• Nenhum resultado encontrado

PERÍODO MECANIZADO (da RIEC ao Controle

2.4 A MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO

2.4.1 Alguns usos para o conceito

Observa-se que o conceito de mediação está fortemente ligado, sobretudo, às áreas do

Direito, – onde a partir da ideologia positivista, adota significado de resolver conflitos; da Comunicação – vinculada ao sentido de mediação cultural e da Educação – relações com as

questões sociais e psicológicas, baseadas no construtivismo de Piaget, no sócio-interacionismo de Vygotsky e na midiatização de Paulo Freire (SILVA, 2015)

Do ponto de vista do Direito, a mediação pode ser definida como uma negociação facilitada ou catalisada por terceiros (CONSELHO..., 2016). Nessa perspectiva, pode ser definida em linhas gerais como uma técnica que se utiliza da linguagem para permitir a criação ou recriação da relação humana (PEREIRA, 2011). De acordo com a autora, o mediador intervém de forma imparcial, facilitando a comunicação entre os indivíduos e isso explica que sua aplicabilidade não se restringe apenas ao Direito, mas se estende para outras áreas.

A prática da mediação na perspectiva do Direito não é nova, mas já era conhecida na Grécia antiga, tendo sido utilizada também na China e na Civilização Romana, difundindo-se em várias culturas. Atualmente é praticada em âmbito mundial. O Direito moderno define

mediação como um método extrajudicial de solução de conflitos, que se diferencia de práticas como negociação, conciliação e arbitragem na medida em que se constitui em processo que privilegia a voluntariedade e objetiva trabalhar o conflito em si para que os acordos surjam como meras consequências. O mediador, portanto, não é um juiz que impõe decisões e vereditos, sua função é basicamente a de facilitar o diálogo entre envolvidos para reestabelecer as relações existentes (PEREIRA, 2011).

Davallon (2003) identifica na literatura algumas formas de uso do termo e, segundo esse autor, algumas dessas utilizações acabaram se distanciando do seu estatuto científico. Ele questiona as diferenças entre a mediação jurídica, por exemplo, e a mediação cultural. Também distingue o uso comum da mediação, como ação de servir de intermediário para produzir alguma coisa, sendo que o papel de intermediário serve como facilitador da comunicação. Davallon se refere também à noção de mediação como conceito operatório para designar, descrever ou analisar um processo específico, fazendo surgir propostas de definição que variam de setores: a mediação midiática (trabalho no interior da mídia), a mediação pedagógica (que tem o formador como mediador e que implica em interações educativas que conduzem à aprendizagem), a mediação cultural (presença de dupla abordagem – mediação e mediadores),

mediação técnica (uso de tecnologias) e a mediação social (onde as formas de uso se

regeneram no corpo social). Davallon (2003) identifica, dessa forma, os usos do termo mediação em variados aspectos. Já Peraya (2002) traz a discussão da comunicação midiatizada e sobre o uso dos dispositivos de comunicação.

Para Peraya (2002, p. 26) “[...] não há comunicação que não seja midiatizada. ” No entanto, esse autor observa a existência de uma comunicação não-midiatizada na experiência cotidiana da linguagem verbal. Ele se refere a “um grau zero de midiatização”, tendo em vista o fato da linguagem falada não se apoiar em artefatos tecnológicos. De acordo com Peraya (2002), a midiatização sugere uma referência implícita a dois conceitos, que permitem diferentes interpretações: do médium – intermediação obrigatória que torna mediata a comunicação entre professor e aprendiz – e das mídias – entendidas como meios de comunicação de massa. Dessa forma, Peraya distingue no ato de ensinar uma alternância no uso da comunicação não midiatizada, que corresponde à exposição oral de um professor, exposição esta que não depende de meios ou recursos materiais, mas apenas da capacidade do professor em transmitir conhecimento; e a comunicação midiatizada, que corresponde à apresentação de documentos que utilizam recursos áudio-texto-visuais, como slides, filmes, programas multimídias etc.), recursos esses que auxiliam o professor na sua tarefa de transmitir

conhecimento. Tais recursos nada mais são do que tecnologias da comunicação utilizadas para uso educativo.

