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O espaço urbano, nas constantes transformações de seu ambiente, decorrente de seu processo de produção e reprodução, observa-se a materialização das diferentes práticas socioespaciais das distintas intencionalidades de seus agentes provocando inúmeros problemas na urbanização tais como:

a ausência de infraestrutura, equipamentos coletivos e serviços, nas áreas habitadas pela população de menor renda; surgimento de áreas de ocupação em situação de risco ambiental; favelização em áreas verdes; especulação imobiliária em vazios urbanos; congestionamentos das áreas centrais, entre outros. (SPOSITO, et al., 2007, p. 56).

Portanto, os espaços urbanos, em função da ótica progressista do desenvolvimento econômico e do crescimento ilimitado, reúnem diferenças econômicas e de poder entre as

camadas sociais presentes nas cidades, resultando em um desigual acesso à infraestrutura urbana, refletindo na qualidade ambiental e na qualidade de vida das pessoas.

Minaki e Amorim (2007, p. 73) complementam essa visão observando que aspectos como alimentação, saúde, moradia, infraestrutura e saneamento básico não são acessíveis a toda a população. Para as autoras, as relações socioeconômicas são predominantemente desiguais, demonstrando a característica do modo de produção capitalista de visar somente o lucro por meio da exploração.

Em relação a esse movimento capitalista, Santos (1993) afirma que:

a aceleração da urbanização a partir da Segunda Guerra Mundial é concomitante ao forte crescimento demográfico brasileiro registrado nessa época que resultou em grande parte de um decréscimo na mortalidade devido aos progressos sanitários, à melhoria relativa nos padrões de vida e à própria urbanização. (SANTOS, 1993. p. 31).

Contudo, a grande parcela de pessoas que migraram para a área urbana à procura de melhores condições de vida conseguiu se estabelecer em áreas desvalorizadas, algumas consideradas sem utilização dadas as condições ambientais, muitas vezes, em áreas de risco de desastres ou de proteção ambiental, o que, particularmente, se relaciona não apenas ao processo de expansão das cidades nos eixos centro-sul, mas também ao processo de ocupação de áreas do Brasil Central.

Com esse adensamento populacional nas áreas urbanas, considerando os problemas causados pela aceleração desta formação socioespacial, a moradia na cidade só se torna viável quando se dispõe de condições mínimas, entre outras coisas, distribuição de água, coleta de esgoto, presença de rede elétrica e vias públicas. Segundo Nucci (1999, p. 73), o adensamento surge vinculado à disponibilidade de infraestrutura e às condições do meio físico. O autor também observa que para este adensamento, os impedimentos do meio físico ou ambiental não são considerados no momento das decisões de ocupação urbana por não haver normas, critérios e padrões suficientes para assegurar um ambiente humanizado, denotando a completa ausência de planejamento e instrumentos sociopolíticos de gestão territorial.

o fato de se tornarem populosas sem medidas que privilegiem o adensamento urbano as tornam centros de problemas que extrapolam os limites político-territoriais, alcançando a dimensão físico-ambiental, que por ser de difícil delimitação, nem sempre recebe o tratamento apropriado. (MINAKI e AMORIM, 2007, p. 68).

Reconhecendo que a sociedade humana depende, para seu bem-estar, não só dos parâmetros éticos e sociais, mas também dos fatores ambientais, Nucci (1999. p. 74) complementa que o adensamento, dentre outras coisas, interfere sobre os aspectos relacionados ao clima urbano, tais como a formação de ilhas de calor, a poluição, etc. O autor menciona também os problemas causados pela água, como enchentes, abastecimento e esgotamento, os problemas com o lixo, a poluição sonora e visual, a cobertura vegetal, os espaços livres e áreas verdes para recreação, o uso do solo, a verticalização, etc.

Portanto, no ambiente urbano, o espaço público, a água, a moradia, a coleta dos resíduos sólidos e líquidos, apresentam-se vinculados às necessidades dos cidadãos, como fatores que, dentre outros, consolidam-se como limitantes e que influenciam e determinam sobremaneira a qualidade de vida.

