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A análise dos dados se deu pelo processo analítico-descritivo, a partir da recolha e redução das informações, com vistas à compreensão do fenômeno estudado, com relação à identificação, encaminhamento e acompanhamento dos alunos com altas habilidades nos esportes. O trabalho foi realizado, portanto, de modo a contemplar os objetivos, geral e específicos, da pesquisa: analisar as ideações de atletas, treinadores e professores, que contribuam para a compreensão sobre a identificação, encaminhamento e acompanhamento, na escola, de alunos com Altas Habilidades/Superdotação/Talento nos Esportes; bem como verificar e analisar as principais necessidades e obstáculos que esses alunos enfrentam na escola. Como metodologia, adotou-se a análise por meio da convergência das informações que, em pesquisas qualitativas examina o texto dos participantes a partir de pressupostos, com o objetivo de sistematizar e explicar o conteúdo das mensagens por meio do trabalho de interpretação, compreensão e inferências pelo pesquisador. De acordo com Vergara (2005, p. 15), a análise “é uma técnica para o tratamento de dados que visa identificar o que está sendo dito a respeito de determinado tema”.

Para Minayo (2007, p. 316), “a análise temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou frequência signifique alguma coisa para o objetivo analítico visado”. A análise temática, dentre as modalidades de análise de conteúdo, é a que trabalha com a noção de tema. Na análise temática liga-se o tema a uma

afirmação feita sobre determinado assunto, pode ser estabelecida uma grande quantidade de relações e a representação é feita por meio de palavras, frases ou de um resumo sobre o assunto.

Na análise dos dados buscamos estabelecer relações entre as informações obtidas e o contexto teórico. “É nesse momento que conceitos relativos à teoria adotada são reafirmados ou questionados pelos resultados encontrados” (MOROZ, GIANFALDONI, 2006, p. 103-104). Com base na fundamentação teórica e nos resultados da análise do conteúdo das entrevistas, foram interpretadas as informações coletadas e elaborado este trabalho final (tese). A próxima seção aborda os fundamentos teóricos referentes aos conceitos de altas habilidades, superdotação e talento nos esportes.

3 TALENTO, ALTAS HABILIDADES OU SUPERDOTAÇÃO NOS ESPORTES

Nesta seção são explorados os conceitos sobre talento, altas habilidades e superdotação relacionando-os àqueles específicos aos estudos sobre os talentos esportivos.

Considerando que a pesquisa de campo requer interações entre o conhecimento científico e os do senso comum, para a apreensão dos fenômenos estudados foi preciso, antes de ir a campo e durante o trabalho de campo, trabalhar com as construções de sentido que os conceitos descrevem. Na busca da compreensão dos conceitos sobre talento, altas habilidades e superdotação, averiguou-se suas origens, usos e influências.

Os conceitos envolvem funções cognitivas, pragmáticas e comunicativas. Possuem aspectos de delimitação e valoração, são operativos e possibilitam descrever e interpretar a realidade observada, e exercem um papel comunicativo para serem simultaneamente compreensíveis, abrangentes e específicos (MINAYO, 2002).

O significado de um conceito científico só se expressa plenamente quando está relacionado de forma sistemática a outros conceitos, ou seja, não existe de forma abstrata e isolada porque todo conhecimento se desenvolve a partir de uma base histórica e pedagogicamente construída. “Segue-se daí que conceitos dificilmente podem ser inventados independentemente de um contexto. Além disso, dado o contexto, raramente precisam ser inventados, posto que já estão à disposição” (KUHN, 1970, p. 180).

Sobre a formação dos conceitos e práticas pedagógicas, tem-se que os conceitos científicos são a base categórica compartilhada culturalmente, e a “teoria de mundo” é desenvolvida por meio dos “óculos conceituais” que são utilizados. Muitas vezes, em contato com o conhecimento científico há uma congruência entre os conceitos encontrados e os conhecimentos espontâneos (ou cotidianos) possuídos, e nestes casos não há situação de conflito. Outras vezes, quando há um confronto entre os conhecimentos espontâneos e os científicos, pode haver dificuldade em abandonar ideias pré-concebidas. Há ainda, outras situações nas quais não há conhecimento espontâneo para interagir com aquele que se apresenta formalmente (NÉBIAS, 1999).

Consequentemente, há de se pensar na função evocativa do uso dos termos na linguagem tanto no que se refere à opção pelo uso da terminologia na construção teórica dos conceitos, quanto ao uso corrente e a sua compreensão pelos professores. De acordo com Bittencourt (2004), é a função evocativa da linguagem que permite conexões e interpretações no intercâmbio comunicativo: quando o falante opta por utilizar termos como, por exemplo, hot- dog em vez de cachorro-quente, “ele tem a intenção de evocar o contexto social, econômico,

cultural, político da comunidade de fala à qual tais expressões pertencem” (s. p.). Então, mesmo que seja possível alegar que o uso dos termos se relaciona à opção teórica, é preciso verificar como na prática a ação comunicativa se desenvolve, pois não é recomendável dissociar a teoria da prática. Ou seja, não se trata somente da questão semântica, mas também de incompreensões que podem prejudicar o trabalho dos profissionais docentes.