Dessa forma, Peraya (2002) propõe então, o termo dispositivo de comunicação e de formação midiatizada para referir-se ao uso educativo dessas tecnologias da comunicação. O termo “dispositivo” provém do técnico, ou seja, designa a forma como são dispostas as peças de um aparelho e seu mecanismo. O autor explica que essa conotação foi adotada pelas ciências experimentais, principalmente pela psicologia que consagrou o termo “dispositivo experimental”, mas no âmbito da educação ele surge nos anos 1970, da necessidade do surgimento de novas formas do saber fundadas em mediadores. Peraya entende, portanto, “[...] que um dispositivo consiste em uma organização de meios a serviço de uma estratégia, de uma ação voltada a uma finalidade planejada em vista da obtenção de um resultado. ” (PERAYA, 2002, p. 29). A partir desse entendimento, propõe a seguinte definição: “[...] um dispositivo é uma instância, um lugar social de interação e de cooperação com intenções, funcionamento e modos de interação próprios. ” (p. 29). A adoção dessas definições leva-nos ao entendimento de que todos

[...] os dispositivos de comunicação midiatizada, todas mídias, das mais antigas – a escrita, por exemplo – às mais contemporâneas – a web, a rede internet, ciberespaço – constituem dispositivos, mais especificamente dispositivos tecno- semiopragmáticos. (PERAYA, 2002, p. 29).

Esses dispositivos tecno-semiopragmáticos ou DTSP seriam “[...] como um conjunto de interações promovidas por toda mídia, toda máquina de comunicar, toda tecnologia da informação e da comunicação (TIC) entre os universos técnico, semiótico e ainda social ou relacional. ” (PERAYA, 2002, p. 29-30). Conforme afirmação do autor, as tecnologias são a fronteira entre os três universos. Elas possibilitam a veiculação de mensagens, produzem sentido e significado de diversas maneiras, segundo o autor, [...] por meio de registros semióticos distintos: língua natural, linguagens visuais, audiovisuais, textovisuais etc.” (PERAYA, 2002, p. 30). As TICs, portanto, não são meros instrumentos utilizados para difundir informação. Nesse sentido, o autor cita como exemplo a Web, que para ele constitui uma tecnologia intelectual. A Web seria, portanto, uma ferramenta semiótica e cognitiva, capaz de organizar uma realidade e fornecer um instrumento de pensamento.

Para Pieruccini (2007) esses dispositivos atuam em três instâncias: a semiótica, a social e a técnica. A autora justifica Peraya (2002) e sua preferência pelo termo mediatização da informação, tendo em vista a presença, nesse caso de artefatos tecnológicos que ele chama de dispositivos. Tendo como base as considerações de Peraya (2002), a autora afirma que

[...] o dispositivo é, portanto, signo, mecanismo de intervenção sobre o real, que atua por meio de formas de organização estruturada, utilizando-se de recursos materiais, tecnológicos, simbólicos e relacionais, que atingem os comportamentos e condutas afetivas, cognitivas e comunicativas dos indivíduos. Dessa forma, os efeitos dos dispositivos, ou seja, dos meios dirigidos, ultrapassam os limites técnicos visíveis para tornarem-se, em nossa sociedade, instrumento da relação conosco, com os outros e com o mundo. (PIERUCCINI, 2007, p. 5).

De acordo com Pieruccini (2007, p. 4)

[...] a mediação da informação, na contemporaneidade, passa por processos tão revolucionários quanto aqueles originados pelo advento das “antigas” tecnologias de registro e circulação, não apenas com intensidade certamente mais contundente, em razão da natureza e da abrangência que as tecnologias eletrônicas permitiram, (sobretudo depois da Segunda Guerra), mas também face às estruturas e circuitos pelos quais a informação passa a ser organizada e mediada.

Para a autora, desenha-se uma nova ordem, onde se verificam mudanças de concepções, modos e recursos na configuração da sociedade e da informação, que passa a ser “[...] transformada em produto no mercado internacional, ou em armas ideológicas dos Estados.” (PIERUCCINI, 2007, p. 4). Dessa forma, a mediação da informação ganha novos contornos, capazes de modificar a relação entre sujeitos, conhecimento e memória social. A autora explica:

Atualmente, a informação não é só uma realidade autônoma: ela é técnica e tecnologia. Os destinos das significações situam-se, assim, no âmbito das relações entre sujeitos e artefatos, ou sejam, suportes materiais erigidos em objetos portadores- produtores de sentidos que, no quadro geral da construção das significações, alteram nossas relações com o conhecimento, a cultura e conosco mesmo. (PIERUCCINI, 2007, p. 4).

