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SÍNTESE CONCLUSIVA DO CAPÍTULO II

3. Poder judicial (Breves considerações)

3.3. Categoria de tribunais

Qualquer discussão sobre a justiça administrativa leva a uma profunda reflexão em torno da organização e funcionamento dos tribunais, no intuito de se ter certeza da operacionalidade de todo sistema. É nesta ordem de ideias que urge explicar de forma sucinta, as categorias de tribunais existentes.

Antes, importa recordar os ensinamentos de MARCELLO CAETANO127, quando defendia a relevância da função jurisdicional na aplicação das leis. «O mesmo entendia que pela via jurisdicional quando está em causa um conflito de interesses, quer se trate de dois interesses privados, quer de um interesse privado e um público, a execução da lei exige prévia definição de qual dos interesses desfruta da proteção jurídica para assim deslindar o conflito».

Do raciocínio supra, entendemos a importância que os tribunais desempenham na realização da justiça. Através de um certo esforço intelectual, os operadores da justiça e do direito se encarregam de subsumir os factos que lhes são dados para apreciação às normas jurídicas, para a solução do caso concreto. Estamos diante de um órgão de soberania, que por força das suas competências e atribuições, está constitucionalmente habilitado a promover a justiça, criando assim um ambiente de harmonia e estabilidade nas relações entre os particulares, bem como em relação aquelas que hajam sido firmadas com os órgãos administrativos.

As categorias de tribunais foram primeiramente consagradas nos termos do artigo 125.º da LC, em que para além do Tribunal Constitucional, destacavam-se outras que a seguir cumpre mencionar:

(1) Tribunais Municipais;

126 Para mais detalhes, veja-se, a proposta de anteprojeto da lei de organização e funcionamento dos tribunais da jurisdição comum, quanto às linhas orientadoras da implementação da fase experimental, fase de avaliação e a fase de alargamento em todo território nacional. Disponível em: http://crjd-angola.com/index.php?pagina=publicacoes. Consultado em 12 de Fevereiro de 2017.

127CAETANO, MARCELLO, Manual de Direito Administrativo, Vol I, 10.ª ed., 2.ª Reimp; Rev., e atualizada por Diogo Freitas do Amaral, Coimbra, Livraria Almedina, 1982, p.12.

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(2) Tribunais Províncias;

(3) Tribunal Supremo;

A LSUJ, acaba por estabelecer a divisão e a hierarquia judicial dos mesmos, em conformidade com a divisão política do Estado. Os Tribunais Municipais, também chamados na altura de “ Tribunais Populares Municipais” exerciam jurisdição no território do município que situava-se na respetiva sede. Os Tribunais Provinciais, exerciam jurisdição no território da respetiva província, com sede na sua capital.

Finalmente, o Tribunal Supremo, doravante (TS) exercendo jurisdição em todo território nacional e com sede na capital do país (Luanda).

Com a aprovação da Constituição de 2010, a mesma estabeleceu outras categorias de tribunais. Entretanto, os tribunais superiores de acordo o disposto no n.º 1 do artigo 176.º da CRA são:

(i) Tribunal Constitucional128; (ii) Tribunal Supremo129; (iii)Tribunal de Contas130; (iv) Supremo Tribunal Militar.

O Tribunal Constitucional, representa a jurisdição constitucional, tendo a tarefa de se pronunciar sobre matérias de índole jurídico- constitucional (artigo 180.º, n.º 1 CRA). No âmbito desse importante tribunal, importa tecer uma breve referência sobre a sua composição e o modo como os juízes que nele funcionam são designados.

Relativamente à composição, o Tribunal Constitucional, abreviadamente (TC), é composto131, por 9 Conselheiros. Quanto a designação dos mesmos, salienta-se o seguinte:

Quatro juízes indicados pelo Presidente da República incluindo o Presidente do Tribunal;

128 Sobre o TC no plano da legislação ordinária, importa fazer alusão a dois importantes diplomas: Em primeiro lugar, a Lei nº 2/08, de 17 de junho, alterada pela Lei nº 24/10, de 3 de dezembro - Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC); Em segundo lugar, a Lei Orgânica do Processo Constitucional (Lei nº 3/08, de 17 de junho, alterada pela Lei nº 25/10, de 3 de dezembro) (LOPC).

129 A composição, organização, competência e funcionamento do TS de Angola encontra-se melhor detalhada a nível da Lei n.º 13/11, de 18 de Março. D. R, I Série n.º 52.

