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Alguns movimentos políticos para a qualidade de vida sobre ambiente urbano

Considerando o desenvolvimento econômico e consequentemente a desejada melhoria da qualidade de vida e do bem-estar social de povos que vivem em territórios ricos em

recursos naturais, Drummond (2002, p. 1) observa que leigos e estudiosos do desenvolvimento e bem-estar social, muitas vezes manifestam surpresa perante a pobreza material vivenciada por certas comunidades. O autor percebe ainda a existência de uma percepção enraizada, por parte de algumas correntes ambientalistas contemporâneas, de que regiões ou países ricos em recursos naturais deveriam ter populações prósperas, saudáveis e felizes.

Tal incoerência se afirma, em parte, como resultado do projeto de desenvolvimento capitalista concebido pelos países industrializados e dirigido aos países menos desenvolvidos, muitos deles de formação histórica de colônia, atualmente mais populosos e de grande adensamento urbano, cujo processo sócio histórico sequer apresentou um projeto de melhoria das condições de vida das pessoas. Subsidiou, na verdade, o aumento das desigualdades, da pobreza, da exclusão social, da degradação do meio ambiente, dentre outros, refletindo na qualidade de vida dessas populações.

A formação do ambiente urbano assume problemas que, por vezes, são peculiares, cujos processos de resolução lhes são próprios, os quais demandam políticas e priorizações. Assim, podemos considerar que a dificuldade de definir a qualidade ambiental em área urbana, envolve, de certo modo, desde aspectos físicos geográficos locais a valores culturais. São aspectos ligados ao ambiente social de cada grupo, sendo necessário, portanto, discutir a qualidade de determinado ambiente considerando os valores inerentes àquela população.

Com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, no Rio de Janeiro - Brasil, promovida pela ONU, também chamada de Rio 92, além de várias discussões em torno do processo econômico e os recursos naturais, foi apresentado um documento intitulado Agenda 21, o qual aborda algumas diretrizes e programas de metas para o desenvolvimento sustentável, definido, segundo Almeida (1999, p. 22), como “socialmente justo, economicamente viável, ecologicamente sustentável e culturalmente aceito”, em que se busca recuperar técnicas, valores e tradições.

Reconhecendo a problemática sobre a existência da diversidade socioeconômica e política entre as nações, para Jean-Pierre Leroy (2005), a Agenda 21 é uma agenda de consenso, cuja crítica do autor à Agenda se dá no sentido de que se mantém a histórica

incoerência, pois, na Agenda a necessidade do crescimento econômico para a resolução da pobreza e a melhoria do meio ambiente é afirmada como se fosse uma evidência para todos.

Sobre a necessidade do crescimento econômico, contida na Agenda 21, Gómez (1999) comenta que:

os princípios da economia clássica supõem uma disponibilidade ilimitada de recursos naturais em um contexto no qual só os bens escassos têm valor (preços), portanto, as regras institucionais das economias capitalistas se ocupam com pouco empenho no estabelecimento de critérios e mecanismos para corrigir essa situação. (GÓMEZ, 1999, p. 101).

Ainda sobre as regras das economias capitalistas, o constante apelo ao consumo de novos modelos de produtos que trazem pouca ou nenhuma inovação, induz ao descarte de materiais e, assim, ao consumo cada vez maior, não significando necessariamente um crescimento econômico igualitário entre grupos sociais, entre nações ou mesmo internamente em nações menos desenvolvidas.

Manifestação de importância dentro das preocupações ambientais relacionadas com assentamentos humanos, remonta à década de 1970, tendo sido realizada, em Vancouver, em 1976, a Primeira Conferência sobre Assentamentos Humanos das Nações Unidas (UN- Habitat) “voltada para situações críticas de habitação ocasionadas por desastres naturais, guerras civis e conflitos urbanos”. (SILVA e TRAVASSOS, 2008, p. 30). Desta conferência, resultou, em 1996, a Segunda Conferência sobre Assentamentos Humanos das Nações Unidas, conhecida como Habitat II, realizada em Istambul, tendo como produto a Agenda Habitat II.

Silva e Travassos (2008, p. 30) comentam que por ter a UN-Habitat se concentrado na necessidade da produção habitacional stricto-sensu para pessoas necessitadas, deixando a dimensão urbana relegada a um segundo plano, as autoras afirmam que com o acelerado processo de urbanização verificado nos 20 anos que separam as duas conferências, novas questões foram introduzidas. Dentre as novas questões, as autoras mencionam a existência da irregularidade e precariedade dos assentamentos populares, a necessidade de expansão das infraestruturas e dos serviços urbanos, o controle e o tratamento de resíduos, a poluição ambiental e a degradação decorrente do processo de expansão urbana. Tais considerações refletem sobre o fenômeno da segregação social, espacial e ambiental.

