa perspectiva, recorremos a Palmer citado por Almeida e Fensterseifer (2011, p. 251-252) ao afirmar que:

Compreender o saber da experiência pode nos possibilitar as chaves para a compreensão do fenômeno complexo da experiência do movimento humano na Educação Física, já que esta não pode ser entendida como "lócus" de manipulação e controle, mas como espaço de participação e abertura: "não é o conhecimento, mas sim a experiência, não é a metodologia, mas sim a dialéctica".

Assim, a relação entre as dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais9 dos conteúdos na Educação Física precisam ser contextualizadas de forma simbiótica e não de forma fragmentada pela abordagem de conhecimentos ao desenvolvermos os conteúdos da cultura corporal. Desse modo, a interação entre as experiências docentes e discentes nas aulas de Educação Física poderá conduzir o componente curricular a um patamar de valoração no âmbito da comunidade escolar dependendo, para essa condição, do protagonismo docente motivando a participação sistemática dos educandos

nas vivências com os conteúdos de acordo com a natureza dos mesmos “[...]

englobando conceitos, ideias, fatos, processos, princípios, leis científicas, regras, habilidades cognoscitivas, modos de atividade, métodos de compreensão e aplicação, hábitos de estudo, de trabalho, de lazer e de convivência social, valores, convicções e atitudes” (DARIDO, 2008 p. 65).

Muitas dessas dimensões são assimiladas pelo que se convencionou intitular de currículo oculto que é vivenciado na escola, mas que não está definido como base estrutural e formal do conhecimento e da aprendizagem escolar. Zabala citado por Darido (2008) entende que é possível ampliar o conceito de conteúdo no plano da aprendizagem escolar além do que está disposto pela forma curricular tradicional. As práticas corporais como a ginástica e o esporte fixaram no imaginário social o que a Educação Física teria como referenciais de conhecimento no plano sociocultural. No entanto, as atividades desenvolvidas nesses conteúdos não se contextualizavam aos demais processos educacionais e ficavam na limitação dos fazeres sem que os aspectos conceituais e atitudinais desses conteúdos fossem considerados como necessários.

Muito se tem perdido no espaço das aulas para a compreensão e para o diálogo no processo de comunicação subjetiva entre docentes, educandos e educandas nas experiências com o movimento nas práticas corporais. Na Educação Física, a tradição do fazer com base na imitação e na reprodução de gestos e movimentos sempre foi compreendida como algo natural e normal. Essa concepção tem suas origens nos modelos mecanicistas que se cristalizaram no tempo/espaço escolar e representa os princípios da concepção positivista no tratamento pedagógico dos conteúdos da Educação Física escolar.

9 Na história da Educação Física a ênfase tem sido aos conteúdos ligados à prática, à realização dos movimentos, ao "saber fazer" (procedimentos). O "porque fazer" (conceitos) e "como se relacionar dentro desse fazer" (atitudes), ficaram em segundo plano ou não eram desenvolvidos intencionalmente nas aulas. DARIDO, S.C. Educação física na escola: questões e reflexões. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003.

Os debates acerca dessa condição no meio acadêmico foram denunciados e abordados em fóruns e eventos científicos, através de publicações e sempre nos mostram a realidade e apontam saídas para que o paradigma pedagógico da Educação Física escolar se transforme. Fensterseifer e Silva (2011, p. 120) consideram que a Educação Física vive um momento de transição da sua prática pedagógica. Segundo os autores:

Tal transição poderia ser caracterizada como um movimento de aproximação dessa área com os propósitos da escola, ou seja, a Educação Física escolar estaria buscando elementos para construir uma prática pedagógica não mais centrada no exercitar-se, mas na aquisição de novos conhecimentos relacionados às manifestações da Cultura Corporal [...].

Nesse sentido, considera-se que as práticas que buscam consolidar essa perspectiva no espaço escolar podem ser entendidas como práticas exitosas e em consonância com o paradigma transformador da Educação Física. Entretanto, um aspecto

que nos chama a atenção nessadiscussão é o problema do ‘desinvestimento pedagógico’

na Educação Física, que tem sido um fator de estagnação do seu perfil pedagógico.

Esse desinvestimento tem levado o componente curricular a permanecer no estágio de hibernação didático-pedagógica e, por conseguinte, as práticas exitosas passam a ser consideradas práticas alternativas, exóticas, ou como exemplos de sucesso, quando essas deveriam fazer parte de um processo constante de consolidação teórico- prática da área de conhecimento pedagógico no contexto escolar.

Mas, voltemos ao que se entende por desinvestimento pedagógico. Esse termo foi cunhado por Santini e Molina Neto (2005), e se refere aos professores que abrem mão do seu compromisso ético e político pedagógico de ensinar e que se adaptam facilmente às exigências mercadológicas do sistema de emprego e se tornam seres sobreviventes e subservientes em espaços como academias, escolas privadas e alguns ainda, que se utilizam do espaço escolar público de forma alienada e conformista, sem buscar nenhum tipo de mudança para o seu próprio sentido profissional.