Reitera-se dessa maneira a importância do conceito de dispositivo, que apesar de carregar ainda sua noção de origem, relacionada ao campo técnico, do ponto de vista da mediação da informação, constitui-se em instâncias com modos e interações próprios. Em suas dimensões material e simbólica a mediação, conforme se refere Pieruccini (2007), o indivíduo passa a partilhar os processos de significação “[...] com os objetos, os artefatos, as ferramentas e os não-humanos em geral, constituindo-se, ao mesmo tempo, instância de comunicação e de formação midiatizada. ” (PIERUCCINI, 2007, p. 5, grifo da autora).

Assim, museus, bibliotecas e arquivos, por exemplo, são dispositivos de transmissão e comunicação e Pieruccini (2007) reafirma a importância desses dispositivos, lembrando, por exemplo, “[...] que se utilizam de meios técnicos, linguagens e formas de organização estruturada, utilizando-se de recursos materiais, tecnológicos, simbólicos e relacionais [...]” (PIERUCCINI, 2007, p. 5). Esses dispositivos, portanto, ultrapassam limites técnicos para se tornarem instrumentos da nossa relação com a sociedade. Não são, dessa forma, meros suportes de informação.

Citando Roger Chartier, a autora lembra que o papel dos dispositivos em relação ao conhecimento, derruba a ideia idealista segundo a qual o conhecimento depende apenas do domínio dos conteúdos. Esses dispositivos informacionais são configurados de forma complexa e heterogênea e trazem elementos portadores de sentidos. Tendo em vista a configuração complexa desses dispositivos, vocacionados para ordenar, organizar e prescrever, Pieruccini (2007) identifica a existência de uma ordem informacional dialógica, de natureza semiológica, compreendidas como instâncias que dizem, contam, narram, produzem significado e são, simultaneamente “[...] materialidade e signo, linguagem, discurso. ” (PIERUCCINI. 2007, p. 6). São assim, instâncias de mediação entre os sujeitos e o mundo, agindo diretamente nos processos de acesso e apropriação da informação, contribuindo para formação também de receptores e consumidores culturais.

Sobre a noção de mediação cultural, Perrotti e Pieruccini (2014) fazem uma reflexão a partir de autores como Duffrêne e Gallereau, Caune, Lamizet, Jeanneret, Darras, Davallon e La Fortune, como categoria teórica e autônoma. Para Perrotti e Pieruccini (2014) a mediação é categoria intrínseca a qualquer processo cultural, mas nem sempre é compreendida. Entretanto, o quadro histórico e cultural atual onde são feitas novas leituras de fenômenos informacionais e comunicacionais conferem centralidade à mediação cultural. Os autores referem-se ao sociointeracionismo de Vygotsky e seu conceito de zona de desenvolvimento proximal como talvez “[...] a melhor expressão das compreensões que emergem em várias áreas do conhecimento, dentre elas a dos estudos culturais. ” (PERROTTI; PIERUCCINI, 2014, p. 4).

Segundo os autores,

Pode-se dizer, assim, que não há informação ou comunicação sem mediação. E que, nos tempos atuais, as mediações, ao serem mediatizadas, mediatizaram as relações sociais, ganhando estatuto que obriga a colocá-las em posição de centralidade epistemológica. (PERROTTI; PIERUCCINI, 2014, p. 4).

Baseando-se em autores como Davallon (2004) e outros citados no texto, Perrotti e Pieruccini (2014) alertam para a necessidade de tratar a mediação cultural como uma categoria situacional,

[...] pensada em relação a contextos e processos precisos já que se pode falar tanto em mediação cultural em contextos difusos, como em museus, bibliotecas, teatros e outros equipamentos culturais, considerando-se, ainda, em relação a estes uma gama diversificada de manifestações diferenciadas em cada um desses equipamentos. (PERROTTI; PIERUCCINI, 2014, p. 4-5).

Essas reflexões reafirmam o entendimento de que bibliotecas, museus e arquivos, são dispositivos de mediação cultural apesar de diferirem em suas ações de mediação, na formação dos acervos, na sua gestão e na sua disponibilização ao público.