130 Sobre o Tribunal de Contas, existe a Lei Orgânica e do Processo do Tribunal de Contas (LOPTC), aprovada pela Lei 13/10, de 9 de julho. Este tem sido um diploma orientador de toda atividade desenvolvida pelo Tribunal de Contas, obviamente baseado na CRA.

131 Cfr. artigo 180.º, n.º 3 da CRA. No mesmo sentido, o artigo 11 da LOTC.

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Quatro juízes eleitos pela Assembleia Nacional por maioria de 2/3 dos Deputados em efetividade de funções, incluindo o Vice- Presidente do Tribunal;

Dois juízes eleitos pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial;

Um juiz selecionado por concurso público curricular nos termos da lei.

De acordo o preceituado no n.º 1 e 2 do artigo 44.º da LOTC, O TC de Angola contempla dois principais órgãos, nomeadamente, os órgãos colegiais (plenários e as camaras), e os órgãos singulares (O Presidente e o Vice- Presidente)132.

O TS, é a instância judicial superior da jurisdição comum (artigo 181.º, n.º 1 CRA).

No que toca aos poderes de cognição, o TS nos processos em que nos termos da lei funciona como primeira instância, conhece de matéria de facto e de direito. Já quando funciona como instância de recurso, conhece matéria de direito, de acordo com o disposto no artigo 5.º da LOTS.

De acordo o n.º 2 do artigo 21 do diploma aludido, o TS é constituído por três órgãos, onde se destacam os seguintes: Presidente; Plenário e por último as Câmaras (câmara criminal; câmara do cível, administrativo, fiscal e aduaneiro; câmara do trabalho; câmara da Família, sucessões e Menores)133. O plenário do TS pode se desdobrar em camaras e secções, mas para que tal acontece, é necessário que haja uma proposta do Presidente, de acordo o n.º 4 da disposição legal acima citada.

Quanto ao funcionamento do TS, vale recordar que o plenário é constituído por todos os juízes que compõem as câmaras e só pode funcionar com a presença da maioria absoluta dos juízes em efetividade de funções, o mesmo se aplica às câmaras e as secções (artigo 22.º, n.º2 e 3 da LOTS).

Para a compreensão das matérias que o TS conhece através dos seus órgãos, urge perceber, quais são as competências das câmaras e do plenário, previstas nos termos do artigo 33.º da LOTS? Partindo pelas competências das camaras, o legislador angolano, elencou as seguintes competências:

132Para melhor aprofundamento, as questões relacionadas ao processo de deliberação, tempo de duração do mandado, bem como as competências do TC, veja-se, o Estatuto do TC da República de Angola.

133 Com a revogação da LSUJ em que toda organização e funcionamento do TS se baseava, mesmo com a substituição do mesmo diploma pela nova LOFTJC, nada altera na medida em que, sem prejuízo deste último instrumento legal nos termos do n.º 2 do artigo 36.º, remete diretamente para a LOTS, as questões relativas à composição, competência, organização e funcionamento das camaras.

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Julgar de facto e de direito, os recursos interpostos das decisões proferidas em primeira instância;

Julgar processos por crimes cometidos por Magistrados Judiciais, Magistrados do Ministério Público, membros dos Conselhos Superiores das Magistraturas Judiciais e do Ministério Público, generais das forças armadas angolanas entidades equiparadas, às mencionadas na presente al. e) do n.º 2 do presente artigo;

Conhecer dos conflitos de competência entre os Tribunais Provinciais;

Conhecer de pedidos de «habeas corpus» em virtude de detenção e prisão ilegal das entidades cujo julgamento é da competência da câmara criminal;

Conhecer dos conflitos de jurisdição cuja apreciação não pertença a outra câmara;

Presidir a instrução contraditória e proferir despacho de pronúncia ou de não pronúncia, nos processos referidos na al. b);

Rever as sentenças que em matéria cível e de família tenham sido proferidas por Tribunais estrangeiros ou árbitros em países estrangeiros, nos termos da lei do processo;

Julgar confissões, desistências e transações, bem como quaisquer incidentes no processo que deva conhecer;

Julgar por intermédio do Relator, os termos do recurso a este cometidos pela Lei de Processo;

Decidir sobre o pedido de atribuição a outro tribunal da mesma espécie e hierarquia nos casos de obstrução no exercício de jurisdição pelo Tribunal competente;

Quanto às competências do plenário, o legislador ordinário decidiu consagrá-las no artigo 34.º da LOTS, tal como se descreve abaixo:

