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4. A VIOLÊNCIA

4.4. A violência sofrida

4.4.4. Despejo da Fazenda Cachoeira

O casal Pedro e Clara, decidiu entrar para o MST em maio de 1997, acompanhado do filho de 14 anos, na época. Contam que ficaram oito meses acampados na beira da estrada que dava acesso à Fazenda Cachoeira, localizada no município de Sapopema, região norte do Estado. Ao fim deste período ocuparam a área. Clara afirma que “no dia que ia fazer 60 dia certinho, aí quatro hora da manhã veio o policiamento daí e despejo nós”. Relatam que o efetivo policial contavam com batalhão de choque, cachorros, e em média 350 policiais, sendo que o acampamento era composto de 42 famílias.

Clara afirma que o policiamento chegou em torno de quatro horas da manhã63, e que imediatamente foram rasgando os barracos,

E colocou os cano das arma tudo pra dentro assim e daí gritava pra poder nós saí se não eles ia atirar. Daí a porta tava fechada sabe? Daí eu demorei pra abri a porta, porque na hora a gente se apavora né? Daí eu levantei depressa e fui abri a porta, no que eu fui abri a porta assim, aí eles rasgaram a lona e me catou pelos dois braço assim [coloca os dois punhos juntos] segurou nas minhas duas mão junta, não tinha como eu abri a porta. Daí eles meteram o chute.

Relata que durante esses minutos em que ela não conseguia abrir a porta do barraco, foi agredida inclusive com aparelho de choque, “depois eles pegaram daí, me deram uns empurrão em mim, me deu um tapa nas minhas costa e outro começou a bate aqueles negócio de choque nos meus braço”. Conta que os policiais perguntavam pelos alimentos, “Eles queria as coisa de comer, foi derrubando tudo as coisa que tinha de comer assim. Eles jogavam, sabe? Eles não levava”. Além disso, os utensílios, panelas, botijão de gás, foram todos arremessados para fora do barraco. Os policiais deram um prazo de cinco minutos para que retirassem todas as coisas do barraco. Conseguiram retirar algumas coisas, o resto foi queimado. Segundo o relato do casal, os policiais jogavam combustível na lona e ateavam

63 A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5o, inciso XI assegura que “a casa é asilo

inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.” (grifos meus). O Código de Processo Civil, em seu artigo 172, determina que “os ato processuais realizar-se-ão em dias úteis, das 6 (seis) às 20 (vinte) horas.”

fogo, “era coisa de 5 minuto assim eles queimavam um barraco e já passava pro outro (...) muitas coisinha nós ainda tirou do meio do fogo ainda, fogo pingando em nós e nós ainda conseguimo tirar alguma coisinha.”

O ato do despejo iniciou às quatro horas da manhã e se estendeu até as oito horas da noite. Durante todo esse tempo ficaram na chuva e sem alimento, sequer para as crianças. Seguiram então para um ginásio da cidade de Sapopema.

Na ocasião do despejo, o filho de 15 anos estava compondo a equipe de “guarda” do acampamento e foi um dos primeiros a ser detido. Foi detido aproximadamente quatro horas da manhã, até às oito horas ficaram dentro do acampamento na chuva. O pai conta as humilhações às quais o filho foi submetido: “lá eles faziam sentar no barro, comer bosta de vaca. Esfregava a cara deles em cima da bosta de vaca. Eles sofreram que nem cachorro lá!”. Depois foram levados para a delegacia mais próxima.

Segundo o casal, os policiais falavam que o motivo de toda aquela situação era o fato de estarem “seguindo o MST, que nós não podia seguir o MST, que pra que que nós queria terra, que fosse pra cidade. Daí nós falamo pra eles: nós vai pra cidade pra morrer de fome?!”

Depois disso ficaram noventa dias no ginásio e voltaram a reocupar a mesma fazenda. Ficaram oito meses acampados até ocorrer um novo despejo. Clara afirma que ocuparam novamente, “porque era desaforo né, porque nós já tinha apanhado mesmo, já tinha sido preso, já tava tudo processado, 18 processado. Aí nós pegamo e voltamo!”

Neste segundo despejo não foi diferente, perderam tudo o que tinham plantado “cinco hora da manhã chegou o policiamento, daí tornou tirar nós de novo (...) no segundo despejo não foi igual o primeiro, sabe? Porque o primeiro foi muito massacrado, o segundo já não foi muito mais”.

Passados alguns dias fizeram uma terceira tentativa de ocupação da mesma fazenda, porém, desta vez ficaram apenas um dia e logo foram despejados pela polícia: “não deu tempo nem de fazer o barraco (...) chegamo lá cedo de manhã quando foi oito hora da manhã já chegou polícia e já fez nós jogar tudo pros caminhão de novo e já trouxe os povo de volta, de novo [risos].

Depois que nós tinha saído da fazenda, ninguém nem lá dentro da fazenda não tava, daí o fazendeiro ficava acusando nós! Pegou e retirou tudo os cavalo da fazenda, porque ele tinha uma cavalaiada lá, sabe? E daí ele retirou tudo os cavalo, daí acusou nós, dizendo que era nós que tinha roubado os cavalo e, ninguém tinha roubado cavalo, pois como que nós ia roubar cavalo, pra levar pra onde? Pra dentro da cidade? Sendo que foi eles que tirou nós, nós saímos com as mão na frente e outra atrás. Aí ele ficou acusando, acusando, acusou nós na justiça e continuou os processo chamando nós cada 15, 30 dia chamando nós na justiça, acusando nós de uma coisa que nós não devia. Daí nós voltamo de novo, já que tava acusado mesmo de coisa que nós não tinha feito, voltamo lá de novo.

Decidiram realizar a quarta tentativa de ocupação. Logo veio o despejo novamente, no mesmo horário, cinco horas da manhã. Clara relata que os policias colocaram todos em fila e que separaram homens para um lado e mulheres e crianças para outro, em lados opostos dentro do mesmo barracão. Afirmavam reiteradamente que iriam matar os homens, falavam que “os homem não era pra deixar nenhum vivo. Daí a hora que eles falaram a mulherada escutou, daí a mulherada desesperou tudo. Cada qual agarrou seu marido daí já catou seus filho e ficou tudo junto daí (...) se era pra matar, matava, então não tinha, era tudo né!”. Conta que os policiais puxavam as mulheres pelos braços, pelos cabelos, a fim de retira-las de perto dos homens, mas quanto mais repetiam esse gesto, mais resolutas elas ficavam e não desistiam de voltar a se juntar ao marido, carregando consigo os filhos.

Depois desse despejo, algumas famílias ficaram aproximadamente um ano alojadas no CTG (Centro de Tradições Gaúchas) de Sapopema, até conseguirem uma área. Passados alguns meses, a família de Pedro e Clara conseguiu uma vaga na fazenda que hoje é assentamento Dom Hélder Câmara.