A intenção de distinguir os conceitos de “talentos”, “altas habilidades” e “superdotação” neste trabalho é compreender como estes conceitos foram construídos e que implicações pode haver com relação ao atendimento aos alunos assim identificados. Assim, não bastou somente que a pesquisadora buscasse somente o seu entendimento, mas que procurasse empregar esses conhecimentos em seu estudo para saber como as concepções dos professores se constituíram. Ou seja, como os professores compreendem esses conceitos dentro das bases teóricas em que foram constituídos. “Lembremo-nos do fato de que os conceitos teóricos não são simples jogos de palavras. Como qualquer linguagem, devem ser construídos recuperando as dimensões históricas e até ideológicas de sua elaboração” (MINAYO, 2002, p. 21).

Conforme Azeredo (2014, p. 423), os significados que fluem das palavras não se resumem a elas, há de se levar em consideração o contexto comunicacional e as possibilidades associativas e evocativas envolvidas.

Mais do que os significados potenciais, devem-se buscar os sentidos autorizados ou atualizados pelo contexto, emersos do contato entre as palavras que compõem o discurso, e averiguar elementos cuja participação seja decisiva para a construção do sentido global (AZEREDO, 2014, p. 423).

No decorrer da pesquisa foram encontradas, na legislação brasileira (conforme se verifica no Apêndice 2 deste estudo), várias referências aos “talentos”, e interpreta-se que foi esta a terminologia adotada ao longo na nossa história até que as bases teóricas adotadas no Brasil elegessem o uso da terminologia “altas habilidades” ou “superdotação” na legislação sobre a Educação Especial.

Conforme será relatado mais detalhadamente em subseção posterior, foi percorrida a legislação brasileira, e constatou-se que desde 1810, na Carta de Lei de 4 de dezembro2, há

referência a alunos que “tem mais talento e disposição” ou “grande talento”. Aqui pode-se interpretar que haveria uma “gradação de talento”, observada pelo uso dos adjetivos “mais” e “grande”.

2 Esta Carta de Lei criou a Academia Real Militar com o objetivo de “ministrar na colônia um “curso completo de ciências matemáticas, de ciências de observações, quais a física, química, mineralogia, metalurgia e história natural que compreenderá o reino vegetal e animal, e das ciências militares em toda a sua extensão, tanto de tática como de fortificação e artilharia””. Fonte: <http://linux.an.gov.br/mapa/?p=2438>. Acesso em: 25 ago. 2017.

Pode-se pensar nesta gradação do talento a partir de um trecho do texto do renomado literato português Eça de Queiroz (1892), no qual o autor procurou traçar o perfil do grande homem moderno. Ainda que situado em sua época, o texto apresenta um conceito que corrobora para as reflexões sobre o que está sendo exposto:

A definição de “grande homem” está feita já, e com exatidão. O grande homem é aquele que pelo raciocínio atingiu uma maior soma de verdade, ou pela imaginação as maiores formas de beleza, ou pela ação os mais altos resultados, do que todos os seus contemporâneos na latitude do seu século. Esta obra superior em verdade, em beleza, em bondade ou utilidade, é produzida por um não sei quê que possui o grande homem, que se chama génio, cuja natureza não está suficientemente explicada, mas que constitui uma força infinitamente maior que o simples talento, o simples gosto ou a simples virtude (EÇA DE QUEIROZ, 1892, p. 1484 apud SANTANA, 2004, p. 231).

Santana (2004) analisa este texto de Eça de Queiroz, que é parte da crônica denominada “Os grandes homens de França”, no qual o escritor procura definir o conceito de “grande homem”. Das palavras de Santana (2004), extrai-se do texto de Eça de Queiroz que a eternidade, que é a única marca do ser superior, é resultado da equação entre os valores “verdade, beleza, utilidade e bondade” (p. 231).

Alguns pontos a ressaltar na interpretação do parágrafo da crônica, relacionamos aos postulados anteriores:

A genialidade, sobre a qual se retoma a afirmativa de que os gênios são pessoas que deram extraordinárias contribuições à humanidade e causaram revoluções em suas áreas de conhecimento, e que não cabe fazer essa classificação, na escola, no processo de identificação de pessoas talentosas, pois não é necessário que a habilidade seja excepcional para que o aluno seja identificado.

A categorização dos superdotados como acadêmicos ou produtivo-criativos, de Renzulli (2004), que pode ser representada no texto de Eça de Queiroz como aqueles que conseguiram “pela ação os mais altos resultados, do que todos os seus contemporâneos” (p. 231).

E ainda sobre a questão da comparação, dos mais altos resultados em relação aos contemporâneos, resgata-se do texto de Virgolim (2007) que há pessoas que se destacam por um talento, que pode ser significativamente superior ou menor, “mas o suficiente para destacá- las ao serem comparadas com a população em geral” (p. 28), e que na identificação das altas habilidades considera-se “aquela criança ou adolescente que demonstra sinais ou indicações de habilidade superior em alguma área do conhecimento, quando comparado a seus pares” (p. 27). A comparação não tem a finalidade de classificar as pessoas para rotulá-las, mas é necessária para que se cumpra o dever de identificar os alunos com altas habilidades para melhor atendê- los.