• Nenhum resultado encontrado

24 Ver pág 94 VIEIRA, Liszt Idem.

ALGUNS DOS CLÁSSICOS BRASILEIROS E O PATRIMONIALISMO –

Sérgio Buarque de Holanda56acredita que nossa maior influência veio de uma Europa pré-moderna. As raízes ibéricas teriam determinado o tipo de formação social que se desenvolveu no Brasil.

O personalismo é o traço mais característico e decisivo da herança cultural ibérica. A institucionalização da cultura da personalidade trouxe a dificuldade de coesão social, de falta de solidariedade entre nós. Personalismo, na perspectiva de Buarque, vincula a “responsabilidade individual e respeito ao mérito individual enquanto aspectos subordinados à própria personalidade”. 57

Seria esse personalismo a causa da subordinação de uma conduta racional para o trabalho à relação aventureira, sem planejamentos. Há uma subordinação do elemento cooperativo e racional ao emotivo, sentimental. Sérgio aborda isso em Raízes do Brasil quando compara o ladrilhador, o espanhol, com o semeador, o português.

O Estado patrimonial é uma das manifestações do personalismo, que impede o desenvolvimento de um Estado democrático e racional e emoldura instituições baseadas em vínculos sentimentais.

Raimundo Faoro, no livro Os donos do Poder, justifica algumas características da vida política brasileira na herança patrimonialista do Estado, que o caracteriza como não- democrático e baseado em privilégios. É mais especificamente de Portugal que o Brasil herda a maneira como exerce o poder político.

56Ver HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 26 edição. Cia das Letras, 1995. 57Ver SOUZA, Jessé. A modernização seletiva. Pág. 162.

A transformação da economia natural em economia monetária favoreceu demasiadamente a centralização do poder nas mãos da coroa por causa do seu potencial domínio centralizador.

Na leitura de Jessé58, Faoro justifica as causas do atraso brasileiro na influência portuguesa. Tratava-se de um Estado todo-poderoso que não permitia o desenvolvimento de uma sociedade empreendedora e livre porque lhe tirava todas as energias. A colônia era vista como uma fonte de riquezas que deveria ser expropriada para o benefício da coroa.

Para Gilberto Freire59, o Brasil colonial se caracterizava pela sua descentralização política que fazia de cada centro um domínio político quase absoluto. A falta de instituições intermediárias e de um efetivo controle estatal favorecia o domínio patriarcal.

Em Casa Grande e Senzala, Freire considera que os pontos fundamentais que caracterizam o tipo de sociedade que se formou no Brasil são: o sistema econômico de produção escravocrata e monocultor e a organização patriarcal da família. Porém, é imprescindível levar em conta o tipo de escravidão que ocorreu no país que, embora cruel, como toda escravidão, havia, agregado aos ritos de crueldade, uma espécie de “proximidade” que a distinguia da escravidão grega e a aproximava da escravidão oriental, onde o escravo era visto não como uma máquina, mas quase como um membro da família.

Essa influência moura no relacionamento com os escravos favoreceu um relacionamento mais íntimo do senhor com os escravos. É também esse dado que caracteriza o termo freiriano “confraternização”. Essa forma peculiar de escravidão é a gênese da formação social que se desenvolveu mais tarde no Brasil.60

O sincretismo cultural resultante da influência européia, africana e indígena produziu um país com características singulares que não podem ser reduzidas a nenhuma das culturas

58Ver SOUSA, Jessé. Op. cit. Pág. 173.

59Ver FREIRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. 60Ver SOUSA, Jessé. Op. Cit. Pág. 223.

de sua gênese. Foi especificamente a influência moura na escravidão que foi “o elemento decisivo da singularidade da sociedade escravocrata colonial e, portanto, da semente futura da sociedade brasileira”61.

A descentralização política atrelada a missão de colonizar o enorme território brasileiro e à influência moura no relacionamento com os escravos foram determinantes na formação do “caráter” brasileiro. Para colonizar as terras brasileiras o povoamento era uma estratégia salutar, daí porque a poligamia árabe foi um importante instrumento para a concretização desse objetivo. Surgiu, a partir daí, um novo estrato social, o mestiço. A possibilidade de reconhecer o filho bastardo abriu possibilidade de ascensão social de vários mestiços.

Jessé explica a ambigüidade Freiriana utilizando os conceitos de segregação e proximidade. A partir dessa análise, aponta a semente societária da sociedade brasileira e do nosso patriarcalismo, com ênfase na relação sadomasoquista, característica específica da cultura nacional.