Essa condição tem levado a Educação Física a se tornar uma área profissional submetida e propensa à desvalorização em alguns aspectos. Além disso, as entidades representativas de classe não tem tido uma relevância política nos ambientes de atuação profissional. Portanto, o desinvestimento pedagógico e a inexpressiva atuação dos órgãos de classe tem conduzido a Educação Física ao perfil do utilitarismo e são duas

instâncias problemáticas que precisam ser discutidas e solucionadas antes que se perca todo o esforço teórico das últimas décadas.

Nesse hiato político-cultural, algumas experiências pedagógicas exitosas vêm sendo desenvolvidas e levam em consideração um processo de contextualização que abrange alguns aspectos importantes para a sua realização de forma consistente. Vejamos quais os aspectos citados por Silva e Fensterseifer (2011, p. 121) que os autores consideram como relevantes para que uma experiência inovadora em Educação Física se realize no contexto escolar:

a) proposta pedagógica articulada com o currículo da escola; b) desenvolvimento de conteúdos de forma progressiva e com preocupação sistematizadora; c) envolvimento do conjunto dos(as) alunos(as) nas aulas; d) a presença de conteúdos variados representativos da diversidade que compõe a cultura corporal de movimento; e) processos de avaliação articulados com os objetivos do componente curricular.

Esses aspectos articulados formam uma base de conceitos importantes no plano pedagógico da Educação Física no âmbito escolar. Procuramos contextualizar esses aspectos como princípios didático-pedagógicos e processos metodológicos como

aspectos fundamentais para que nossa experiência possa contribuir para a discussão

sobre a Educação Física no ensino médio integrado. Em consonância com o pensamento de Silva e Fensterseifer (2011 p, 126) entendemos que:

No caso da Educação Física, pensamos que estudos acadêmicos, de caráter teórico ou prático, são válidos à medida que oferecem subsídios para que o professor possa refletir sobre sua prática e fundamentá-la teoricamente, contribuindo, dessa forma, para que consiga justificar e/ou defender suas ações pedagógicas frente à comunidade escolar.

Nesse sentido, entendemos ser necessário desenvolver uma reflexão teórica a partir dos elementos práticos que contribuem para que, a partir da concepção pós-crítica do currículo educacional, a Educação Física possa ampliar a sua perspectiva pedagógica no âmbito do ensino médio. Ainda de acordo com Silva e Fensterseifer (2011, p. 128):

As lacunas existentes entre o ensino e a pesquisa exigem de seus atores uma aproximação: “sujeito-pesquisador” e “sujeito-pesquisado”; também uma aproximação entre teoria e prática, entre pesquisa e ensino. Tais aproximações parecem encontrar espaço em algumas metodologias que, mesmo precária e timidamente, surgem como alternativas para quem se coloca na perspectiva reflexiva acima aludida: é o caso da pesquisa de tipo etnográfico e, principalmente, da pesquisa-ação.

Ao preencher as lacunas existentes e vislumbrar outras possibilidades pedagógicas para a Educação Física no ensino médio integrado dos IF’S abre-se uma discussão que tem sido constantemente abafada quer seja na esfera da governabilidade, quer seja no nível de setores mais conservadores da categoria. As mudanças pretendidas para que a Educação Física deixe de ser um instrumento de utilidade política e corporativa pelo interesse da realização de eventos esportivos paralelo aos interesses corporativos da classe que não se coadunam com os paradigmas pedagógicos transformadores, tem se tornado obstáculos evidentes no plano da Educação Física no âmbito dos IF’S.

Enquanto a decisão política submerge, a ação pedagógica precisa emergir e se tornar um elemento de força protagonista para que a Educação Física no ensino médio integrado profissionalizante possa vir a desenvolver as temáticas e os conhecimentos próprios do componente curricular com ações pedagógicas contextualizadas no plano teórico/prático. A dimensão teórico-prática talvez seja uma das problemáticas mais evidentes na ação pedagógica em Educação Física.

Sobre essa problemática Betti (2005), no manifesto pela redescoberta da

Educação Física, discute a questão da relação teoria/prática como o principal problema

ainda a serresolvido no âmbito da área de conhecimento. Segundo o autor, existem três

perspectivas que podem denotar essa forma de relação ainda incipiente no contexto da Educação Física, a saber: a perspectiva tradicional-técnica; a perspectiva legitimadora e/ ou crítica e a perspectiva reflexiva.

Na primeira perspectiva, o autor entende que:

A pesquisa científica produz abstrações e generalizações a partir da prática - ou seja, teorias - as quais se pretende sejam aplicáveis de modo direto a todos os contextos da prática. Tende-se assim a ignorar as contingências que operam nos ambientes escolares concretos (por exemplo, turmas heterogêneas), assim como não facilitam indicações sobre como atuar para implantar o modelo ideal preconizado pela teoria. A relação teoria-prática torna-se, então, uma ameaça para o professor, na medida em que a teoria supõe um alijamento do conhecimento prático das contingências da vida em aula, de seu conhecimento e experiências profissionais, e imputa ao professor a responsabilidade pela

diferença entre a teoria e a prática (BETTI, 2005, p. 1).

