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Jung conta que, durante vários anos, teve um sonho insistente, sem dúvida profético, que muito revela sobre o que representou para ele a descoberta da Alquimia, de sua linguagem, de seus símbolos, de sua Arte Real. Sob o jugo dessa cena onírica repetitiva, ele descobria uma parte de sua casa cuja existência ele nem conhecia naquela época. Ele visitava estranhamente os apartamentos de seus procriadores, mortos, no entanto, há muito tempo, e constatava, com uma profunda surpresa, que seu pai tinha "um laboratório no qual estudava a anatomia comparada dos peixes" e sua mãe, "um hotel para visitantes fantasmas" (sic.)!

Seu comentário é significativo... "Normalmente, essa ala desconhecida de minha casa era um antigo edifício histórico, há muito esquecido, do qual eu era proprietário por herança. Ali se encontravam interessantes móveis antigos, e, lá para o final dessa série de sonhos, descobri uma velha biblioteca cujos livros me eram

desconhecidos. Finalmente, no último sonho, abri um desses livros, e ali encontrei uma profusão de maravilhosas imagens simbólicas. Quando acordei, meu coração batia de emoção". Claro, a analogia se impunha como uma evidência. E Jung tem perfeita consciência disso quando escreve: "Pouco tempo antes de ter este último sonho, eu havia encomendado a um livreiro uma das coletâneas clássicas de alquimista da Idade Média". Com efeito, ele havia encontrado uma citação que estimava que talvez tivesse uma relação com a Alquimia bizantina. Ele desejava verificar essa correspondência. Ora, quando finalmente recebeu o pacote do livreiro, várias semanas depois de ter visto em sonho esse livro desconhecido e precioso, constatou que o volume recebido, em pergaminho datando do século XVI, era ilustrado com "fascinantes" imagens simbólicas que no mesmo momento lhe lembraram aquelas de seu sonho... A partir de então, ele conclui logicamente seu raciocínio: "Como a redescoberta dos princípios da Alquimia tinha se tornado uma parte importante de meu trabalho como pioneiro da Psicologia, o motivo de meu sonho recorrente é fácil de compreender. A casa, evidentemente, era o símbolo de minha personalidade e de seu campo consciente de interesses. A ala desconhecida representava uma antecipação de um novo campo de interesse e de pesquisa que ainda escapava à minha

consciência. Desde então, há 30 anos, eu nunca mais tive esse sonho".37

Com efeito, Alquimia e Hermetismo jamais

deixariam, a partir dos anos 1930

principalmente, de entusiasmar Jung e de incitá- lo a exprimir por meio de palavras cuidadosamente escolhidas as analogias sutis entre um certo universo maçónico tradicional e

"sua" psicologia das profundezas.

Evidentemente, sabe-se que ele sintetizou tudo isso em Psychologie et alchimie, editado somente em 1944, portanto, depois da Segunda Guerra Mundial. Todavia, nosso explorador de símbolos maiores começou bem antes seus estudos da Arte Real, tornando-se um verdadeiro

colecionador ávido de velhos grimórios

codificados. Foi no banho de Atanor que ele mergulhou. Aliás, em La Psychologie du

transferi,38 um de seus livros mais difíceis de ser

decifrado, mas, sem dúvida, um de seus mais importantes para compreender sua mentalidade de pesquisador, o autor cita o adágio de um tratado alquímico "Ars requirit totum hominem,\

que significa "a arte requer o homem por inteiro". E afirma a seguir sem hesitar: "Isso se aplica igualmente, em toda a sua extensão, ao trabalho psicoterapêutico. Há casos que não apenas exigem um engajamento real, para além da rotina profissional, mas que o impõem caso não se prefira colocar em risco toda a emprei-

37 Jung, C. G. L'homme et ses symboles, essai d'exploration de l'inconscient, Éditions Robert Laffont, 1964.

tada para afastar seu próprio problema que se vê surgir de todos os lados com uma nitidez crescente". Para provar por exemplos extraídos da sabedoria antiga que tudo o que existe no macrocosmo se reflete no microcosmo, não se trata de ser diletante... A vida de um Emmanuel Swedenborg (nascido em 1688) é exemplar a esse respeito e, como C. G. Jung a conhecia, pois tinha percorrido sua doutrina das correspondências, ele chegava mesmo a afirmar que "toda coisa natural é a representação de uma coisa espiritual, e esta é, por sua vez, a representação de uma coisa divina".

Em outros termos, na iniciação, na prática, assim como na análise da psique humana, nada conta, ou muito pouco, fora daquilo que se realiza dentro, ao implicar a interioridade inteira. Não se explora o sentido dos símbolos e a riqueza infinita do inconsciente como amador, ainda que esclarecido! O que acontece então é da ordem da iniciação sagrada. Trata-se de deixar para trás as aparências sensíveis e de buscar sem descanso o avesso de uma trama... Assim como o poeta romântico Gerard de Nerval escreve em

Aurélia, nunca se deve perder de vista que "tudo vive, tudo age, tudo se corresponde"; os raios

magnéticos emanados de mim mesmo ou dos outros atravessam sem obstáculo a cadeia infinita das coisas criadas; é uma rede transparente que cobre o mundo e cujos fios soltos se comunicam de par em par com os planetas e com as estrelas.

Assim, quando o Mestre Maçom se identifica com Hiram, o arquiteto mítico do Templo de Salomão, ele não se torna Hiram sob o toque de uma varinha mágica qualquer de feiticeiro branco ou negro. Mas ele se identifica, por e graças ao símbolo e ao processo de transmissão. Sim, com certeza, o símbolo é o vetor capital da transmutação e da transmissão. Em Alquimia também, a revelação da Grande Obra, após muitas noites de meditação e de preces (o laboratório muitas vezes tem como complemento um oratório), qualquer que seja a via escolhida, a seca ou a úmida, não tem nada a ver com uma simples sequência de operações mágicas de cozimento mais ou menos misteriosa. Permanece-se incessantemente no campo da purificação espiritual pelo fogo. O alquimista, assim como o ferreiro, são discípulos de Elias, essa grande figura da fé judaica e cuja história é relatada sob forma lendária na Bíblia (primeiro e segundo Livros dos Reis). Com efeito, depois de ter lutado contra os deuses Baal da tempestade introduzidos em Israel pela rainha Jezabel, esposa do rei Acab, Elias foge do reino e vai até o Monte Sinai, onde encontra Deus antes de ser "arrebatado ao céu" com seu corpo e acom- panhado por uma carruagem e por cavalos de fogo, um pouco à maneira de Enoch no Gênesis ou da ascensão de Jesus, ou mesmo da Assunção de sua mãe, a Virgem Maria.

Como se pressente, o objetivo é realmente a

materialização do espírito ("a pedra filosofal") e,