É da forte presença da família como instituição intermediária que Freire interpreta o drama social brasileiro. A forma peculiar de organização social, sem instituições acima do senhor territorial, ou seja, sem freios sociais e individuais gerou uma forma correspondentemente específica de economia emocional caracterizada pelo não regramento dos desejos primitivos (sexuais etc). Esse fato influenciou o tipo de relação intersubjetiva que se estabeleceu na sociedade brasileira. Nela, os desejos são vividos de forma extremada e as emoções contrárias ocorrem, naturalmente, em um curto espaço de tempo.

Nessa sociedade, estruturalmente sadomasoquista, a “dor alheia, o não reconhecimento da alteridade e a perversão do prazer transforma-se em objeto das relações interpessoais.”62Para Freire, essa foi uma das conseqüências da difícil missão de colonizar o

61Idem. Pág.224. 62Idem. Ibidem. Pág.228.

vasto território brasileiro, e fez com que Portugal estimulasse o privatismo e a ânsia de poder pelos particulares que haviam recebido a delegação de cuidar de uma parte do território.

No caso brasileiro o poder limitador da tradição parece residual, e as casas grandes tinham nos desejos pessoais do senhor o maior regramento.

3.3.1. CRÍTICA À HERANÇA PATRIMONIALISTA

O sociólogo Jessé Souza pretende, na sua obra A construção Social da

Subcidadania,63, desconstruir a teoria da herança patrimonial na formação da singularidade brasileira e apresentar nova teoria para a formação da modernidade periférica brasileira, opondo-se à tese da continuidade orgânica com Portugal.

Segundo Souza, essa sociologia do personalismo e do patrimonialismo, que tem nas figuras de Gilberto Freire, Sérgio Buarque e Florestan Fernandes seus grandes representantes, parte de uma perspectiva culturalista sem considerar a eficácia de instituições fundamentais. Para o sociólogo, não levar em conta a importância de instituições na especificidade do tipo de sociedade que aqui se constituiu, é imaginar que as influências culturais ocorrem apenas pelo transporte de indivíduos, sem levar em conta os contextos social e institucional, em que eles se inserem.

Para desenvolver sua teoria, Souza defende que é necessário se afastar de pressupostos do que ele chama de “essencialismo culturalista”,64 asseverando que a naturalização da desigualdade social em países periféricos, cuja modernização é recente, como, por exemplo, a brasileira, pode ser mais adequadamente percebida como resultante de um efetivo processo de modernização de grandes proporções que vem para o Brasil, aliada à

63SOUZA, Jessé. A construção social da subcidadania: para uma sociologia política da modernidade periférica.

Rio de Janeiro: IUPERJ, 2003.

especificidade da escravidão brasileira. Para Souza, isso mostra que a naturalização da desigualdade, no Brasil, é moderna, posto que está vinculada à eficácia de valores e instituições modernas. Portanto, ao contrário de ser personalista, ela retira sua eficácia da “impessoalidade” que é típica dos valores e instituições modernas. É exatamente isso que a torna tão opaca e de tão difícil percepção65.

A ausência de um código moral de conduta cristalizado que pudesse impor padrões minimamente institucionalizados motivou comportamentos práticos regulados por uma noção primitiva e autocentrada de honra, por um “código da virilidade”66. Estabeleceu-se, a partir daí, um grau de heteronomia nas relações sociais entre os dependentes dos senhores de engenho, os próprios senhores e os ex-escravos que passou a ser entendida e assimilada como normal. Nas palavras de Jessé Souza, “Fechou-se o horizonte de percepção dos seus interesses e a subordinação, como se fosse uma eleição advinda de escolha autônoma, aos interesses e desejos do senhor”.67

Formou-se a “ralé” dos imprestáveis, dos inadaptados às novas exigências do sistema, os párias de um sistema impessoal, que chega de fora para dentro como prática “institucional pura, sem o arcabouço ideal que, nas sociedades centrais, foi o estímulo último para o gigantesco processo de homogeneização do tipo humano”68. Parece ser essa a explicação de Souza para a naturalização da desigualdade em sociedades periféricas como a brasileira.

Uma das críticas de Souza a Sérgio Buarque de Holanda é que esse coloca todas as causas de nosso atraso no iberismo, quando o problema é o modo como o modernismo se implantou no Brasil e como está sendo operado.

