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Altas habilidades, superdotação ou talento nos esportes na literatura da Educação

Aqui são destacadas, de início, duas bases teóricas cujos princípios fundamentam e amparam a legislação brasileira sobre a Educação Especial para as pessoas com altas habilidades, superdotação ou talento: A Teoria das Inteligências Múltiplas de Gardner e a Teoria dos Três Anéis de Renzulli.

A Teoria das Inteligências Múltiplas, de Gardner (1994, 2000) avalia que a inteligência é um potencial biopsicológico, não é estática e pode ser desenvolvida em maior ou menor grau. Esse conceito quebra o paradigma de “pessoa inteligente” como um todo, como se a inteligência fosse algo inato e global.

Gardner caracterizou nove domínios de inteligência, ou espaços de cognição: lógico- matemática, verbal/linguística, visual/espacial, corporal-cinestésica, musical, interpessoal, intrapessoal, naturalista e existencial. Essas inteligências são relativamente independentes umas das outras, e podem ser modeladas e combinadas numa multiplicidade de maneiras adaptativas por indivíduos e culturas (GARDNER, 1994, 2000).

A síntese das capacidades ou áreas de domínio das inteligências está no quadro a seguir:

Quadro 1 - As inteligências múltiplas de Gardner

Tipo de inteligência Capacidade/domínio

Lógico-matemática Capacidade de criar rapidamente soluções que são formuladas pela mente e representá-las numericamente antes mesmo de serem representadas de forma material.

Verbal/linguística Capacidade de utilizar os códigos linguísticos utilizando-os na forma oral ou escrita para interpretar ou comunicar-se criativamente.

Visual/espacial Capacidade de perceber os espaços e recriá-los, transformá-los mesmo na ausência de contato material. Capacidade de visualizar e reproduzir imagens internas.

Corporal-cinestésica Capacidade de controlar e utilizar o corpo para executar movimentos com discernimento para a expressão, de forma produtivo-criativa.

Musical Capacidade de perceber sons e ritmos de modo a discriminar, transformar criativamente e expressar formas musicais.

Interpessoal Capacidade de observar e perceber nas pessoas seus sentimentos, motivações e intenções. Envolve sentimentos de colaboração e interação.

Intrapessoal Capacidade de identificar e compreender os próprios sentimentos e agir com base nesse autoconhecimento.

Naturalista Capacidade de perceber e discriminar situações relativas ao meio ambiente para lidar com as questões do ambiente natural ou para transformá-lo. Existencial Capacidade de perceber e situar-se em relação aos limites da condição

humana e sobre suas formas de existir e representar o mundo. Fonte: Elaborado pela autora com base em Gardner (1994; 2000).

A Teoria dos Três Anéis refere-se à proposta de Renzulli (2004) de desenvolver um modelo para a verificação das características das pessoas com potencial elevado, e não se prende à finalidade de estabelecer o porquê de apresentarem esses traços, mas de saber quem são essas pessoas e como a Educação Especial pode promover o seu desenvolvimento. Assim, o seu propósito é de criar oportunidades para que este público-alvo tenha serviços especiais que lhes ocasionem condições favoráveis para a sua promoção pessoal e para ensejar a contribuição que podem dar à sociedade:

A primeira finalidade é fornecer aos jovens oportunidades para um maior crescimento cognitivo e autorealização, através do desenvolvimento e expressão de uma área de desempenho ou uma combinação delas, nas quais o potencial superior pode estar presente. A segunda finalidade é aumentar a reserva social de pessoas que ajudarão a solucionar os problemas da sociedade contemporânea, tornando-se produtores de conhecimento e arte e não apenas consumidores das informações existentes. Esta segunda finalidade, às vezes chamada de o argumento da cura do câncer, era especialmente útil para o apoio legislativo e financeiro. A maioria das pessoas concordaria em que ambas as metas se apoiam mutuamente. Em outras palavras, o trabalho produtivo e criativo de cientistas, escritores e líderes, em todos os campos da vida, trazem benefícios para a sociedade e também provoca sentimentos de realização, autorealização e uma atitude positiva sobre o Eu de cada um (RENZULLI, 2004, p. 81).