Quanto à Primeira Conferência sobre Assentamentos Humanos das Nações Unidas (UN-Habitat) realizada em Vancouver, na década de setenta, Rolnik (1996) em texto publicado pela Fundação Perseu Abramo, esclarece que se acreditava que Estados nacionais fortes conduziriam diretamente os processos de desenvolvimento que seriam capazes de promover a superação dos problemas urbanos existentes. A autora comenta que:

no Brasil, como na maioria dos países latino-americanos, a expressão política deste modelo foram ditaduras militares que construíram um aparato estatal forte e centralizado, excluindo qualquer possibilidade de diálogo com atores sociais, e estabeleceram com os governos locais - debilitados em termos de seus poderes - uma relação de clara subordinação. (ROLNIK, 1996, p. 82).

Ainda para Rolnik (1996), no caso do Brasil, a ação do Banco Nacional de Habitação (BNH) e a própria estrutura do Sistema Financeiro da Habitação, sendo eles os grandes agentes da política urbana e habitacional do país desde os anos de 1960, claramente favoreceram os agentes de intermediação financeira (bancos e companhias de crédito), grandes empreiteiras e construtoras, em detrimento do usuário final, especialmente o de baixa renda, a quem teoricamente toda esta estrutura deveria beneficiar. Para Rolnik, as ações do BNH e do Sistema Financeiro de Habitação impõem padrões perversos e deixam dívidas difíceis de serem pagas. A tais padrões, a autora se refere ao caso dos conjuntos residenciais de baixa renda produzidos pelas COHABs e outras companhias semelhantes, que deixaram um saldo de exclusão e degradação ambiental em quase todas as cidades que foram premiadas com sua instalação.

A essas contradições, soma-se a exclusão de habitação com qualidade em uma projeção de distanciamento da qualidade de vida, dentre as contradições, a ausência do poder público, no provimento de políticas habitacionais de interesse social, promovendo um modelo de expansão periférica de forma clandestina, principalmente para a parcela populacional de baixa renda. Trata-se de um modelo de expansão excludente e ao mesmo tempo torna-se uma das mais significativas formas de acesso habitacional. Como afirmam Silva e Travassos (2008),

ainda que executados de forma precária e à custa de investimentos insuficientes por parte dos empreendedores, os loteamentos clandestinos periféricos representam ao poder público, ao menos em curto prazo, o suposto equacionamento da questão da habitação popular. (SILVA e TRAVASSOS, 2008, p. 35).

Observa-se neste início de século, o esgotamento causado pelo estilo de desenvolvimento pautado na exploração econômica dos recursos naturais, alterando as condições de vida no planeta. Somando-se a essas questões de esgotamento dos recursos naturais, principalmente a partir do início dos anos 1990, ocorre uma redução da capacidade dos governos locais em gerir seus próprios problemas internos, dado ao processo de subordinação advindo da mundialização do capital, excluindo e segregando parte da sociedade planetária.

Apesar de certa dificuldade dos governos em atuarem nas resoluções dos problemas, os movimentos sociais podem ser considerados como instâncias reveladoras na perspectiva da busca de soluções diversas. Ainda durante as atividades da Rio-92, dentro do contexto das condições de vida em meio urbano, Ermínia Maricato (1994, p. 4) comenta sobre o evento denominado Fórum Nacional de Reforma Urbana, com a Habitat International Coalition-HIC e a Frente Continental de Organizaciones Comunais. Essas entidades, representantes de movimentos sociais de luta popular de âmbito internacional, promoveram a elaboração do Tratado por Cidades, Vilas e Povoados, Justos, Democráticos e Sustentáveis, cujos princípios ancoram-se no direito à cidadania, na gestão democrática e na função social da cidade e da propriedade.

Verona, Galina e Troppmair (2003, p. 88), quanto à Agenda Habitat II, realizada em Istambul, em 1999, a consideram-na voltada para a discussão sobre assentamentos humanos, associando o meio urbano e a sustentabilidade e o Relatório de Kyoto, o qual debate as mudanças climáticas e a redução de poluentes. Para os autores, outras duas contribuições importantes foram a elaboração das Agendas Marrom, voltada para o saneamento ambiental e a Agenda Verde, dirigida para os impactos e preservação da natureza.

Costa (2001) considera outros fenômenos, tais como o fato de que o fortalecimento de uma Agenda Marrom, relativa ao saneamento básico, a minimização dos riscos naturais, a nova saúde pública calcada tanto nos efeitos perversos da modernidade capitalista (como riscos químicos), quanto em necessidades básicas de água e esgoto, as propostas de Cidades Saudáveis e as crescentes certificações de produtos e processos produtivos são alguns dos aspectos associados aos mecanismos de tomada de decisões ambientais, que crescentemente oscilam, com diferentes graus de controle e autonomia entre as escalas global e local.

