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Alguns itens a serem considerados no estudo da ditongação em sílabas fechadas por /S/

DA LÍNGUA ALTURA

4.3 A DITONGAÇÃO EM SÍLABAS FECHADAS POR /S/: CONTRIBUIÇÕES FONÉTICO-FONOLÓGICAS

4.3.1 Alguns itens a serem considerados no estudo da ditongação em sílabas fechadas por /S/

Primeiramente, ao lidar com o aspecto fônico da língua, contemplando uma gama variada de ocorrências e contextos linguísticos, como se faz neste trabalho, é preciso voltar-se mais diretamente a esse nível da língua, não tratando as ocorrências registradas simplesmente com base na percepção da palavra de um ponto de vista lexical ou morfológico. No intuito de conferir aos dados um tratamento mais eficaz, evidenciando as possíveis repercussões das questões prosódicas na ocorrência de realizações ditongadas, recorreu-se, primeiramente, à noção de “palavra fonológica”.

Câmara Jr. (2010 [1969]) define essa entidade com base no acento, na força de emissão das sílabas, distinguindo-a do vocábulo mórfico, pautado na questão do significado. De acordo com essa perspectiva, cada palavra fonológica seria aquela dotada de uma sílaba de grau máximo de força expiratória, portanto de um acento. Estabelece, então, uma pauta prosódica referente à força das sílabas, atribuindo o grau máximo às sílabas tônicas (3), seguidas das pretônicas (1) e das postônicas (0). Essa escala permitiria identificar as palavras fonológicas em sequências de segmentos ininterruptos, visto que “[...] só a sílaba tônica do último vocábulo fonológico mantém o acento máximo 3. A de cada um dos vocábulos precedentes fica com o acento mais atenuado, que podemos indicar por 2 [...].” (CÂMARA JR., 2010 [1969], p. 44). Os grupos de força delineados por Câmara Jr. equivaleriam, portanto, a sequências de palavras fonológicas, dentre as quais apenas uma delas seria mais saliente.

Os clíticos, partículas átonas, que não poderiam funcionar isoladamente na comunicação, de acordo com essa proposta, são tratados como parte da palavra fonológica: “[...] as partículas átonas [...] conforme se ligam ao vocábulo seguinte ou precedente, constituem um vocábulo fonológico único com esse outro [...].” (CÂMARA JR., 2010 [1969], p. 46). E ainda, posteriormente, afirma:

É claro que, por esse critério, [...] as chamadas partículas átonas não têm status de vocábulo fonológico. Se proclíticas, isto é, associadas a um vocábulo seguinte, elas valem como sílabas pretônicas desse vocábulo, com marca acentual 1; e, se enclíticas, isto é, associadas a um vocábulo precedente, nada mais são que a sílaba postônica última desse vocábulo com uma falta de intensidade 0. (CÂMARA JR., 2011 [1970], p. 63)

Como salienta Bisol (2004), o status do clítico na dimensão prosódica e a sua relação com a palavra fonológica não se esgotam nas ideias apresentadas por Câmara Jr. e são temas de discussões no âmbito das teorias fonológicas atuais, gerando diferentes interpretações.

Dentre as distintas opções interpretativas, destacam-se as ideias apresentadas por Nespor e Vogel (1986 apud BISOL, 2000, 2004, 2005), segundo as quais os constituintes prosódicos estariam organizados em uma relação de dominância hierárquica. Essa organização é efetuada a partir de uma relação de força que obedece ao princípio Licenciamento Prosódico: “[...] todas as unidades prosódicas de um determinado nível devem pertencer a estruturas prosódicas hierarquicamente superiores.” (COLLISCHONN, 2005a, p. 113). Os níveis identificados se organizam como demonstra o diagrama arbóreo abaixo.

Figura 13 − Níveis da hierarquia prosódica

Fonte: Elaborada a partir de BISOL, 2000, 2004, 2005.

Destacam-se, daí, a palavra fonológica e o grupo clítico. Segundo essa visão, toda palavra fonológica seria caracterizada por não deter mais do que um acento primário, Os grupos clíticos seriam constituídos da partícula átona e de seu hospedeiro. Ao retirar da palavra fonológica a obrigatoriedade do acento (ao menos um e não dotada de acento primário), essa proposta encara os clíticos também como tal, de um ponto de vista prosódico, o que não corresponde à sua realidade lexical.

A esse propósito, Bisol (2000) apresenta argumentos no sentido de que os clíticos não podem ser encarados como elementos autônomos, mas também não estabelecem com a palavra fonológica, seu hospedeiro, uma relação de integração, igualada àquela que se estabelece entre prefixos e palavras. Com base em exemplos referentes ao processo de harmonização vocálica no PB, demonstra que os clíticos (no caso, pronomes acusativos) são parcialmente independentes com relação à palavra fonológica, haja vista o fato de suas vogais

sofrerem a regra de neutralização entre as médias e as altas, tal qual ocorre com as sílabas sob domínio de palavras fonológicas, diferentemente de certas formas prefixais, que passam a integrar a palavra:

Os exemplos [...] sugerem que os sufixos são susceptíveis de serem separados em dois grupos, tomando-se o acento como um dos indícios de sua autonomia. Os que exibem acento próprio comportam-se como membros de palavras compostas, enquanto os demais são anexados a uma base morfológica. Entre esses há os que se integram à palavra fonológica no primeiro nível do componente lexical, pois não alteram estruturas prosódicas prévias [...] e outros que [...] integram-se mais tardiamente à palavra fonológica [...].

[...]

