• Nenhum resultado encontrado

6. DISCUSSÃO

6.4 Alterações e efeitos associados ao consumo

Os comportamentos vivenciados sob o efeito da maconha são diversos e parecem variar de sujeito para sujeito e de contexto para contexto. Os mais comumente citados nas entrevistas foram: diferença na percepção da passagem do tempo - na maioria das vezes há uma percepção lenta, em “slow motion”; surtos de hilaridade; aguçamento dos sabores, sempre associado, com a “larica” (aumento do apetite) após uma ou duas horas do consumo; relaxamento muscular; diminuição de estresse e das preocupações cotidianas; audição mais refinada, principalmente para música; percepção visual relativamente alterada; confluência de ideias; diminuição de concentração, ou focalização da atenção em apenas um estímulo ou um pensamento, e quando esta última acontece reconhece-se nela uma “viajada”.

As primeiras experiências com a erva e seus efeitos associados foram relatados por Bastiãozinho e Benjamim como uma sensação de vislumbre, enquanto João Bosco, Wanderley e Peter Tosh não relataram ter experimentado alterações e sensações tão drásticas quanto imaginavam, como se estivessem redefinindo o que seria de fato as alterações ocasionadas pela erva em função de terem “fantasiado” outra coisa. Apenas Leo comentou que o gosto da maconha e o cheiro não o agradaram inicialmente.

Becker (2008) considera a questão dos efeitos e alterações comportamentais associadas ao consumo da erva de suma importância para o “aprendizado” de consumir maconha. E tal aprendizado possibilitaria, após uma seqüência aprendida, o consumo estável ou regular de maconha. Para o sociólogo americano, é preciso aprender, além da técnica de consumo, associar os efeitos conscientemente com o fato de ter fumado maconha para depois, em um segundo momento, redefinir essas sensações e estar no “barato” como algo agradável, ou seja, após aprender a experimentar os efeitos é preciso gostar deles. Apenas a partir de então as condições possibilitariam o estabelecimento de um consumo estável.

Acreditamos que no grupo pesquisado ocorreu a redefinição dos efeitos como agradáveis e bons. A regularidade foi estabelecida, possivelmente após a redefinição postulada por Becker (2008). Além disso, entre os consumidores há uma discriminação dos momentos em que a maconha pode propiciar efeitos agradáveis e efeitos não agradáveis, sendo essas situações evitadas. De certa forma há o reconhecimento do caráter prazeroso dos efeitos.

Notamos nesse estudo que na maioria dos relatos as alterações e efeitos relacionadas ao consumo cotidiano são concebidos e vivenciados como aquilo que definimos como “psicodelia do mundo real”. Essa definição surgiu para esclarecer que muitos consumidores quando fumam maconha não entram em “transe”, não percebem o mundo como um “universo paralelo” com alucinações visuais. Na verdade, há uma aproximação das condições ordinárias com a percepção alterada. Para o consumidor regular, pelo menos os aqui entrevistados, com o passar do tempo as alterações não são tão drásticas, tornam-se mais suaves, passíveis de serem associadas à cotidianidade.

Para reforçar essa interpretação de que a maconha não suspende ou mesmo cria uma distância das questões ordinárias da vida, podemos citar como exemplo a afirmação de Castaneda que seria uma grande ilusão pensar que a maconha pode ser um facilitador para pessoas que estão passando por problemas pessoais, algo que aliviaria essa dor. Para ele, na verdade seria um equívoco pensar que ao consumir maconha as questões problemáticas da vida seriam resolvidas ou mesmo melhoradas. Quando se fuma, o mundo é percebido não como outro, mas como o de sempre, onde as atividades mais simples e triviais do dia a dia podem ser reconhecidas e realizadas sob o efeito da maconha, já que esta não afastaria o mundo ordinário. Na tentativa de deixar tal noção mais clara, expomos um recorte de duas narrativas que sintetizam muito bem isso que identificamos em boa parte dos relatos:

Para mim, maconha não tem o efeito do estranhamento de que quando você fuma maconha pela primeira vez você tem, de ser um outro mundo. Para mim não. Esse é o mundinho que está sempre perto. Então quando eu fumo, eu to relaxado, me sinto, percebo alteração na percepção visual, mas nada muito LSD. (...) as coisas com a maconha elas não acontecem fora do corpo. Você

não fica vendo coisa. As coisas acontecem dentro da sua cabeça ( Bastiãozinho da Laerte).

Acho que as alterações nem são tão drásticas assim como algumas pessoas devem imaginar, principalmente para quem faz uso contínuo, elas passam a ser mais suaves. (...) Os horários que você fuma, não é um empecilho na maioria das vezes, mas pode vir a ser, se você fizer um uso em um momento impróprio. (...) Eu acho que existem momentos que você pode fumar, sem ter problemas. Acho que é possível e muitas vezes para determinada funções pode funcionar inclusive com algo positivo ( João Bosco).

Destacamos que apesar da maioria dos relatos assumirem essa possibilidade da “psicodelia do mundo real”, a maior parte dos sujeitos não generaliza o consumo de maconha para todas as atividades humanas. Segundo se pode entender, alguns efeitos poderiam não ser associados de forma positiva com o desempenho de certas atividades. Para algumas atividades, o uso é evitado, principalmente aquelas relacionadas a situações de trabalho e demais situações em que a condição de consumidor de maconha pode ser notada, o que será mais bem discutido quando tratarmos da questão das atividades realizadas e não realizadas sob efeitos da maconha e também da questão do controle social da maconha. Contudo, gostaríamos de registrar o consumo usual de maconha relacionado com a rotina e o dia-a-dia, como tomar um café para estimular, fumar um cigarro ou mesmo fazer a sesta depois do almoço para se sentir mais disposto.

É necessário se abordar ainda a sensação de prazer obtida ao se fumar maconha, o que também pode ser entendido como um dos efeitos ocasionados. Muitos consumidores entrevistados relataram benefícios em função do consumo, principalmente no que diz respeito ao lazer. Observamos que a maconha e seus efeitos possuem uma implicação significativa no lazer e na diversão dos participantes deste estudo. Clóvis Bernado, em uma brincadeira, chegou a afirmar que não há lazer sem maconha, que as situações de lazer ficam expressivamente mais divertidas quando consome maconha. Essa opinião pode ser considerada extrema quando comparada às demais, apesar da maioria afirmar que o lazer pode se tornar mais divertido a partir dos efeitos gerados pela erva. Mas a brincadeira evidenciada nesse relato, não é compartilhada por todos.

O que observamos são consumidores expressando melhora no lazer sob o efeito da maconha. Entretanto relatam que algumas atividades são divertidas com ou sem a erva, como por exemplo, jogar futebol, conversar com os amigos, ir ao cinema, ouvir música, entre outras. Essas atividades são divertidas para nossos sujeitos independentemente do

consumo da maconha, contudo, se fumada para essas atividades, essas são percebidas como mais agradáveis ou prazerosas.