No debate sobre a qualidade ambiental em área urbana quanto ao disciplinamento do uso e ocupação do solo, torna-se importante perceber quais aspectos do meio ambiente contribuem na orientação aos diferentes usos do solo. Assim, o reconhecimento prévio dos impactos negativos das diversas atividades torna-se de importância ao disciplinamento do uso do solo urbano, pois

as cidades cada vez mais são consideradas ambientes com baixa qualidade ambiental devido, em parte, à falta ou inadequado planejamento para minimizar os impactos relativos ao uso e ocupação do solo. Com isso, os estudos relacionados à qualidade do ambiente urbano podem subsidiar o planejamento a partir de informações que poderão gerar políticas capazes de tornar o uso e a ocupação do solo, nas cidades, menos impactantes ao meio ambiente, que deve ser relativamente equilibrado para melhorar a qualidade de vida da população. (LIMA e AMORIM, 2007, p. 2).

Os adensamentos urbanos pela precária disponibilidade de infraestrutura e de espaço físico fragilizam a qualidade ambiental, por exemplo, “na ausência de espaços livres que possam permitir o saudável contato do cidadão com a natureza, fornecendo também possibilidades de socialização e expressão cultural”. (SCHIMIDT, 2005, p. 385).

Reconhecer a natureza, as proporções, as funções sobre as condições de qualidade de vida em um determinado espaço social, a sua relação com a qualidade ambiental resulta em considerarmos quais características sociais se tornam determinantes para tornar um espaço favorável para as habitações e vidas humanas.

Peet (1985, p. 262), em seu artigo sobre a desigualdade e a pobreza em uma análise teórica geográfica-marxista, aborda a teoria do meio ambiente ou geográfica, sugerindo o meio ambiente como o dos recursos sociais, ou seja, aquele em que o homem se reproduz em certo meio físico, social e econômico, com uma série de recursos como serviços, contatos e oportunidades. O autor menciona que os componentes mais importantes do meio físico são a casa e o bairro, que influem na produtividade individual por meio de fatores tais como a saúde física e mental. O meio ambiente social, para o autor, são as conexões pessoais entre amigos, parentes, cuja rede social oferece informações sobre oportunidades econômicas.

Sobre as concepções de Peet (1985) observa-se que o sistema econômico capitalista produz classes sociais, com distintas funções e desiguais formas de participação em razão dos salários, poder e status, o ambiente físico-social torna-se hierarquizado pelos diferentes meios e recursos, que compõem as diferentes estruturas socioespaciais da geografia social urbana.

Portanto, considerando o princípio marxista de que a desigualdade e a pobreza são produtos das sociedades capitalistas, a hierarquização da qualidade do ambiente físico e social urbano ocorre em condições de exclusão, onde as camadas mais pobres tornam-se cada vez mais vulneráveis.

Dadas às contradições do capitalismo, o crescente distanciamento do nível de renda entre as classes sociais, as populações economicamente menos privilegiadas são as mais afetadas pelas condições ambientais causadas pelas alterações advindas dos impactos negativos da urbanização. Nesse caso, ocorre a segregação do ambiente físico e social urbano, principalmente nos países em desenvolvimento, como o Brasil, onde a população menos privilegiada tende a se concentrar em espaços com riscos ambientais. Ainda pelas contradições do capitalismo, o ambiente físico e social segregado também ocorre pelo interesse do mercado imobiliário, por proporcionar a ocupação em determinadas áreas, algumas vezes ilegais ou em áreas sujeitas a riscos, como inundações e deslizamentos, sem acesso a serviços básicos, como água e esgoto. Tais áreas, por vezes, apresentam alta

densidade populacional, pois, normalmente em áreas periféricas, correspondem a um baixo preço da terra, e, assim, prestam-se a suprir as necessidades das populações de baixa renda.

Reconhecer as condições de qualidade ambiental urbana permite, através da análise do espaço geográfico, selecionar os possíveis indicadores e variáveis que possam caracterizar um ambiente urbano com determinado padrão de qualidade de vida aos cidadãos. Observa-se que a qualidade do ambiente urbano referindo-se ao próprio ambiente social, a infraestrutura, as áreas verdes, dentre outros, correspondem a objetos quantitativos e qualitativos urbanos, que incorporam fatores subjetivos, como a satisfação e demais percepções humanas acerca de seu modo de vida e, por sua vez, da sua qualidade.

