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Nem pastor, nem teólogo, nem guru

Durante toda a sua carreira de psiquiatra, C. G. Jung instigou seus pacientes para que fossem além da aparência imediata, que de forma alguma se fechassem em si mesmos, que se estabelecessem, de certa forma, o mais próximos de sua própria verdade, que se conscientizassem, com grande paciência e

perseverança. Quando ele revelou seu conceito de persona, o qual significa se questionar sobre o reflexo que se quer dar de si aos outros, imagem ligada à sua capacidade de impor sua marca voluntária sobre o real em, por exemplo, um processo profissional, o Mestre de Zurique nunca perdeu de vista que todo pai representa para o seu filho um modelo da dita persona, o primeiro que interpela o mesquinho do homem.

Em sua autobiografia, Jung ressalta que, se a

persona é realmente o sistema de adaptação

para se comunicar com o mundo, "o perigo é de se identificar com sua persona, o professor com seu manual, o tenor com sua voz". Sob esse ponto de vista, ele até afirma que a persona é aquilo que alguém não é na realidade, mas aquilo que ele próprio e os outros pensam que ele é! No caso do pai diante de seu filho - e se pode pensar aqui no pai de Jung e no próprio Jung -, é evidente que, no início de seu crescimento, o filho está muito mais impressionado pelo reflexo exterior que seu pai revela no espelho das situações humanas do que pela realidade que ele mais ou menos mascara. O desencantamento com a imagem do pai acontecerá muitas vezes no momento da adolescência, ou mesmo antes. E esse desencantamento às

vezes se tornará lenta desintegração. No destino de Jung, a relação com o pai ("um pastor muito mais triste, decepcionante e sem perspectiva porque, ao que parece, obscuramente decepcionado consigo mesmo", escreve Christian

Gaillard) rapidamente se degradou. Com efeito, muito cedo o filho se deu conta de que seu pai pastor, e consequentemente "perito" em fé religiosa, estava atormentado pela dúvida materialista, por um certo agnosticismo de base. O teólogo que perde suas crenças só pode ser infeliz, culpado ao extremo. Além do mais, não se deve esquecer de que Carl Gustav ficou órfão relativamente cedo, uma vez que tinha apenas 21 anos quando da morte prematura de seu genitor (início de 1896). Aliás, ele conta que sua mãe, alguns dias depois da agonia de seu esposo, disse a seu filho: "Ele desapareceu em um momento favorável para você".

Dessa forma, segundo a célebre e um pouco vulgarizada fórmula, Jung teve de "matar o pai" muito cedo. Sem extrapolar as etapas de sua vida, pode-se apenas constatar que, assim como o pálido Johann Paul Achille Jung esteve muito mais ao alcance de uma psique filial sempre naturalmente destinada ao assassinato simbólico do modelo paterno, a separação de C. G. Jung de Sigmund Freud também foi mais problemática. Como todos sabem, Freud colocou Jung durante um tempo, voluntariamente, no coração do movimento psicanalítico emergente. Ele quis fazer dele seu "filho", seu "herdeiro", seu "príncipe herdeiro". A seguir, houve uma longa, dolorosa, dramática separação. Separação talvez ainda inacabada diante da História.

Ocorre que, aos olhos de Jung, o pai, real ou simbólico ou, às vezes, "adotivo", permanece para seu filho um modelo dapersona. É preciso,

custe o que custar, e às vezes durante toda a sua vida, arrancá-lo de si, superá-lo, matá-lo, superar seu ícone, contradizê-lo, ou, pelo menos, questioná-lo novamente, a fim de ir mais longe em seu próprio processo de individuação. A identificação com o pai permanece, para todos e para cada um, perigosa e infinitamente complexa. Seu desafio sempre foca a liberdade individual do sujeito, independência a ser constantemente ganha ou novamente ganha sobre as influências exteriores.

Sem dúvida porque, durante sua juventude, ele teve de assassinar simbolicamente dois pais (seu genitor físico, esse pálido clérigo protestante e seu mentor psíquico, o incontornável Freud) para se tornar o que se tornou, isto é, um dos mais incontestáveis gênios de seu século, Jung foi o que melhor compreendeu toda a dor inegável que representa esse extirpar da persona necessário para forjar um homem livre. Em

outros termos, pode-se comparar esse

movimento de lenta libertação àquilo que, na Maçonaria, seria batizado, voluntariamente, como o trabalho do Aprendiz para obter uma pedra polida, ou mesmo cúbica, saída da "pedra bruta" das primeiras horas do dia da iniciação. O crescimento humano, com muita evidência, efetua-se sempre "em movimento", e exige uma série de integrações, consciente ou inconsciente- mente, de informações disponíveis do lado de fora.

Foi certamente a partir da morte de seu pai, enquanto fazia seus estudos de medicina na

Universidade de Bale, que C. G. Jung atingiu sua importância como homem. Ele fez opções bem definidas sobre todas as questões da sociedade, lendo notadamente Schopenhauer e Kant, colocando-se a questão metafísica capital do porquê da existência do mal e desse Jeová "que ri do desespero dos inocentes" (Jó 9: 22-23). E, aliás, com pertinência que uma historiadora da psicanálise como Linda Donn, em seu livro sobre Freud e Jung, observa que a primeira conferência deste último diante do círculo estudantil, em novembro de 1896, ano da morte de seu pai, tratava dos "limites das ciências exatas" e conclamava ao estudo dos fenômenos hipnóticos e espiritualistas. Assim, o jovem Jung, ainda estudante, já expressava em público sua exigência de disciplina científica e sua profunda necessidade de examinar o inefável. Por isso mesmo, o orador se abria a uma dupla preocu- pação que deveria acompanhá-lo até sua morte. C. G. Jung nunca desejou ser pastor como seu pai, muito menos teólogo. Ele foi seduzido pela Medicina e pela pesquisa pragmática. De fato, ele confessou ter sido primeiramente atraído pela Anatomia Comparada, depois, ao ler um manual de Psiquiatria de um certo Krafft-Ebing, que qualificava as psicoses como "doenças da personalidade", decidiu repentinamente se orientar para a Psiquiatria. Ele precisou, com um certo lirismo, em sua autobiografia composta mais tarde: "Meu coração começou a bater com violência, precisei me levantar para retomar o fôlego. Uma intensa emoção tinha se apoderado