Os autores lembram ainda que o termo “mediação cultural” é formado por um substantivo e um adjetivo. O substantivo “mediação” é comum e utilizado em diferentes campos, como o jurídico – a negociação facilitada – e até mesmo o religioso, referindo-se ao ato de intermediar relações dos homens com Deus. Já o adjetivo “cultural”, restringe e particulariza o termo, distinguindo a mediação cultural de outras formas de mediação, com as quais ao mesmo tempo em que se diferencia, se mantem afinada. Os autores completam:

Em outras palavras, tal como nos demais campos, a mediação cultural é um ato de intermediação por um “terceiro” visando viabilizar relações e convivência dos sujeitos entre si - o “viver junto” ao qual refere-se Caune (1999a). De outro lado e ao mesmo tempo, é ato envolvendo uma classe específica de objetos e processos que encerram uma dimensão simbólica-semilógica especial e autônoma, mesmo se em interação dinâmica com os fluxos que caracterizam as lógicas do mundo concreto. (PERROTTI; PIERUCCINI, 2014, p. 9).

Além de ser uma noção complexa, nos moldes propostos por Morin (2005) e dos aspectos funcionais e instrumentais encontrados nos teóricos citados pelos autores, esses afirmam que a mediação cultural “[...] é ação portadora de sentidos próprios que estão em relação com sentidos incrustados tanto nos objetos, como nos sujeitos culturais e seus respectivos contextos. ” (PERROTTI; PIERUCCINI, 2014, p. 9-10).

Perrotti e Pieruccini (2007) estabeleceram as bases e fundamentos científicos para o desenvolvimento de estudos relacionados à informação e à educação, nomeado por eles como “Infoeducação”. Segundo os autores, tanto a área da Informação quanto a da Educação, na busca de eficácia dos seus mecanismos de transmissão do saber acabaram por expandir seus horizontes para além da transmissão de informações, permitindo a descoberta dos usuários (Informação) e dos aprendizes (Educação) “[...] como sujeitos dos processos simbólicos de que participam, tratando-os não mais como mera projeção dos desígnios da emissão. ” (PERROTTI; PIERUCCINI, 2014, p. 53). Os autores indicam que essa aproximação entre Informação e Educação resultou em novas e importantes conexões entre os dois campos, que se viram diante da necessidade de enfrentarem a crise dos métodos tradicionais de informar e educar, tendo em vista a demanda exigida pelos novos contextos histórico-culturais, através da realização de estudo de usuários, de projetos de educação para informação e information literacy, por exemplo, de modo a promover a aproximação entre as duas áreas.

Todavia, para Perrotti e Pieruccini (2007) essas aproximações, apesar de significativas, ainda não conseguiram romper o dualismo que historicamente separa as duas áreas. A Infoeducação, proposta pelos autores, se coloca como uma tentativa de compreender as relações históricas entre as duas áreas, buscando abrir novas perspectivas na relação entre elas.

Perrotti e Pieruccini (2007, p. 56) utilizam o termo “protagonismo cultural” para nomear “[...] o fenômeno de participação ativa e afirmativa na vida cultural, na condição de produtor e criador de significados e sentidos, seja individualmente ou enquanto membro de um grupo ou uma coletividade. ” Tal conceito, segundo os autores, refuta compreensões tradicionais e correntes que colocam os sujeitos sociais não em posição de protagonistas, mas de usuários, clientes, ou consumidores culturais, o que vai de encontro à concepção dos autores. De fato, essas compreensões tradicionais engessam os sujeitos em posições determinadas e estáticas, impedindo que ele tenha uma participação plena em todo o processo de mediação. Para Perrotti e Pieruccini (2007, p. 61), “[...] não cabiam tais termos e concepções, por mais que atentássemos aos aspectos de uso implicados nos gestos culturais, assim como a suas dimensões econômicas e materiais. ” Os autores entendem que a afirmação do protagonismo cultural está relacionada à apropriação simbólica – apropriação de informações, conhecimento e cultura – em sua dimensão de apropriação de signos e significados, que vem sendo também estudada por eles.

Além da sua aplicação no Direito, na Educação e na Comunicação, o conceito de mediação está fortemente ligado à Ciência da Informação. Sendo esse o principal interesse desta pesquisa. Nas próximas subseções seu conceito será abordado de forma mais detalhada.