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A nível da doutrina há diferentes pré-compreensões à respeito da história do contencioso administrativo. Nas páginas que se seguem far-se-á uma breve síntese da sua evolução, começando obviamente, por procurar entender o sentido da expressão e culminando por destacar as características que mais ecoam no panorama angolano.

O “contencioso administrativo” é uma expressão de origem francesa, usada com aceções de distinta amplitude32. De acordo a perspetiva anteriormente acolhida, pode ainda significar o conjunto das regras jurídicas que organizam os meios e os instrumentos para dirimir os litígios com a Administração Pública.

Segundo, DIOGO FREITAS DO AMARAL33, as garantias contenciosas representam a forma mais elevada e mais eficaz de defesa dos direitos subjetivos ou dos interesses legítimos dos particulares, que conhecem a sua concretização através dos tribunais.

31 No âmbito do reajuste do plano de atividades ao OGE 2015 Revisto, e em função da quota orçamental disponibilizada, estão previstas, a conclusão de algumas infraestruturas. Está igualmente previsto o início da construção dos Tribunais da Relação de Luanda e de Benguela, que vão responder ao plano piloto da Lei de Organização e funcionamento dos Tribunais de Jurisdição Comum. Cfr. in X Conselho Consultivo Alargado do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola (MINJUDH), Luanda, 5 de Março de 2015, p.6. As recomendações acima, demonstram os desafios que o ministério de tutela tem na criação de uma justiça de proximidade, eficiente e acima de tudo, voltada a prestação de serviços com maior qualidade, onde o indispensável no nosso entender, mais do que se teorizar um conjunto de ações é a execução prática que mais releva.

32 CORREIA, Sérvulo, Direito do Contencioso Administrativo, Lisboa, Lex, 2005, p.31.

33 AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito …ob.cit., p.791.

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Para MARCELO CAETANO34 a tónica do contencioso residia na legalidade do ato da Administração, por essa razão, que no contencioso não se fazia o “julgamento do órgão que praticou o ato ou da pessoa coletiva a que ele pertence, o que está em causa é a legalidade do ato, não o comportamento das pessoas.

Dos posicionamentos acima descritos, sufragamos a visão de SÉRVULO CORREIA, sem deixar de considerar o facto de que para o contencioso administrativo, é fundamental a valorização do processo jurídico-administrativo.

Na doutrina processual administrativa angolana, citando-se CARLOS FEIJÓ35, o contencioso administrativo vai significar a matéria da competência dos tribunais administrativos, ou ainda por outras palavras, o conjunto dos litígios que envolvem a Administração Pública e que hajam de ser solucionados pelos tribunais administrativos ao abrigo da legislação aplicável, em especial da que é constituída por normas de Direito Administrativo.

Quanto à evolução do contencioso administrativo importa sublinhar que teve a sua origem histórica em França, tal como já salientado acima, onde começa a ser construído a partir da revolução francesa e com a declaração dos direitos do homem e do cidadão, ambas ocorridas em 1789 e como reação aos abusos dos parlamentos. Os revolucionários oitocentistas entendiam que o respeito pelo princípio da separação dos poderes, que, entretanto havia sido proclamado como princípio básico da organização do Estado, impedia que à jurisdição ordinária fosse confiada a tarefa de julgar as questões contenciosas da Administração, razão pela qual a Assembleia rejeitou uma proposta no sentido de confiar o contencioso administrativo aos Tribunais comuns, preferindo instituir Tribunais Administrativos pela Lei 16/24 de 179036. Saliente-se que os tribunais referidos, quanto à sua composição, estavam formados por magistrados provenientes da mesma administração ativa - Rei, Ministros, Administradores de Departamento, e com eles o contencioso administrativo era confiado à própria Administração ativa. Criava-se uma “jurisdiction d’exception”, nas palavras de RENÉ CHAPUS, com administradores-juízes ou, por outras palavras, instituía-se o sistema de

“administration juge37.

34 CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vol. II, Coimbra, Almedina, 1980, p.1327.

35 FEIJÓ, Carlos, O procedimento Administrativo e Contencioso Administrativo (texto), Lisboa, Prisma, 1999, p.69.

36Cfr. CORREIA, Sérvulo, Direito do Contencioso…ob.cit, p. 45 e ss.