de mim; muito rapidamente, como por uma iluminação, havia compreendido que não poderia haver para mim outro objetivo senão a Psiquiatria. E somente nela poderiam confluir os dois rios de meu interesse e escavar seu leito em um percurso comum. Ali estava o campo comum da experiência dos dados biológicos e dos dados espirituais que até então eu tinha buscado de maneira vã. Era, enfim, o lugar onde o encontro da natureza e do espírito tornava-se realidade". Observa-se, desde sua juventude, C. G. Jung, preocupado em ser racional, científico, rigoroso em suas pesquisas e igualmente decidido a explorar e a analisar as "observações dos espíritas". Estas últimas, como confessará mais tarde, constituíam para ele "as primeiras

relações sobre os fenômenos psíquicos

objetivos". Na realidade, Jung nunca deixou de ser duplo em seu temperamento inaugural de pesquisador: ele sempre fez um paralelo, se isso às vezes não está em oposição, entre a constante preocupação de uma necessidade de apoio no material e a de uma intuição das profundezas que levam o homem a explorar o inconsciente e seus continentes psíquicos e espirituais. Desde 1929, Jung escrevia em La

guérison psychologique: "A experiência que

fazemos do objeto poderia nos colocar ao abrigo dos preconceitos subjetivos?". Toda experiência não é, mesmo no melhor dos casos, composta, pelo menos em sua metade, por uma interpretação, para retomar uma expressão meio bárbara que deveria aparecer bem depois de sua

morte, notadamente da pena dos admiradores do filósofo Stéphane Lupasco. É isto: C. G. Jung, com o compasso de sua inteligência excepcional, é um adepto da não dualidade, um amigo do Vedanta, essa corrente essencial de pensamento do Hinduísmo clássico (século VI a.C), que seria reivindicada por mestres espirituais indianos como Ramana Maharshi, que Jung, no entanto, se recusa a encontrar, ou Aurobindo. C. G. Jung tornar-se-á um admirador do I Ching. Jamais esquecerá essa famosa lógica do Yin e do Yang originária da filosofia chinesa. Ele é fiel ao segredo do Rig-vêda, que diz: "Com seu raio, ele mediu os limites do céu e da terra" (VIII, 25-18). Jung é ao mesmo tempo um sonhador sem complexo e um pragmático rigoroso. E mais particularmente em suas intuições que advinham a reconciliação dos contrários que ele alcança a plena medida de seu talento. Ele sabe: o inconsciente é sempre rico de revelações. Baseando suas pesquisas na psique e na alma moderna, buscando as raízes da consciência nas religiões comparadas, na Alquimia, em personagens bíblicos como Jó, ele vai ao encontro de uma atitude de espírito tipicamente maçônica no sentido mais nobre e universal da palavra. C. G Jung é fiel àquilo que, sem dúvida, aprendeu ainda jovem em um círculo de iniciados. O mínimo que se pode dizer a seu respeito é que, ao sondar ainda mais as significações dos ritos e dos símbolos religiosos do planeta, veículos universais dos ensinamentos de Sabedoria, ao incentivar todas as

transformações interiores, ao buscar uma ordem cósmica, que às vezes vai ao encontro das mediações tântricas sobre arte e a maneira de reunir não apenas o que está disperso, mas também o que é oposto, ao preconizar a unidade primordial do ser contra seu esfacelamento, ao definir seu processo de individuação já evocado como um labirinto que nos conduz, de purificação em purificação, da obscuridade à luz, da morte à vida, Jung torna-se uma "pedra filosofal viva", no sentido alquímico do termo. Mas ele é, ou melhor, ele se torna, conscientemente ou não, um "superior desconhecido" que não pode ser comparado a nenhum outro!

Ele acrescenta sua contribuição ao pensamento de Goethe quando este último escrevia em um poema de 1814, Nostalgia bem-aventurada: "E enquanto tu não compreenderes / Esse morrer e se tornar / Tu és apenas um obscuro passageiro / Sobre a terra tenebrosa". De fato, C. G. Jung, que, segundo a tradição de sua própria família, tinha um avô que teria sido um filho natural de

Goethe (repetimos isso voluntariamente),

certamente, pôde ser influenciado, mais ou menos conscientemente, pelo itinerário e pela obra do poeta. Certo, Jung, em sua autobiografia tardia, parece não levar muito à sério a hipótese de seu eventual parentesco com Goethe, mas é certo que, na adolescência (tinha 16 anos), descobriu, com admiração, Fausto.

De qualquer maneira, desde que a psicologia das profundezas inventa um conceito, encontramos

suas marcas no cadinho da Sabedoria universal. É o caso da persona, por exemplo. C. G. Jung se encontra, então, de acordo com aquilo que nomeia no Aïon "o habitus de nossa vida psíquica ancestral". Aos seus olhos, ele explica em termos diretos e simples, nós funcionamos como o homem funcionou sempre e em todos os lugares.

Capítulo VIII