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CAPÍTULO 3: A CONTROVÉRSIA CIENTÍFICA DA GORDURA TRANS

3. AS PRIMEIRAS ALEGAÇÕES, 1990-

3.1 ESTIMANDO O RISCO

Entre 1993 e 1994 duas novas pesquisas produzidas nos EUA dão continuidade à controvérsia científica. Novamente, diversos peritos da saúde continuam discordando a respeito da avaliação do risco.

Em 1993, os construtores do fato científico ganham novos aliados com a publicação de novos dados a partir do estudo epidemiológico denominado Nurses’ Health Study, realizado pela Universidade de Harvard desde 1976 e que acompanhou 85.000 mulheres (WILLETT et al., 1993). Willett et al. (1993) identificaram uma associação significativa entre o consumo de gordura trans e o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Os peritos de Harvard

21 Disponível em: http://www.nytimes.com/1990/08/29/garden/eating-

well.html?scp=6&sq=trans+fat&st=nyt

22 Disponível em: http://www.nytimes.com/1990/08/29/garden/eating-

tentaram fortalecer a alegação recorrendo a novos estudos que também indicaram similaridades entre os efeitos da gordura trans e gordura saturada para explicar os seus próprios dados (ZOCK; KATAN, 1992; NESTEL et al., 1992; MENSINK et al., 1992b). Willett et al. (1993) elencam como principal explicação para esta relação entre doenças cardiovasculares e gordura trans as alterações no colesterol conforme descritas por Mensink e Katan (1990). Esta publicação de Harvard acabou chamando a atenção do governo dinamarquês que, em vista destes resultados, decidiu realizar um estudo sobre os efeitos na saúde do consumo de gordura trans (ASTRUP, 2006).

Em 1994, em resposta a um pedido e com o apoio financeiro do

Institute of Shortening and Edible Oils, o Departamento de Agricultura

americano conduziu um estudo publicado que monitorou os efeitos da gordura trans e gordura saturada no organismo por meio de dietas controladas (JUDD et al., 1994). O estudo partiu de uma dieta com conteúdo moderado de gordura trans (3,8% da energia total proveniente da gordura trans) e outra com níveis mais altos (6,6% da energia total). As conclusões acabaram convergindo com outros estudos que também apontaram que a gordura trans provoca alterações no colesterol que colaboram para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. No entanto, Judd et al. (1994) apontaram que a diminuição do colesterol HDL ocorreu apenas entre aqueles que consumiram a dieta com quantidades elevadas de gordura trans. Por isso, estes autores defenderam que este efeito ocorre apenas a partir de níveis de consumo mais elevado – o que foi contra a alegação de Mensink e Katan (1990) e Zock e Katan (1992) de que existiria um efeito linear, proporcional a quantidade consumida. Mais uma vez, os cientistas concluíram que a gordura trans teria efeitos similares ao da gordura saturada no colesterol LDL. Entretanto, Judd et a. (1994) sinalizaram a formação de um pequeno corpo de estudos que fundamentavam a alegação de que a gordura trans seria um fator para o desenvolvimento de doenças cardíacas, apesar de não considerarem necessárias modificações na fabricação de alimentos.

Na trajetória do conhecimento durante este período do começo da década de 1990, os construtores do risco buscavam promover uma versão deste que equiparava os efeitos na saúde da gordura trans aos da gordura saturada. Esta era uma versão temporária do risco em que as realidades das duas gorduras apareciam diretamente vinculadas. A estratégia de alinhar a realidade da gordura trans com a da gordura saturada abria a possibilidade de tirar proveito de um ator mais forte,

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dado que os efeitos adversos da gordura saturada já tinham o status de fato científico. No entanto, a controvérsia começava a ganhar o mundo. 3.2 AS PRIMEIRAS PREOCUPAÇÕES NA DINAMARCA

A Dinamarca entra para a controvérsia científica em março de 1993, com a publicação do relatório do estudo epidemiológico Nurses’

Health Study. Este relatório estimou que mulheres que consumiam mais

de quatro colheres de chá de margarina por dia tinham 50% a mais de chances de desenvolver doenças cardíacas (WILLETT et al., 1993). No mesmo dia da publicação desta pesquisa da Universidade de Harvard, um dos membros do Danish Nutrition Council 23 concedeu uma entrevista à rádio nacional dinamarquesa em que sugeriu que os benefícios para a saúde atribuídos à margarina poderiam ter sido superestimados. No entanto, ele optou por não dar mais declarações em vista de uma reunião de emergência que o Danish Nutrition Council teria no dia seguinte. Esta entrevista ganhou grande repercussão na mídia nacional dinmarquesa em manchetes sensacionalistas como “Emergency meeting on margarine hazard” (ASTRUP, 2006).

O Danish Nutrition Council concluiu que o relatório não apresentava conclusões definitivas, apesar de corroborar a existência de uma relação causal entre o consumo de gordura trans e doenças cardiovasculares. Diante da posição do Danish Nutrition Council instalou-se uma situação desconfortável na Dinamarca pela parceria entre a Associação Dinamarquesa do Coração e a indústria de margarinas: a Associação havia arrecadado royalties pelas vendas de margarina que utilizava seu logo nas embalagens. No primeiro momento, a indústria de margarinas na Dinamarca reagiu afirmando que seria muito alto o custo de produção de margarinas sem gordura trans. O

Danish Food Agency, uma autoridade governamental, apoiou a indústria

e apontou que não existiam dados suficientes para a recomendação da redução do consumo de gordura trans (ASTRUP, 2006).

Nesse período, o Danish Nutrition Council apresentava indicações de que seria um novo aliado para a construção do risco como

23 A princípio, o Danish Nutrition Council foi estabelecido em 1992 como uma entidade

privada a partir de uma parceria com a Danish Medical Association e o Danish Dairy Board. Ou seja, nesta época da controvérsia científica o Conselho ainda era um ator financiado pela iniciativa privada. No entanto, em 1998 o parlamento dinamarquês decidiu que o Danish Nutrition Council deveria se tornar uma instituição pública, e passou a ser considerada uma autoridade nacional de saúde (ASTRUP, 2006).

fato científico, visto que decidiu estabelecer um grupo de trabalho para produzir um relatório sobre os efeitos na saúde relacionados ao consumo de gordura trans, que seria publicado em 1994. No entanto, o ano de 1994 ainda traria mais duas novas publicações que aumentariam as chances da alegação ser bem sucedida como fato científico.