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3 TRAÇADO METODOLÓGICO DA PESQUISA

3.4 AS TÉCNICAS UTILIZADAS

Para realização de análise conceitual dos textos numa pesquisa bibliográfica, é necessário adotar técnicas que permitam extrair o conteúdo do que foi dito pelos autores, compreender o que esses autores comunicam através do texto, procurando também fazer o desmonte desse texto, de modo a entender sua mensagem, mesmo que ela não seja colocada de forma literal. Para tanto, foram utilizadas as técnicas de análise de conteúdo, análise de discurso e de análise documentária, detalhadas na sequência.

3.4.1 Análise de conteúdo

A escolha da Análise de Conteúdo decorreu da necessidade de se identificar o que foi dito claramente pelos autores e que pode ser entendido como um conteúdo pertinente à pesquisa realizada, nos textos selecionados. Adotou-se como referência, Bardin (2011), para quem a análise de conteúdo se constitui em um conjunto de técnicas de análise das comunicações, sendo um campo de ação extremamente vasto. A Análise de Conteúdo tem seus antecedentes ligados a hermenêutica – arte muito antiga utilizada para interpretar textos sagrados e misteriosos – e à retórica e à lógica. Segundo a autora a análise de conteúdo pode se relacionar com a análise

documental ou representação do conteúdo de um documento, na medida em que sejam suprimidas a função de inferência e sejam limitadas as “[...] suas possibilidades técnicas apenas à análise categorial ou temática, [...]” (BARDIN, 2011, p. 51).

De acordo com Bardin (2011) as fases da análise de conteúdo devem estar organizadas em três polos cronológicos, a saber:

a) pré-análise – fase de organização propriamente dita que geralmente compreende à escolha dos documentos a serem analisados; a formulação das hipóteses e dos objetivos e a elaboração de indicadores para a interpretação final;

b) exploração do material – fase longa, onde são efetuadas operações de codificação e decomposição ou enumeração, de acordo com as regras estabelecidas previamente;

c) tratamento dos resultados – fase onde os resultados serão tratados de forma a se tornarem válidos e significativos, de forma a permitir que o analista possa interpretar e propor inferências de acordo com os objetivos previstos.

Além disso, Bardin (2011) estabelece critérios para a análise de conteúdo, que foram adotadas nesta pesquisa:

a) leitura flutuante – estabelecimento de contato como os documentos a serem analisados; visa conhecer o texto, para que aos poucos, essa leitura vá se tornando mais precisa;

b) escolha dos documentos – feita de acordo com o universo e objetivos da pesquisa, determinados a priori, constituindo o corpus ou conjunto de documentos a serem submetidos aos procedimentos de análise, tendo em vista as regras de exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência.

A adoção da técnica de análise de conteúdo foi fundamental, portanto, para a identificação do que foi comunicado pelos autores de forma explícita, permitindo a constituição dos dados quantitativos analisados. A outra técnica utilizada, a análise de discurso, a ser detalhada no próximo segmento, permitiu a identificação dos dados qualitativos analisados na pesquisa.

3.4.2 Análise de discurso

Analisar o que foi escrito pelos autores em determinado texto, nem sempre é suficiente para compreender o pensamento de quem o produziu. Por isso, ater-se apenas o conteúdo escrito

pode levar a perder de vista elementos capazes de fornecer uma compreensão mais aprofundada sobre o autor e sobre a mensagem que está sendo passada.

Para Orlandi (2015) a Análise de Discurso não trata especificamente da língua ou da gramática, mas sim, essencialmente do discurso – palavra em movimento, uma vez que a palavra discurso, etimologicamente carrega a ideia de curso, percurso, de movimento. De acordo com a autora, no estudo do discurso “[...] observa-se o homem falando. ” (ORLANDI, 2015, p. 13). Nessa perspectiva, compreende-se a partir de Orlandi (2015) que na Análise de Discurso o que importa não é a língua, enquanto sistema abstrato, mas “[...] a língua do mundo, com maneiras de significar, com homens falando, considerando a produção de sentidos enquanto parte de suas vidas, seja enquanto sujeitos seja enquanto membros de uma determinada forma de sociedade. ” (ORLANDI, 2015, p. 13-14). O estudo que interessa à Análise de Discurso é o da língua, funcionando para produção de sentidos. Diferentemente da Análise de Conteúdo, que procura extrair sentidos dos textos, a Análise de Discurso considera a não transparência da linguagem, buscando, dessa forma, “[...] atravessar o texto para encontrar um sentido do outro lado. ” (ORLANDI, 2015, p. 16). A autora explica que a questão que se coloca na Análise de Discurso é responder “como” e não “o que” o texto significa. Segundo a autora,

Para responder, ela não trabalha com os textos apenas como ilustração ou como documento de algo que já está sabido em outro lugar e que o texto exemplifica. Ela produz um conhecimento a partir do próprio texto, porque o vê como tendo uma materialidade simbólica própria e significativa, como tendo uma espessura semântica: ela o concebe em sua discursividade. (ORLANDI, 2015, p. 16).