Mais recentemente, o III Fórum Urbano Mundial, realizado em Vancouver, em 2006, com o tema oficial do encontro sendo Nosso Futuro: Cidades Sustentáveis, segundo Antonucci et al. (2009), traz como contribuição o diálogo em torno de experiências concretas, destacando a importância de suportes técnicos, financeiros e da cooperação internacional para o desenvolvimento urbano sustentável. Os autores mencionam que em relação às perspectivas de melhoria das condições de vida dos moradores de favelas e outras minorias pobres da cidade, a inclusão social permeia praticamente todos os temas, onde se enfatiza a necessidade de revisão crítica dos processos atuais de participação social. Considerando o mundo eminentemente urbano, o Fórum destacou-se por discutir a sustentabilidade urbana como processo âncora para as possibilidades de transformação social.

A realização dos diversos eventos, como os citados acima, revela a necessidade de ações como resposta a uma crise no ambiente urbano, advindo do desenvolvimento econômico dado a mobilidade do capital financeiro e industrial, da especulação financeira, desencadeando em processos de exclusão social e de marginalidade, gerando ainda mais contrastes sociais expressos nos espaços urbanos. Resultantes dessa mobilidade financeira globalizante surgem inúmeras contradições, sendo que, para Santos (2003),

a posição social das populações mais diretamente atingidas pela globalização caracteriza-se pela desigualdade de oportunidades de vida, isto é, um acesso desigual a recursos e uma vivência de situações sociais desiguais, as quais podem ser resumidas em oito dimensões: saúde, habitação, trabalho, educação, relações de sociabilidade, segurança, informação e participação política. (SANTOS, 2003. p. 22).

Torna-se importante mencionar que, no Brasil, em 2003, o Governo Federal instituiu o Ministério das Cidades como resposta às reivindicações dos movimentos sociais de luta pela reforma urbana, dirigindo-se, entre outras prioridades, às questões que envolvem a habitação, o saneamento ambiental, o transporte e mobilidade, assim como em diferentes programas que apresentaram como meta melhorar as condições de habitabilidade de assentamentos humanos precários. Tais condições de habitabilidade precárias são consequências da ausência de políticas habitacionais, como nos lembra Rolnik (1996) que a imensa maioria dos assentamentos brasileiros foi construída pelos próprios moradores e com seus próprios recursos: todas as periferias do país, todas as favelas, todas as milhares de casas de aluguel nos fundos foram produzidas por microinvestidores, com suas próprias poupanças.

Portanto, torna-se imprescindível a análise de estudos que buscam compreender a qualidade de vida e ambiental por meio de mensuração dos fenômenos urbanos que expressam as condições de vida societária, sinalizando o grau de comprometimento com a realidade em termos sociais e espaciais, sinalizando também a sustentabilidade do espaço.

CAPÍTULO II

2 QUALIDADE DE VIDA E MEIO AMBIENTE: AS EXPERIÊNCIAS DE CONSOLIDAÇÃO DE INDICADORES.

Ao analisar as diversas literaturas produzidas sobre indicadores de qualidade de vida, de qualidade ambiental, indicadores de sustentabilidade, dentre outros, observou-se trabalhos de importância dado o processo de escolha das variáveis utilizadas na mensuração dos fenômenos e, em algumas circunstâncias, sua capacidade de interferir no ambiente sociopolítico de transformação e de geração de plataformas de políticas públicas. Observou-se também que as concepções metodológicas diferem em termos de apresentar contextos e objetivos singulares, com complexidades e interesses diversos.

A questão de elaboração de indicadores de qualidade ambiental e de vida urbana implica a análise dos diversos componentes presentes no espaço urbano, para que se possa desenvolver uma metodologia de mensuração por meio de um sistema de varáveis ou atributos, de maneira que sintetize, da melhor forma possível, o grau de comprometimento com a realidade oferecida no local, na cidade ou no território em estudo.

Assim, são apresentados, a seguir, de forma sucinta, alguns exemplos de experiências para o desenvolvimento de metodologias em construção de indicadores de qualidade de vida e de meio ambiente, como construto da fundamentação desta pesquisa, sendo: o Mapa da Exclusão/Inclusão Social da Cidade de São Paulo/2000, o Índice de Sustentabilidade de Blumenau – ISB, o Sustainable Seattle, o Índice de Qualidade de Vida Urbana - Belo Horizonte (IQVU), Xarxa de Ciutats I Pobles Cap a La Sostenibilitat, a Experiência do Projeto Jaboticabal Sustentável e a Proposta de Sistema de Indicadores Sociais Georreferenciados para o Planejamento e a Gestão Local.

2.1 Mapa da Exclusão/Inclusão Social da Cidade de São Paulo/2000 – PUC-INPE-