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ALIMENTOS SEM GORDURA TRANS: UMA OPORTUNIDADE

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CAPÍTULO 4: A CONSOLIDAÇÃO DO RISCO DA GORDURA TRANS

5. A UE DESAFIA O RISCO, 2004-

6.1 ALIMENTOS SEM GORDURA TRANS: UMA OPORTUNIDADE

Até este ponto da controvérsia científica, os construtores de fatos conseguiram reunir numerosas pesquisas publicadas nos principais periódicos científicos da área médica, alistaram grandes estudos epidemiológicos como o Nurses’ Health Study, convenceram importantes autoridades científicas como o Danish Nutrition Council, o Instituto de Medicina americano e até mesmo a OMS; persuadiram políticos a criar legislações nacionais nos principais marcos regulatórios do mundo; e atraíram ONGs de consumidores que passaram a estar alertas para a presença de gordura trans nos alimentos. Enfim, foram enfileirando todo tipo de aliados humanos e não-humanos de modo a constituir não apenas um risco, mas um risco de saúde pública.

Os construtores de fatos encurralaram a indústria de alimentos de tal maneira que esta se viu forçada a reconhecer a gordura trans como risco – conforme podemos constatar em qualquer embalagem de alimento processado que comprarmos atualmente, em que se lê “0% gordura trans”. No entanto, contra as expectativas dos construtores de fatos mencionados acima, a indústria adotou estratégias que buscaram amarrar a gordura trans a outros elementos, de forma a mudar o destino do risco.

Os alimentos sem gordura trans são a grande inovação da indústria dentro desta controvérsia científica. Na Europa, os supermercados parecem ter liderado esta tendência com os alimentos com sua própria marca. Em 2005, a maior rede de supermercados do Reino Unido na época, a Marks & Spencer's, se comprometeu a eliminar a gordura trans de todos os seus produtos até o ano seguinte. Esta decisão ainda foi acompanhada por outras duas grandes redes de

supermercado inglesas, Tesco e Sainsbury, que anunciaram medidas similares 88. Em 2006, a associação British Retail Consortium, que reúne os maiores supermercados do Reino Unido decidiu retirar a gordura trans de todos os produtos de suas próprias marcas. Cerca de 5.000 alimentos foram afetados por esta decisão 89. O Food and Drink

Federation, do Reino Unido, calculou em 2006 que produtos no valor de

que 1.5 bilhões de libras foram reformulados para cortar o conteúdo de gordura trans. Entre as onze maiores firmas do setor de alimentos entrevistas pela Federação, nove já tinham retirado aqueles ingredientes com gordura trans 90.

Ilustração 4: Exemplo de alimento da classe dos biscoitos "sem gordura trans"

Fonte: Voortman 91

Entre as grandes empresas do setor de alimentos do mundo, a Nestlé reduziu o conteúdo de gordura trans de seus produtos a partir de 2003, mas estendeu esta reformulação para a diminuição dos níveis de sal em 2005, açúcar em 2007 e gordura saturada em 2009 92. Na época em que anunciou que reduziria o conteúdo de gordura trans de seus

88 Disponível: http://www.foodnavigator.com/Science-Nutrition/Marks-Spencer-bans-

hydrogenated-fats

89 Disponível em: http://news.bbc.co.uk/2/hi/health/6314753.stm 90 Disponível em: http://news.bbc.co.uk/2/hi/health/6058416.stm 91 Disponível em: http://www.voortman.ca/dark_chocolate.php 92 Disponível em:

http://www.nestle.com/CSV/Nutrition/MakingNutritionThePreferredChoice/Pages/Delivering AgainstPolicies.aspx

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alimentos, a Nestlé afirmou em entrevista ao Bakery and Snacks, um site americano especializado em informações sobre a indústria de alimentos, que buscava seguir o aconselhamento nutricional da OMS 93. Ainda em 2003, a Unilever anunciou que todas as suas linhas de margarinas seriam livres de gordura trans 94.

A utilização de alegações de saúde do tipo “livre de gordura trans” na parte da frente das embalagens sugere que a indústria de alimentos valoriza esta reformulação como estratégia para rebater críticas e principalmente tornar seus produtos mais atrativos para os consumidores, conforme o exemplo de uma marca de biscoitos vendidos no mercado canadense (ver ilustração 4). Felizmente para a indústria, a utilização deste tipo de alegações de saúde se mostrou uma aposta de sucesso. No mercado americano, aqueles alimentos com a alegação “livre de gordura trans” tiveram um crescimento de 12% em suas vendas em 200495. De acordo com uma pesquisa de mercado publicada pela

Greenfield Online, 72% dos americanos lêem as informações

nutricionais quando compram alimentos, enquanto que 61% consideram a alegação “0% gordura trans” a mais importante para a saúde do coração96. Estas preocupações indicam que a indústria criou uma alegação de saúde relevante para os consumidores, e produziu um novo aspecto do que seria um alimento saudável.

Com isso, a retirada da gordura trans dos alimentos é explorada pela indústria como uma nova qualidade que torna um alimento mais saudável. As margarinas são um bom exemplo de como a indústria gradualmente incorporou novos atributos a seus produtos. Desde quando foram criadas em 1964, as margarinas da linha Flora/Becel, por exemplo: (1) surgiram como uma alternativa mais saudável que a manteiga, (2) ganharam gorduras poliinsaturadas consideradas benéficas para a saúde do coração, (3) incorporaram as vitaminas A, D e E, (4) reduziram o seu teor de gordura saturada, e (5) mais recentemente eliminaram a gordura trans 97 (ver ilustração 5). Nesse contexto, a retirada da gordura trans representa uma expansão deste leque de atributos que tornam o alimento benéfico para a saúde.

93 Disponível em: http://www.bakeryandsnacks.com/Formulation/Nestle-cutting-trans-fats-in-

global-products

94 Disponível em: http://www.foodnavigator.com/Financial-Industry/Unilever-takes-the-trans-

out-of-fat

95 Disponível em: http://www.foodnavigator-usa.com/Legislation/Trans-fat-label-law-offers-

threats-and-opportunities

96 Disponível em: http://www.foodnavigator-usa.com/Financial-Industry/Company-claims-

consumers-duped-by-trans-fat-labeling-loophole