A Análise de Discurso situa-se, sobretudo, no sentido e não simplesmente no que está posto pelo texto. Conforme Orlandi (2015) ela teoriza a interpretação, analisando seus gestos. A Análise de Discurso não estaciona na intepretação, trabalha seus limites, seus mecanismos como parte dos processos de significação. Também não procura um sentido verdadeiro através de uma “chave” de interpretação. Não há esta chave, há método, há construção de um dispositivo teórico. Não há uma verdade oculta atrás do texto. Há gestos de interpretação que o constituem e que o analista, com seu dispositivo, deve ser capaz de compreender. (ORLANDI, 2015, p. 24).

Para Brandão (2012) a linguagem enquanto discurso não funciona apenas como instrumento de comunicação ou suporte de pensamentos, ela “[...] é interação, e um modo de produção social; ela não é neutra, inocente e nem natural, por isso o lugar privilegiado de manifestação da ideologia. ” (BRANDÃO, 2012, p. 11). De acordo com a autora, a linguagem é lugar de conflito e confronto ideológico, constituída de processos histórico-sociais, não podendo, por isso, ser estudada fora da sociedade nem desvinculada de suas condições de produção (BRANDÃO, 2012). Tal pensamento se completa com o de Orlandi (2015), para

quem o discurso constitui objeto sócio histórico “[...] em que o linguístico intervém como pressuposto. ” (ORLANDI, 2015, p. 14). No discurso é possível se observar a relação entre a língua e a ideologia, de forma a compreender como a língua produz sentidos por e para os sujeitos (ORLANDI, 2015).

A Análise de Discurso surge na década de 1960 como uma nova tendência linguística, mas conforme afirma Brandão (2012), os anos 1950 foram decisivos para a construção da disciplina a partir de trabalhos como o de Zellig Harris que mostram a possibilidade de ir além da frase nas análises, estendendo procedimentos da linguística distribucional aos enunciados (discursos) e das contribuições de R. Jakobson de E. Benveniste sobre enunciação. De acordo com Brandão (2012) esses trabalhos já configuram a existência de duas posturas teóricas para a Análise de Discurso: a americana e a europeia. Por um lado, o trabalho de Zellig Harris, que apesar de ser considerado um marco inicial, “[...] situa-se fora de reflexões sobre a significação e as considerações sócio-históricas de produção que vão distinguir e marcar posteriormente a análise de discurso. ” (BRANDÃO, 2012, p. 14). Por outro lado, a autora lembra o trabalho de E. Benveniste, que percorre outro caminho e “[...] dá relevo o papel do sujeito falante no processo de enunciação e procura mostrar como acontece a inscrição desse sujeito nos enunciados que ele emite. ” (BRANDÃO, 2012, p. 14).

Sobre a noção da pressuposição utilizada na perspectiva gramatical, Henry (2013) analisa criticamente o trabalho de Oswald Ducrot sobre a pressuposição e o sentido literal. Segundo Henry,

Cada indivíduo reage ao seu modo ao mundo sensível; diante de um objeto perceptível cada um forma sua representação essencialmente irredutível à de qualquer outro indivíduo; cada signo evoca na mente do ouvinte uma representação que não pode ser comparada à de nenhum outro indivíduo diante do mesmo signo. (HENRY, 2013, p.62).

Tal afirmativa aponta para a questão da subjetividade impregnada na análise de discurso, que deve ser observada por quem se utiliza dessa técnica. Henry (2013, p. 73) diz ainda que “É preciso, portanto, poder dizer sem ser dito, exprimir efetivamente certos conteúdos (crença, ponto de vista pessoal ou ideologia social) sem para tanto poder ser obrigado a reconhecer que os exprimimos voluntariamente. ”

Portanto, e conforme o pensamento de Orlandi (2015), na Análise de Discurso não se trata apenas da transmissão da informação de forma linear, pois há muita complexidade contida no processo de funcionamento da linguagem e da produção de sentidos.

Dessa maneira, apoiada nos autores citados, a Análise de Discurso se colocou como técnica apropriada a esta pesquisa, tendo em vista suas pretensões de verificar a presença da

mediação implícita da informação nas pesquisas sobre representação temática e descritiva da informação no âmbito da Ciência da Informação brasileira. Assim, esta pesquisa precisou conectar-se não apenas ao que é dito claramente nos textos examinados, mas também ao que é perceptível de forma subjetiva e subliminar, permitindo à pesquisadora efetuar uma abordagem qualitativa dos resultados obtidos.