Essa diferença, no nosso modo de perceber a realidade, não existe. Além do que, essa distância que caracteriza a própria nomenclatura das categorias confunde o entendimento do entrelaço que existe na condição filosófica das duas categorias e o senso comum tende a separar e a estranhar uma coisa e outra. Essa condição provoca

assim, um distanciamento entre a teoria e a prática evidenciando a segunda perspectiva que Betti (2005) descreveu no manifesto.

Segundo o autor, a perspectiva legitimadora ou crítica, provocou um distanciamento da teoria em relação à prática devido a grande gama de fundamentos que sustentaram a síntese teórica, as estratégias educacionais e os critérios de validação para

a teoria educacional. Essa perspectiva se fez presente no contexto educacional nas

décadas de 1960 e 1970 principalmente, e até os dias atuais temos influências dos pensamentos sociológico, psicológico e histórico marcantes no plano educacional desse movimento teórico.

A Educação Física, por sua vez, assimilou muitas dessas concepções teóricas para justificar sua existência no âmbito educacional e definir sua identidade a partir década de 1980. O movimento teórico, necessário e fundamental para uma virada conceitual da área de conhecimento ficou no estatuto teórico de uma forma que se distanciou demasiadamente do fazer escolar fundamentado nas teorias propostas. A relação direta com o ensino não se consolidava de forma aproximada da realidade na busca de mudanças. Se o que se pretendia era a transformação do perfil educativo da Educação Física escolar, esta não aconteceu devido a não contextualização dos fundamentos da pesquisa científica com o ensino.

Na perspectiva reflexiva, encontramos uma possibilidade de superação dos limites tecnicistas e do distanciamento entre a teoria e a prática pedagógica. Para Betti (2005, p.1) essa perspectiva tratar-se-ia de uma pesquisa realizada no interior do empreendimento educativo, e que pudesse contribuir para o seu enriquecimento, considerando ainda que essa condição não se limitaria a uma pesquisa visitante, ela deverá estar na escola e se tornar fundamental na ação pedagógica.

O conhecer não é uma condição que aponta apenas para o educando(a). A pesquisa em si deve conduzir a elaboração do conhecimento do professor também e segundo Elliot apud Betti (2005), a pesquisa não deve separar-se da prática; a prática mesma é a forma de investigação, pois nessa situação desconhecida são levantadas hipóteses para além da atual compreensão do professor. As ações são avaliadas de forma retrospectiva como meio de ampliação do problema prático (reflexão sobre a ação). De acordo com Pereira apud Betti (2005), essa compreensão se desenvolve por meio da modificação da prática, e não antes, ou seja, nenhum tipo de conhecimento se consolida a priori.

Para Betti (2005, p.1):

Nesse sentido, a produção teórica deriva das tentativas de mudar as práticas, e estas são o meio pelo qual se elaboram e comprovam as suas próprias teorias, ou seja, as práticas constituem-se em categorias de hipóteses a comprovar. A teoria adquire um sentido de unidade com a prática, não no sentido estático de dar explicações às questões práticas, mas no sentido dinâmico de auxiliar o encaminhamento, a direção refletida, crítica e criativa da situação. A teoria é vista como reveladora de várias alternativas e, pela análise e diálogo com a situação, contribui para fazer avançar o conhecimento sobre a validade de cada uma delas, e assim são geradas relações de interrogações mútuas entre a teoria e a prática, em decorrência do que ambas se transformam.

Essa integração é um das perspectivas que nos moveu e que nos interessa na elaboração desse estudo ao intencionar desenvolver uma experiência pedagógica no contexto da Educação Física no ensino médio integrado do IFRN, campus Natal Zona Norte que possa subsidiar uma discussão possível e válida a partir de uma análise reflexiva pela ação pedagógica fundamentada na experiência dos sujeitos da pesquisa. São muitas as interrogações e sabemos que não podemos responder a todas nesse estudo, mas poderemos nos aproximar do que entendemos ser uma Educação Física que considere as relações mútuas entre o processo de ensino e de aprendizagem dos sujeitos. Entendemos que o professor também aprende e o aprofundamento dessa questão pode ser desvelado à medida que uma pesquisa tenha como característica a participação do professor como um pesquisador que pretende conhecer mais sobre a sua própria prática e que abre a possibilidade de participação dos alunos na elaboração consciente do ato pedagógico como cultura, pesquisa e apropriação provisória do conhecimento escolar. Nesse sentido, a cultura corporal poderá ser dimensionada pela ação dos sujeitos como produtores de conhecimento de forma que poderão sempre ser reelaborados, revisitados, transformados e vivenciados de várias maneiras de acordo com as necessidades coletivas pelo diálogo e pela análise dos objetivos pretendidos pela prática pedagógica.