De acordo com a Teoria dos Três Anéis desenvolvida por Renzulli (2004), são três os componentes da concepção de superdotação: habilidades gerais e/ou específicas acima da média, comprometimento com a tarefa e elevados níveis de criatividade. A superdotação (SD) se verifica pela interseção dos três elementos. A cor de fundo4 representa os fatores de

personalidade e ambientais que se interagem e contribuem para a formação dos três anéis:

4 Renzulli (2004) utilizou o fundo pied-de-poule em sua representação da interação entre a personalidade e o ambiente. Aqui utilizamos um tom de cinza, mixando o preto e o branco como representação desses fatores.

Figura 1 - Representação da Teoria dos Três Anéis

Fonte: Elaborada pela autora com base em Renzulli (2004).

A habilidade geral é constituída por traços ou domínios que podem ser aplicadas de maneira ampla, aplicada a uma variedade de situações. Exemplos de habilidade geral, segundo Renzulli (2014, p. 236) são: “raciocínio verbal e numérico, relações espaciais, memória e fluência verbal”. As habilidades específicas relacionam-se à capacidade de executar ou adquirir conhecimento e técnica para exercer atividades de tipo específico ou em âmbito reduzido, como, por exemplo, uma determinada área como “belas artes e artes aplicadas, atletismo, liderança, planejamento e habilidades de relações humanas” (p. 237).

O comprometimento com a tarefa diz respeito à motivação para resolver determinado problema ou tarefa ou para atuar em uma área específica de desempenho com “perseverança, persistência, trabalho árduo, prática dedicada, autoconfiança, crença na própria habilidade de desenvolver um trabalho importante e ação aplicada à área de interesse” (RENZULLI, 2014, p. 241).

A criatividade em elevados níveis, que é o terceiro traço característico das pessoas superdotadas, reúne três significados de criatividade: o primeiro relaciona-se à capacidade de pensar diferentemente, a segunda tem a ver com a atitude original diante das experiências no mundo, e a terceira, que Renzulli (2014) associa à superdotação produtivo-criativa, expressa- se na habilidade de abandonar procedimentos e convenções instituídas e apresentar ideias e/ou produtos que causem impacto na realidade, com novidade e adequação. Para a identificação e o desenvolvimento da criatividade, portanto, a ideia de pensamento divergente e original relaciona-se à capacidade de uma aplicação concreta, em situações reais.

Conforme Renzulli (2014), o ideal é fazer uma distinção entre potencial e desempenho, pois embora existam pessoas com notável potencial, a superdotação é observada por meio do desempenho superior, acima da média, para que se configure a existência do comportamento superdotado. Sendo assim, “nosso maior desafio como educadores é criar condições que transformem esse potencial em desempenho”.

Os conceitos de dotação e talento são encontrados na teoria ou modelo de desenvolvimento de talentos de Gagné, descrito em 1985. O Modelo Diferenciado de Dotação e Talento (DMGT) separa claramente dotação de talento. A dotação se relaciona ao potencial, atitude e capacidades naturais; são dons, não treinados e espontaneamente expressos, em pelo menos um domínio de capacidade. O talento se refere aos conhecimentos e capacidades desenvolvidos sistematicamente; tem a ver com o domínio excepcional de competências que se traduz em desempenho e realizações.

De acordo com Gagné (2015), a diferenciação entre dotação e talento é frequentemente utilizada por estudiosos e profissionais ao conceituarem as altas capacidades. A distinção é visível quando separam o dom (potencial, promessa) do talento (realização, rendimento). Este autor separa os conceitos de dotação e talento no DMGT, e utiliza o termo “capacidade” para abranger tanto as capacidades naturais quanto as capacidades desenvolvidas sistematicamente. As altas capacidades distinguem 10% das pessoas quando comparadas às de mesma idade (dotação) ou que tenham acumulado uma quantidade similar de aprendizagem ao mesmo tempo (talento). A opção pela determinação de um limite percentual permite e facilita, em termos práticos, a identificação das pessoas com altas capacidades.