Além da Análise de Discurso, facilitadora da abordagem qualitativa da pesquisa, a Análise Documentária desempenhou seu papel preponderante como auxílio na obtenção de dados qualitativos para a pesquisa, sendo descrita a seguir.

3.4.3 Análise documentária

O termo análise documentária evoluiu a partir do conceito de indexação, que surge relacionado à elaboração de índices, sendo vinculado atualmente, de acordo com Silva e Fujita (2004), ao conceito de análise de assunto. O surgimento da Documentação como área cientifica ocorrida nos anos 1960 constitui fator determinante na evolução do conceito de indexação na perspectiva das autoras. Essa evolução determinou a importância do contexto do documento para se chegar ao objetivo de ter a informação recuperada. Para as autoras essa evolução se deu tendo em vista o aumento cada vez maior da expectativa de uma recuperação da informação cada vez mais rápida, precisa e especializada. Silva e Fujita (2004, p. 136) pontuam:

A expressão “Análise Documentária” foi formalmente conceituada por Gardin, (1981, p. 29) como ‘um conjunto de procedimentos efetuados com a finalidade de expressar o conteúdo de documentos científicos, sob formas destinadas a facilitar a recuperação da informação.

Portanto, a corrente francesa, representada pelos autores franceses como Jean-Claude Gardin, J. Chaumier, M. Coyaud, o espanhol García Gutiérrez e pelo inglês W. J. Hutchins adota o termo “Análise Documentária”, encontrando vários seguidores no Brasil. De acordo com Vogel (2009), Gardin é um dos primeiros autores a reconhecer o desenvolvimento da representação documentária no universo da linguagem e a utilização de parâmetros linguísticos para propor a organização de linguagens documentárias. Para Lara,

Gardin privilegiou a Análise Documentária destacando sua importância para a expressão do conteúdo de textos científicos (GARDIN, 1970), caracterizando a atividade como uma operação de extração de significados de textos que, por sua vez, são designados por símbolos que não necessariamente os encontrados nos textos de origem (GARDIN, 1973a). O objetivo da Análise Documentária é isolar o sentido dos textos visando permitir pesquisas retrospectivas da informação a partir de seus conteúdos ou significação (GARDIN, 1973b). (LARA,2011, p. 97-98).

No Brasil a abordagem de origem francesa encontrou solo fértil e se desenvolveu no espaço acadêmico, principalmente a partir da contribuição dos estudos de Johanna Smit e da

criação do grupo Temma nos anos 1980, no âmbito da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP). Com relação ao Grupo Temma, Guimarães e Sales (2010, p. 3-4) enfatizam que

[...] historicamente, teve-se a abordagem do processo de análise documental, seguida da função comunicacional dos produtos por ela gerados para que se pudesse se chegar à construção de linguagens de organização e transferência de informação. Hoje, o Grupo TEMMA vem diversificando seu espectro investigativo, investindo particularmente nos estudos de terminologia aplicada à organização e transferência da informação; nos processos de leitura em análise documental e na linguagem de especialidade da Ciência da Informação.

De a acordo com Lara (2011), o trabalho do Grupo Temma afirmou a condição da Análise Documentária como disciplina metodológica para a análise de textos e, embora a proposta inicial de Gardin seja dirigida a análise de textos científicos, no Brasil os procedimentos desenvolvidos abrangem também textos para análise de imagens e de dados estatísticos, por exemplo.

A Análise Documentária, em síntese é definida como um conjunto de procedimentos que objetivam expressar o conteúdo dos documentos, visando facilitar a recuperação da informação (CUNHA, 1990). De acordo com essa autora, existem aproximações entre a Análise Documentária e a Análise de Conteúdo,

[...] na medida em que o que está presente é um texto ou documento a ser analisado e a necessidade de se chegar a um produto através de um sistema simbólico baseado na língua do texto/documento considerado sendo que as duas análises têm como exigência de procedimento a obtenção de uma metalinguagem tradutora, ou seja, palavras representativas do todo texto/documento. (CUNHA, 1990, p. 62).

Nesse sentido, observando essas aproximações, essa pesquisa se utiliza também dos procedimentos de análise documentária, nos moldes adotados no trabalho de Cunha (1990), ante a necessidade de se extrair do texto/documento, informações relevantes aos objetivos da pesquisa, de forma sistemática. A utilização da técnica de análise documentária indicada por Cunha (1990) foi fundamental para ampliar a percepção sobre o pensamento dos autores. Dessa forma, as análises de conteúdo, de discurso e a documentária se complementaram no decorrer da pesquisa e, a partir delas, construiu-se o instrumento para coleta dos dados, descrito no próximo segmento.