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3. A QUESTÃO AGRÁRIA NO PARANÁ E O DESENVOLVIMENTO DO MST

3.1 Alguns aspectos sobre a questão agrária no Paraná nas décadas de 60 e 70: uma

O desenvolvimento agrário no Estado do Paraná teve sua trajetória fortemente influenciada pela ascensão e queda da cultura cafeeira no cenário nacional. A produção do café paranaense era predominantemente localizada na região norte do Estado e, segundo Moro (2000), representava a metade da produção brasileira e a terça parte da produção mundial, o que em números, significava que a produção nacional resultava em aproximadamente 40 milhões de sacas de 60kg de café em grão por ano, e a produção paranaense correspondia a uma média de 20 milhões de sacas nas safras dos anos de 1961 e 1962.

Toda essa movimentação econômica fez com que o Estado, que até a década de 50 era esparsamente povoado, se transformasse num atrativo para investidores e camponeses, tendo sua taxa populacional elevada nas áreas rurais. Segundo Branford e Rocha (2004), os

investidores de São Paulo buscavam terras, sobretudo terras devolutas46, para o cultivo do café, impulsionados pelo fato de que as áreas para o cultivo dos cafezais no Estado de São Paulo já não eram suficientes.

A lavoura cafeeira exigia um grande número de trabalhadores para mão-de-obra artesanal. Nesse contexto, era comum a figura do meeiro ou parceiro, aquele agricultor que trabalhava na lavoura de café do fazendeiro, em troca de moradia e um lote de terra para plantio de subsistência.

No início da década de 60, com uma demanda menor do que a oferta do produto no mercado, o setor cafeeiro entrou em crise. Segundo Moro (2000), contribuíram para o aprofundamento dessa crise, os números recordes de produção no norte do Paraná e a expressiva participação do café africano no mercado mundial. Para enfrentar essa crise, em 1961 o governo federal criou o Grupo Executivo de Racionalização da Agricultura (GERCA), que tinha como objetivos:

Erradicação, em dois anos, de 2 bilhões de cafeeiros anti-econômicos; renovação de 500 milhões de cafeeiros com bases racionais, que possibilitassem a produção de 6 milhões de sacas beneficiadas; diversificação de culturas nas áreas liberadas pela erradicação do café; investimentos na industrialização de produtos agropecuários, com vistas ao solucionamento do problema socioeconômico resultante da liberação de mão-de-obra empregada na cafeicultura. (Moro, op.cit, p.29).

Além destas metas, o governo lançou um pacote de incentivos ao plantio de oleaginosas, para substituir o plantio do café. Moro (op.cit), afirma que o pacote fazia parte de uma política de crédito rural subsidiado, voltado para a modernização da agricultura por meio da aquisição de máquinas, insumos e sementes selecionadas que facilitassem a produção de culturas como o trigo e a soja, pois diferentemente do café, que é uma lavoura permanente, a soja e o trigo podem ser cultivados de forma alternada, de acordo com as estações do ano. São as chamadas culturas de rotação, que diminuem o risco de perda para o produtor.

Ainda assim, muitos produtores continuaram por mais uma década com o plantio do café na região norte do Paraná. O golpe final veio por meio das surpresas climáticas. De acordo com Moro (op.cit.), a partir da segunda metade da década de 60, as geadas começaram

a se intensificar, ocorrendo ano após ano, o que não permitia o tempo suficiente para a recuperação dos cafezais, afetando drasticamente a produtividade na região. Muitas lavouras foram contaminadas pela “ferrugem”. Entretanto, o pior ainda estava por vir, a geada ocorrida no dia 17 de julho de 1975, devastou os cafezais do norte do Estado, o que acelerou o processo de erradicação das lavouras cafeeiras que, segundo o autor, tiveram uma redução de 1,3 milhões de hectares, substituídos pelo binômio soja/trigo e pela pecuária.

Em conseqüência dessas transformações, o desemprego no campo atingiu proporções catastróficas, levando milhares de trabalhadores a serem substituídos pelas máquinas. Muitos deles migraram para os projetos de colonização na região Norte e Centro-Oeste do país, outros migraram para os centros urbanos e outros decidiram resistir no campo.

O modelo de produção mecanizada trouxe aos fazendeiros a possibilidade de investir numa grande quantidade de terras, com um custo reduzido e com uma margem de lucros ampliada. Como resultado desse modelo, intensificou-se a concentração da posse da terra. Segundo Moro (op.cit.), na década de 70, apenas no norte do Estado do Paraná, 100.385 estabelecimentos rurais de menor porte, foram engolidos pelas grandes propriedades, num verdadeiro processo de “fagocitose”, como denominou José Graziano da Silva (1982) numa analogia ao processo biológico onde as bactérias maiores engolem as menores que as cercam, “é o que ocorre, por exemplo, quando uma usina de açúcar adquire um sítio em suas proximidades, derruba as cercas e árvores frutíferas, a casa do morador, convertendo todas as terras em canaviais, de modo que, depois de alguns anos, dificilmente se poderá identificar qualquer vestígio da outra unidade de produção que ali existiu” (Graziano, 1982, p.54).

No oeste do Estado, a mecanização do campo também se iniciou “fagocitando” todas as propriedades menores ao seu redor. Para se ter uma idéia da intensidade e rapidez com que estas transformações foram se apresentando, basta analisar um dos índices de mecanização no campo: a rápida aquisição de maquinários. Na década de 70, o número de tratores na região oeste não ultrapassava a 1.725. Em 1980 o número atingia 16.247 e, cinco anos depois, passava de 20.667 tratores (Fonte: tabela do IBGE – área cultivada e número de tratores segundo as mesoregiões geográficas do estado do Paraná, em 1970, 1980 e 1985 – apud, Moro op.cit., p.32).

Esses indicativos revelam, segundo o autor, o panorama traçado pela modernização nos campos paranaenses – que, guardadas as diferenças regionais, ocorreram de forma

semelhante nos demais Estados do país – modernização que aconteceu de forma parcial, conservadora e dolorosa:

Parcial porque limitou-se a algumas regiões do país, a alguns produtos específicos e a certas fases da organização da produção. Conservadora porque não rompeu com a tradicional concentração fundiária, isto é, da posse da terra. Dolorosa porque concorreu para expoliar no campo milhares de pessoas ligadas às atividades agropecuárias, acentuando o êxodo rural e a miséria (Moro, op.cit., p.27).

Parcial também, porque o acesso aos benefícios da mecanização se restringiu aos grandes proprietários de terra, restando aos pequenos o êxodo rural, ou a permanência no campo na condição de sem terra, assalariados e bóias-frias. Os agricultores donos de pequenas propriedades, eram pressionados a se desfazer de suas terras a fim de dar lugar aos grandes latifúndios. Essa pressão se dava por meio dos fazendeiros, jagunços e, na maioria dos casos, com a conivência do Estado e auxílio da polícia.

Esses problemas se agravaram a partir das décadas de 70 e 80, gerando as bases para a organização destes trabalhadores num movimento de resistência à condição de miséria em que foram lançados. Na tradição das guerras do Contestado, de Porecatu e do Sudoeste, os trabalhadores paranaenses passaram a resistir à pressão para que abandonassem o campo e, a partir de então, os conflitos, que sempre foram uma constante nos campos paranaenses se intensificaram.