Julgar os recursos interpostos de decisões proferidas pelas Câmaras quando estas julguem em primeira instância;

Uniformizar a jurisprudência nos termos da Lei de Processo;

Conhecer os conflitos entre as Câmaras;

Julgar os recursos de revisão e de cassação interpostos, nos termos da Lei de Processo das decisões proferidas pelas Câmaras e ordenar a suspensão da sua execução;

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Conhecer o pedido de extradição de cidadãos estrangeiros;

Exercer as demais competências conferidas por lei134;

Outro tribunal superior ao abrigo da CRA é o Tribunal de Contas, representando a jurisdição financeira, considerado o órgão supremo de fiscalização da legalidade das finanças públicas e de julgamento das contas que a lei sujeitar à sua jurisdição. (artigo 182.º, n.º 1 CRA).

O Supremo Tribunal Militar, é o órgão superior da hierarquia dos tribunais Militares (artigo 183.º, n.º1 CRA).

Além das jurisdições acima apresentadas o legislador constituinte deixou em aberto, a possibilidade de serem criadas outras jurisdições, onde se destacam:

(i) Uma jurisdição Administrativa, fiscal e Aduaneira, encabeçada pelo respetivo Tribunal Superior;

(ii) E outra encabeçada pelos Tribunais Marítimos (artigo 176.º, n.º 3 e 4 da CRA).

«A organização dos tribunais é complexa em face dos múltiplos critérios possíveis para discernir as competências jurisdicionais exercidas, sendo ao mesmo tempo certo que a sua pluralidade é inevitável perante a evidência de não se poder concentrar numa única instância todo o poder jurisdicional. É assim que se pode observar que essa pluralidade de instâncias jurisdicionais se arruma de acordo com dois importantes critérios: o da hierarquia e o da matéria135».

«O texto constitucional alude simultaneamente a esses dois critérios para construir o edifício da jurisdição angolana, não obstante existirem outros critérios relevantes para se aquilatar das competências dos tribunais136».

O sistema de organização e funcionamento dos tribunais compreende uma jurisdição comum encabeçada pelo TS e integrada igualmente por Tribunais da Relação e outros tribunais, e uma jurisdição militar encabeçada pelo Supremo Tribunal Militar (artigo 176.º,n.º2). Na mesma senda, o legislador constituinte já abriu o debate de num futuro próximo vir a ser criada uma jurisdição Administrativa, Fiscal e Aduaneira autónoma. Quanto ao tribunal da Relação até o momento, apesar de ter sido dado um passo que se reveste de grande importância com o surgimento no plano infraconstitucional da Lei n.º 1/2016, de 10 de Fevereiro, estabelecendo a organização,

134 Os demais detalhes relativos ao TS podem ser consultados no âmbito da LOTS.

135 GOUVEIA, Jorge Bacelar, O Poder Judicial na Constituição de Angola de 2010…ob.cit.,p.58.

136 Cfr.MENDES, João de Castro, Direito Processual Civil I, Lisboa, AAFDL, 1986.

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composição e funcionamento dos Tribunais da Relação de Angola, tendo o mesmo diploma legal entrado em vigor, a 11 de Março de 2016, no entanto, faltará apenas a concretização sob o ponto de vista material. Não existem estruturas, onde se encontram albergados os referidos tribunais, embora seja importante referenciar os avanços concebidos, por um lado, pela Constituição ao ter reconhecido essa categoria de tribunais, o que faz cogitar o papel que os mesmos podem desempenhar em todo sistema jurisdicional, contribuindo obviamente para uma maior celeridade na realização da justiça. Por outro lado, a concretização do disposto no n.º 2, al.a) in fine, do artigo 176.º da CRA, não se prolongou por muito tempo, o que veio acontecer rapidamente com a aprovação da lei ordinária, reguladora do âmbito e organização dos Tribunais da Relação.

Com o emergir de novos tempos, marcados por mudanças no sistema de justiça angolano, com vista a torná-lo mais eficiente perante às diferentes preocupações que se lhe colocam, um novo mapa judiciário foi introduzido pela Lei 2/15, de 2 de Fevereiro já mencionada e em consequência, os Tribunais da Relação surgem como tribunais de segunda instância, e os de comarca, em regra são considerados como tribunais de primeira instância, podendo ser desdobrados em salas de competência especializada ou de pequenas causas, sempre que o volume, a natureza e a complexidade dos processos o justifique137.