Portanto, Souza acredita que não é possível desvincular o processo de modernização brasileira das instituições brasileiras. Na sua análise, para que se compreenda os substratos

65 Ver SOUZA, Jessé. Idem. pág.17. 66 Idem. Pág. 123.

67 Idem. Pág.126. 68 Idem. Pág. 129.

social e cultural de uma sociedade singular, é preciso entender primeiro, como se estrutura o seu “racionalismo ocidental”, o que é Imprescindível para se tentar decifrar como é possível a naturalização dessa colossal desigualdade social que ocorre no Brasil.

O desconhecimento da hierarquia moral, peculiar ao racionalismo ocidental, e suas práticas institucionais e sociais são o que permite que o mercado e o Estado sejam percebidos como neutros e justos, e também as diferenciações de classe sejam determinadas na oposição entre trabalho intelectual e manual.

O mecanismo da opacidade e da naturalização da inferioridade é que faz parecer à própria vítima do preconceito que ela é responsável pelo seu próprio fracasso. Isto significa que o reconhecimento social está relacionado à efetiva homogeneização da economia emocional, que caracteriza o indivíduo produtivo no capitalismo e que este é um processo coletivo de aprendizado cultural e político. A dimensão pré-reflexiva que atualiza o valor diferencial dos seres humanos é que caracteriza o cidadão do subcidadão.

4.

CAMPO POLÍTICO DO KARATE BRASILEIRO

4.1 PECULIARIDADES DO KARATE:

O significado literal da palavra karate é mãos vazias. Isso se refere ao fato de que, na sua origem, o karate foi desenvolvido como um sistema de defesa pessoal sem o uso de armas. Esse sistema consiste no fortalecimento dos braços, troncos e pernas de sorte que o praticante adquira habilidades técnicas e fortaleça seus membros, tornando-os tão poderosos que possam ser usados, efetivamente, como uma arma.

Os socos, chutes e demais golpes praticados no karate visam ser de tal maneira fortes e eficazes que com o menor número de movimentos o oponente pode ser vencido. Um karateca deve ser capaz de reagir com eficácia mesmo diante de uma ataque surpresa de um oponente. Para isso, ele precisa treinar o zanchin – o estado de alerta - estar permanentemente em estado de alerta. Essa condição revela forte sincronia física e mental, a ponto de manter o espírito do praticante em estado de alerta. Essa condição é fundamental para uma boa performance marcial. É um tipo de concentração que permite ao karateca antecipar ataques dos adversários e planejar ações necessárias para chegar à vitória.

De acordo com Nakayama69, mestre da modalidade, a essência do karate é o kime. O

kime é a potência que permite um explosivo ataque ao alvo, executado com força e velocidade máximas em um curtíssimo espaço de tempo. Quanto mais treinado o praticante, menor será o tempo entre o início do golpe e o seu fim.

Aliado a essas habilidades físicas, a prática do karate ensina o karateca a ter auto- controle. A idéia é ter a possibilidade de eliminar o oponente, mas, também, de poder controlar os golpes de maneira que, nos treinos, se o karateca assim desejar, não haja contato físico. O praticante aprende, com a prática, a exercer um intenso auto controle, e a respeitar sempre o mestre.

Na sua origem, que nos remete a mais de 5.000 anos, o discípulo era submetido a treinos exaustivos e não podia esmorecer ou questionar a carga de treinos que lhe era imposta. E o respeito ao mestre é um princípio que se mantém desde as origens dessa arte marcial. Assim se estabelece um vínculo poderoso entre o discípulo, o mestre e o próprio Do-jo (local de aperfeiçoamento, de treinamento).

A maior parte da literatura que aborda a origem do karate diz que o monge budista Daruma Taishi viajou da Índia à China a pé, por um caminho, entrecortado por montanhas, quase impossível de viajar devido ao grau de dificuldade, o qual permite, ainda hoje, atestar sua grande capacidade física e mental, para ensinar budismo para alguns monges em um monastério. A severa disciplina que ele impôs aos seus discípulos fez com que um a um caísse em exaustão. Por esse motivo, Daruma Taishi passou a ensinar um sistema de disciplina física e mental com a justificativa de que corpo e alma eram inseparáveis e um corpo fraco não possibilitava a busca do espírito iluminado.

Com o aprendizado dessas técnicas, os monges ficaram conhecidos como os melhores lutadores da China.

O ilha japonesa de Okinawa tinha crescente contato com a cultura chinesa, de onde importou essas técnicas de kempo que, combinadas com a luta nativa hand-to-hand originou o Okinawa-te. Essas técnicas deram origem ao karate.