Enquanto os prefixos sempre integram a palavra fonológica completando-a ou aumentando-a, embora, como vimos, alguns o façam tardiamente, os clíticos anexam-se a uma palavra fonológica pronta, sem integrá-la, emergindo daí o primeiro constituinte prosódico pós-lexical. O processo de integração que existe entre o prefixo e sua base não existe entre o clítico e o seu hospedeiro, de modo que os membros que compõem essa unidade mantêm sua independência. (BISOL, 2000, p. 14-19)

Entende-se, assim, que lidar com essas partículas não é simples e não se pode fazê-lo encarando-as nem como unidades autônomas nem como formas presas às palavras fonológicas.

Durante o levantamento de dados e em atenção às análises prévias, verificou-se que as partículas átonas, a exemplo da conjunção ‘mas’ e dos determinantes ‘as’ e ‘os’, apresentavam comportamentos peculiares com relação à ditongação diante de /S/, sendo muito suscetíveis ao fato, em face do que ocorre com as sílabas pretônicas, como em ‘bastante’, ‘costuma’ etc., em que não se verificava a ditongação com frequência. Assim, como será visto no Capítulo 7, optou-se por estabelecer o controle de uma variável referente ao domínio prosódico ao qual está vinculada a sílaba fechada por /S/, destacando-se, dentre os constituintes, os grupos clíticos e as palavras fonológicas.

Outro aspecto que merece destaque se refere à tonicidade da sílaba envolvida no processo. Ao buscar avaliar as possíveis interferências da atribuição do acento na realização das vogais diante de /S/, evidencia-se, mais uma vez, a importância de aspectos prosódicos na variação em nível segmental. A observação desse parâmetro, entretanto, não é facilitada, dada a amplitude dos contextos linguísticos aqui considerados e em virtude das dificuldades inerentes à observação do acento, como pontua Collischonn (2005b):

[...] o acento é um objeto de estudo problemático porque não é realizado somente por maior intensidade, mas também por variações na duração, na entoação, na qualidade da vogal acentuada, além de manifestar-se também nos elementos vizinhos àquele que recebe o acento. (COLLISCHONN, 2005b, p. 159)

Sobre a diversidade de interpretações acerca do seu funcionamento e de sua representação fonológica, em trabalho mais recente, a autora afirma que, na Fonologia atual,

há uma série de considerações, algumas delas considerando o acento uma propriedade dos segmentos vocálicos, outras um atributo das sílabas. Estabelece, com base nas ideias da Fonologia Métrica, que avalia a acentuação como uma qualidade estabelecida pelos contrastes de proeminência entre os constituintes de determinada entidade prosódica, três tipos básicos de acento:

(1) Acento primário - atribuído à sílaba mais forte (tônica), do ponto de vista da sua intensidade, de sua maior duração e, ainda, da qualidade da vogal que compõe o seu núcleo, no âmbito da palavra;

(2) Acento frasal – relativo à sílaba mais proeminente em uma sequência de palavras, no domínio da frase;

(3) Acento secundário – referente à sílaba que, no domínio da palavra, é mais proeminente do que outras, mas que não recebe o acento primário.

Sinteticamente: “A sílaba que carrega o acento primário é mais proeminente dentre as sílabas que constituem a palavra. A sílaba que carrega o acento frasal é a mais proeminente dentre as sílabas acentuadas das palavras que constituem a frase.” (COLLISCHONN, 2007, p. 197).

No que tange ao acento frasal, especificamente, Abaurre (1996) esclarece que se trata de uma entidade que atua na interface entre fonologia e sintaxe, recaindo sobre as sílabas situadas na extremidade mais recursiva (em que se ramificam os constituintes sintáticos) das árvores sintáticas. Para o português, o acento frasal incidiria sobre as sílabas situadas mais à direita das sentenças, pois essa, “[...] como se sabe, é uma língua de recursividade sintática à direita [...]” (ABAURRE, 1996, p. 46). De acordo com esse parâmetro, em uma frase como “Me deixa em paz”, por exemplo, o monossílabo tônico ‘paz’ receberia não somente o acento lexical, mas também o acento frasal. Já na sequência “O rapaz conhecido de meu irmão”, a sílaba ‘-paz’ da palavra ‘rapaz’ seria acentuada primariamente, mas inacentuada no contexto frasal.

Para a autora e outros pesquisadores, haveria interferências desse tipo de acento sobre os processos de ordem segmental, uma vez que proporciona maior saliência aos contextos fônicos em que os segmentos estão inseridos. Compreende-se que seria válida a observação do papel do acento frasal sobre a ditongação em sílabas travadas por /S/, sobretudo por este trabalho não se restringir a ambientes específicos. Todavia, impostas limitações de variadas ordens, priorizou-se a verificação do condicionamento efetuado pelo acento primário, considerado, com base na impressão auditiva, a partir da maior intensidade da sílaba com relação à palavra fonológica, na aplicação da regra.

Salienta-se, ainda, a pertinência de itens como a quantidade de sílabas presentes nos dados observados, a posição da sílaba na ocorrência e a posição ocupada pela consoante, para a averiguação dos possíveis condicionamentos para as variantes com ditongo. A partir do controle desses elementos, somado à observação dos aspectos fonéticos relativos à vogal e à consoante, envolvidas no fenômeno, acredita-se que se alcançam resultados que permitem um conhecimento mais efetivo acerca da ditongação em sílabas fechadas por /S/ no PB.

5 A DITONGAÇÃO EM SÍLABAS FECHADAS POR /S/ NO PB: POR ONDE JÁ SE