Assim, o debate sobre a sustentabilidade da qualidade de vida vinculada à qualidade ambiental torna-se complexa no sentido de desvendar a qualidade do meio ambiente urbano, enquanto espaço socialmente construído. Compreendendo o espaço urbano com sua função e estruturas ligadas aos processos sociais, expressos por cada tipo e período da organização social, o espaço é onde a ação humana transforma o ambiente a cada momento dados os novos processos de relações sociais. Assim, quanto à sua configuração, Santos (2006b) concebe que “a configuração territorial tem uma existência material própria, mas sua existência social, isto é, sua existência real, somente lhe é dada pelo fato das relações sociais”. (SANTOS, 2006b, p. 38-39).

A existência de um ambiente urbano sustentável vincula-se, portanto, com a organização social e as suas relações de poder, o que fortalece o debate sobre a dimensão sociopolítica. A qualidade do ambiente urbano, então, representa uma das características essenciais para a determinação da qualidade de vida da população, sendo, portanto, necessário analisa-lo do ponto de vista social, a sua abrangência associada às dinâmicas da urbanização capitalista.

Pode-se arriscar a atestar que a grande maioria das cidades brasileiras apresenta, em diferentes escalas, um quadro em que se constata uma insustentabilidade, em consequência da segregação espacial, dadas as desigualdades de oportunidades, à exclusão ao acesso aos instrumentos sociais públicos, de direito à população e à sua qualidade de vida. Comunidades excluídas acumulam as desvantagens em diferentes dimensões que se manifestam, dentre

outros, em riscos ambientais, conflitos e violência, com propensão a resultar na naturalização do processo de exclusão social e espacial.

A qualidade do ambiente urbano, portanto, é permeada por uma somatória de fatores físicos, sociais, econômicos, políticos e mesmo culturais, de importância a depender da organização de cada grupo de indivíduos, de cada sociedade estudada. E é nesse sentido que ao pensar a gestão do espaço urbano, Carlos (2007b) comenta que

ao privilegiar determinadas áreas da cidade, abrindo avenidas, destruindo bairros, fechando ruas, impedindo usos e determinando outros, implode a sociabilidade, desloca os habitantes, influencia a valorização/desvalorização dos bairros da cidade e acentua a desigualdade. (CARLOS, 2007b, p. 15).

Complementando a questão da qualidade ambiental urbana, o acesso aos recursos naturais, assim como os impactos gerados por sua destruição, para Grazia e Queiroz (2001, p. 11) tais impactos “não são homogeneamente distribuídos entre os diversos grupos da sociedade, sendo mais uma face a refletir a desigualdade social e a desigualdade de poder que os grupos detêm”. Ainda as autoras comentam sobre o saneamento ambiental, cujos serviços refletem as desigualdades sociais, pois “tendo sido historicamente alvo de acirradas disputas pela aplicação de recursos, resultaram em melhor qualidade de serviços nas áreas de residência das parcelas mais abastadas da sociedade”. (GRAZIA E QUEIROZ, 2001, p. 34). A esse acirramento de disputas, para Ribeiro (2009, p. 26), resulta em segmentos do tecido urbano referentes à hegemonia do capital financeiro na composição geográfica do espaço.

Embora o poder público seja considerado por Lojkine (1997, p. 193) como agente principal na distribuição dos equipamentos urbanos, encontram-se práticas espaciais diferenciadas na organização espacial que influenciam, segundo Corrêa (2003, p. 35) em sua existência e reprodução. Observa-se uma repartição territorial do consumo e uma repartição territorial do trabalho, nas palavras de Santos (2008, p. 69). O mesmo autor relaciona a renda com a posição do indivíduo no espaço “cuja localização determina a capacidade de produzir e de consumir” (SANTOS, 2007, p. 125-126), vindo a refletir no acirramento de disputas por atendimento sobre as demandas sociais e ambientais no espaço, que, por sua vez, cabe considerar que em determinados espaços urbanos a renda pode apresentar uma centralidade, mas os processos históricos de urbanização podem determinar processos ambientais desequilibrados para diversos grupos sociais.