Em nenhum lugar vamos encontrar um número mágico que separe automaticamente do resto da população os rotulados como altas capacidades ou talento. O estabelecimento de um umbral adequado requer que os profissionais cheguem a um consenso, igual os nutricionistas fizeram quando estabeleceram distintos limites para os índices de massa corporal (IMC) (GAGNÉ, 2015, p. 18).

O Modelo Integral de Desenvolvimento do Talento (Comprehensive Model of Talent Development - CMDT) integra dois modelos anteriores, o Modelo Diferenciado de Dotação e Talento (Differentiated Model of Giftedness and Talent - DMGT) e o Modelo de Desenvolvimento de Capacidades Naturais (Developmental Model for Natural Abilities - DMNA). O DMGT define o desenvolvimento do talento como sendo a transformação progressiva das capacidades naturais excepcionais (dotação) em conhecimentos e capacidades excepcionais (talentos). O DMGT se compõe de três componentes básicos, que são Dotação, Talento e Processo de Desenvolvimento, e dois componentes adicionais, de apoio, que são os catalisadores intrapessoais e os ambientais. Estes afetam o processo de desenvolvimento do

talento de forma positiva ou negativa. O acaso desempenha um papel associado ao entorno, e não é um fator causal.

O DMGT foi revisto em 2007/2008, e foram introduzidas mudanças significativas em seus componentes. O DMGT 2.0 é uma atualização do modelo inicial (GAGNÉ, 2009).

A figura a seguir apresenta o DMGT 2.0 da forma como foi estruturado e apresentando as suas diversas variáveis:

Figura 2 - Modelo Diferenciado de Dotação e Talento de Gagné (DMGT 2.0)

Fonte: GAGNÉ, 2015, p. 20. Traduzido pela autora.

Ao incluir o conceito de dotação do tipo cinestésico-corporal, o DMGT ampliou os estudos desta área, pois a maioria das concepções publicadas anteriormente focaliza a dotação intelectual, talento acadêmico e profissões cuja base é academicista. Esta tendência fez com que o público atendido em programas de Educação Especial para dotados passasse a ser denominado por Gagné como “Intelectualmente Dotados Academicamente Talentosos - IGAT” (GUENTHER, 2012, p. 41).

Sobre o talento esportivo, observou-se que o mesmo referencial teórico que amparou o Relatório Marland de 1971 serviu como base para a definição de altas habilidades ou superdotação adotada na legislação brasileira (ainda que a habilidade psicomotora tenha sido excluída dos programas educacionais diferenciados da legislação norte-americana). Dentre os

aspectos de alto desempenho e/ou potencialidade apresentados pelas pessoas AH ou SD, apresentados de forma isolada e/ou combinada, encontra-se, em nossa legislação, a capacidade psicomotora. Esta “refere-se ao desempenho superior em esportes e atividades físicas, velocidade, agilidade de movimentos, força, resistência, controle e coordenação motora fina e grossa” (VIRGOLIM, 2007, p. 28).

As capacidades e habilidades notáveis na área psicomotora denotam o talento psicomotor:

O talento psicomotor, indicado pela capacidade e habilidade de dominar o próprio corpo, suas coordenações, músculos, tendões e articulações, em um nível de desempenho de alta qualidade, no campo atlético, esportivo, ou na área de coordenações finas, como, por exemplo, para manejar um bisturi ou um instrumento eletrônico (GUENTHER, 2000, p. 32).

Os talentos esportivos situam-se no domínio das habilidades sensório-motoras, ainda que essas pessoas também possam apresentar produção diferenciada em outros campos de domínio. No domínio sensório-motor encontram-se as raízes para conjuntos de capacidade nas áreas sensorial e motora. Na área sensorial destacam-se as pessoas com enorme capacidade visual, auditiva ou olfativa. Na área motora distinguem-se as pessoas com extraordinária resistência física, força notável, grande precisão de reflexos, notável coordenação viso-motora ou auditivo-motora, dentre outras capacidades consideráveis. Quando a pessoa apresenta um talento único, como, por exemplo, para a música, a matemática ou o futebol, seu envolvimento com a atividade na qual ela se distingue é evidente, e por isso o talento único é mais facilmente identificável (GUENTHER, 2000; 2011).