37 CHAPUS, René, Droit du Contentieux Administratif, 8.ª ed., Paris, Montchrétien, 1999, p. 35.

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Em 1790, a Lei 7-16 de Outubro e a Lei 6-11 de Novembro acabaram por consagrar que as reclamações contra atos ilegais da Administração deveriam ser deduzidas junto do Rei e, mais tarde, com a monarquia constitucional, essa competência era atribuída aos Ministros, com a consagração da Monarquia Constitucional38. Completa-se então o sistema de solução dos conflitos de natureza jurídico-administrativa, que ficou conhecido por sistema de “justice retenue” ou de justiça reservada nas mãos do Governo, sistema que no ano VIII (1799) vai evoluir com a criação, pelo consulado, de uma administração consultiva ao lado da administração ativa.39 Na verdade, a Constituição do ano VIII criou o Conselho de Estado como um órgão consultivo do chefe de Estado, com competência para apreciar e emitir parecer sobre as questões contenciosas, parecer que carecia da homologação do chefe de Estado.

No mesmo ano foram criados nos Departamentos, os Conselhos de Prefeitura com funções contenciosas junto do Prefeito, que as exerciam sem necessidade de homologação40.

O sistema do contencioso administrativo francês só fica completo com a reforma de 1953 que cria os Tribunais administrativos regionais, para substituir os velhos conselhos de prefeitura, pondo fim aos conselhos interdepartamentais, criados em 1926.

O Conselho de Estado passa a conhecer exclusivamente dos recursos interpostos das decisões proferidas pelos Tribunais administrativos41.

Ainda relativamente a génese do contencioso administrativo, interessa recordar a visão defendida por VASCO PEREIRA DA SILVA42 que propugna que a mesma

“resulta de uma infância difícil ou fonte de traumas para uma vida inteira aos acontecimentos históricos que rodeiam o surgimento e desenvolvimento do Direito Administrativo. No seu exercício de psicanálise jurídica aponta duas principais

“experiências traumáticas”, ou da sua ligação originária a um modelo de contencioso dependente da Administração e das circunstâncias que estão na base da afirmação da sua própria autonomia como um ramo do Direito.

38 BRITO, Wladimir Augusto Correia, Lições de Direito Processual Administrativo, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p.20.

39 “Por justiça reservada se deve entender aquela em que o monopólio pela resolução de conflitos está exclusivamente adstrito ao Soberano, em vez de ‘delegar’ esse exercício aos Tribunais”, cfr. RIVERO, Jean, Direito Administrativo, Coimbra, Almedina, 1981, p.160.

40 BRITO, Wladimir Augusto Correia, O Contencioso Administrativo …ob.cit.,p.19.

41 Ibidem, p.21.

42SILVA, Vasco Pereira da, O contencioso administrativo no Divã da Psicanálise: Ensaios sobre as ações no novo Processo administrativo, Coimbra, Almedina, 1955-2005, p.7.

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A primeira dessas experiências ou acontecimentos traumáticos decorre do surgimento do contencioso administrativo na Revolução Francesa, concebido como “ privilégio do foro” da Administração, destinado a garantir a defesa dos poderes públicos e não a proteção dos direitos dos particulares, tendo protagonizado o surgimento do princípio da separação de poderes, retirando aos órgãos da Administração o privilégio de se julgarem a si próprios, o que criava uma autêntica confusão entre a função de administrar e de julgar 43.

A segunda experiência tem que ver com as circunstâncias em que foi afirmada a autonomia do Direito Administrativo ou foi verificada a preocupação como garantia da Administração do que a proteção dos particulares teria de ser.

O mesmo autor referenciado44 ainda no que concerne a origem e linhagens profundas do contencioso administrativo distingue três fases principais45, conforme se pode confirmar abaixo:

(I) A fase do “pecado original”, que corresponde ao período do seu nascimento e que passa por distintas configurações até chegar ao sistema da “ justiça delegada” – que se impôs como paradigma do modelo do Estado Liberal;

(II) A fase do “ batismo”, ou de plena jurisdicionalização do contencioso Administrativo – prenunciada na transição dos séculos XIX para o XX;

(III) Por último, a fase do “crisma” ou da “ confirmação”, caracterizada pela reafirmação da natureza jurisdicional do contencioso Administrativo, acompanhado da respetiva dimensão subjetiva, destinada à proteção plena e efetiva dos direitos dos particulares.